Realidade e manipulação
8 de agosto de 2009Os conflitos políticos entre os governos latino-americanos se assemelham cada vez mais a um jogo de pega-varetas. É preciso resolver uma disputa por vez, porém isso é quase impossível sem reavivar controvérsias pendentes. Em princípio, tais circunstâncias exigem de todos os participantes o respeito estrito às regras do jogo diplomático. Quanto mais difíceis as negociações, mais cuidadosa deve ser a linguagem empregada.
Porém as controvérsias na América Latina tendem cada vez mais a terminar em gestos hostis, por vezes quase marciais. Na quinta-feira (06/08), o presidente venezuelano, Hugo Chávez, advertiu que o acordo que permitirá aos Estados Unidos utilizar sete bases militares no território da Colômbia pode desencadear uma guerra na América do Sul. E acrescentou que seu país firmará um acordo armamentista com a Rússia em setembro próximo.
Enfim, polarizações que fazem pensar numa perpetuação da Guerra Fria. Os temores do chefe de Estado da Venezuela têm fundamento?
Necessidade de um inimigo
"Essa é uma imagem que Chávez gostaria de ver convertida em realidade. Porém está muito distante do que os implicados planejam", assegura Günther Maihold, vice-diretor do Instituto Alemão de Política Internacional e Segurança (SWP), sediado em Berlim.
Em sua opinião, o presidente venezuelano precisa da imagem de um inimigo para sustentar sua perspectiva ideológica do mundo, desenvolver sua política interna e distrair a atenção internacional das acusações de que haveria fornecido armamento de grande calibre às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).
"Chávez tenta construir uma constelação de perigos para seu país e criar a impressão de que uma invasão militar está prestes a ocorrer. Assim, tenta dissipar a impressão de que apoia as Farc, apesar de isso ser evidente há algum tempo, desde que a Venezuela se converteu em parte da cadeia do narcotráfico da América do Sul para o mundo. E, naturalmente, as Farc estão envolvidas nessa atividade."
Giro tranquilizador?
Ainda assim, é tangível a preocupação na América Latina devido à presença militar estadunidense na Colômbia. A possibilidade de Chávez estar instrumentalizando politicamente o incômodo dos governos regionais não neutraliza esse desassossego.
Em sua edição da última quarta-feira, o diário espanhol El País comentava que, embora não se conheçam os detalhes do acordo entre os EUA e Colômbia, alguns analistas temem que as operações militares contra o tráfico de drogas e de armas e contra a guerrilha das Farc transcendam o território colombiano.
Por esse motivo, o presidente colombiano, Álvaro Uribe empreendeu um giro rápido pelo continente, a fim de tranquilizar seus vizinhos. O Peru e o Chile lhe ofereceram apoio total, o do Paraguai foi moderado. O Brasil e o Uruguai admitiram preocupação e insistiram que as operações militares se realizem com transparência. A Argentina e a Bolívia, por fim, manifestaram desaprovação à presença de militares estadunidenses na Colômbia.
Segundo Maihold: "O fechamento da base militar de Manta, no Equador, solicitado pelo próprio presidente equatoriano, Rafael Correa, é o motivo por que os militares norte-americanos se transferem agora para a Colômbia. Não consigo compreender o alarmismo gerado por essa transferência. Até agora essa base militar funcionava no Equador sem causar qualquer problema. Até porque o país é membro da ALBA". A postura antiamericana das nações que integram a Aliança Boliviana para os Povos de Nossa América é notória.
Conflitos reais e política simbólica
Quanto às possíveis implicações para Caracas da constatação de que haveria apoiado o grupo guerrilheiro colombiano, Maihold é categórico. "Chávez pode contar com sanções. O apoio a grupos 'terroristas' é punido pela comunidade internacional, e isso é de grande importância para um país como a Venezuela, que depende de maneira extrema do comércio internacional."
Cabe verificar se existem na América Latina instâncias capazes de reduzir o atrito entre os governos. Está marcada para 10 de agosto, em Quito, a cúpula da União das Nações Sul-Americanas (Unasul), que tratará dessa questão sem a presença da delegação colombiana, no entanto.
"O fato de Uribe não assistir à cúpula evidencia que ele não encontra nenhum interlocutor pertinente nessa organização", avalia o vice-diretor da SWP, concluindo: "A Unasul não é o fórum apropriado para solucionar esses assuntos. Lá se faz política simbólica, e nada mais".
Autor: Evan Romero-Castillo
Revisão: Simone Lopes