Obama e Springsteen exploram contradições dos EUA em livro
26 de outubro de 2021Barack Obama e Bruce Springsteen se conheceram em 2008, quando o lendário músico de rock se apresentou durante a campanha do jovem senador que queria se tornar presidente dos Estados Unidos.
Oito anos depois, Springsteen recebia na Casa Branca, do então presidente Obama a Medalha Presidencial da Liberdade por sua contribuição à cultura do país. Desde então, os dois são amigos próximos.
Quando a pandemia de covid-19e reiterados protestos do movimento Black Lives Matter (Vidas Negras Importam) tomou os EUA – a insurreição do Capitólio não tardaria a acontecer –, Obama abordou "The Boss", como Springsteen é conhecido, com a ideia de refletir sobre o estado da nação, num podcast que rememora o próprio processo de amadurecimento de ambos no país.
Os autodeclarados outsiders realizaram o "sonho americano" para atingir o auge nas áreas em que escolheram atuar. Mesmo assim, no podcast agora transformado em livro Renegades: Born in the USA (Renegados: Nascidos nos Estados Unidos), eles exploram as lutas e contradições de uma nação que contradiz o clichê de cercas brancas e tortas de maçã dos anos 1950.
"Bruce e eu meio que nos sobrepomos na noção de que era necessário revisar a história [dos Estados Unidos] para torná-la inclusiva", disse Obama em entrevista recente para a rede de televisão CBS. "É preciso reconhecer o país pelo que ele é, seus defeitos, suas bênçãos", acrescentou Springsteen, quando os dois se sentaram juntos numa conversa solene.
À emissora alemã ARD, o 44º presidente dos EUA definiu o parceiro como "um grande cronista da vida na América, um contador de histórias que captura muitas de suas contradições".
"Cada um à sua maneira, Bruce e eu tivemos jornadas paralelas, tentando entender esse país que nos deu tanto", escreve Obama na introdução do livro que parece ter potencial de reproduzir o sucesso do podcast Renegades, o mais ouvido globalmente na plataforma Spotify. "Estávamos procurando uma maneira de conectar nossas próprias buscas individuais por sentido, pela verdade e por uma noção de comunidade com a história mais ampla dos EUA".
Durante sua série em áudio, os dois cobriram de tudo, de racismo durante a campanha eleitoral e o movimento de direitos civis, ao escândalo Watergate e a visão dos líderes políticos conhecidos como Pais Fundadores dos Estados Unidos.
O diálogo foi conduzido no estúdio de gravação de Springsteen, repleto de guitarras e amplificadores, e um outro tema inevitável é a música, de Bob Dylan ao hip hop, e o impacto de músicos negros como Aretha Franklin e James Brown.
Renegados que viraram bons moços
Com histórias de vida muito distintas, os dois parecem vir de dois planetas diferentes. Barack Obama, devido ao sobrenome e à cor da pele, costumava ser o outsider por excelência na infância e adolescência passada nos anos 60 e 70 no Havaí. Mas ambos mencionam frequentemente que cresceram com um pai ausente, lutando para preencher esse vazio.
"Quando eu era jovem, me sentia sem voz, invisível, mas briguei para descobrir onde me encaixava", disse Springsteen, criado em Nova Jérsei, na entrevista à CBS.
A primeira guitarra do aspirante a músico nascido em 1949 foi comprada por sua mãe solteira, com um empréstimo bancário. Porém Springsteen saiu rapidamente da obscuridade, para se tornar um astro do rock que enchia estádios, e um poeta que cantava a vida da classe trabalhadora americana.
Para além da América mítica retratada em seu álbum Born to run, de 1975, que alavancou sua carreira, "The Boss" também era um crítico voraz dos Estados Unidos e principalmente da Guerra do Vietnã.
O tema foi abordado em seu maior sucesso, Born in the U.S.A., de 1984, que conta a história de um veterano de guerra portador de deficiência dolorosamente negligenciado, mas que ama seu país. Segundo as conversas de Obama e do cantor-compositor, a canção revelou a tensão nos EUA que também impulsiona o podcast e do atual livro, que toma seu título emprestado.
Racismo e o ressentimento branco da era Trump voltam a surgir na obra, não apenas tematizando as divisões raciais que Obama teve de superar, mas também a tentativa de Springsteen de ultrapassar essa distinção, tendo atuado por décadas com o saxofonista negro Clarence Clemons, da E Street Band. É nele que o cantor está apoiado, na icônica capa de Born to run.
De podcast a livro
O lançamento mundial de Renegades: Born in the USA, nesta terça-feira (26/10), dá vida às conversas íntimas que preencheram o podcast, em formato de livro ilustrado, incluindo fotografias raras das coleções privadas dos autores.
A obra também apresenta material raro de arquivo, como letras de canções escritas à mão por Springsteen e os discursos presidenciais transcritos de Obama – incluindo seu lendário discurso "Selma", pronunciado no 50º aniversário das Marchas de Selma a Montgomery, organizadas por Martin Luther King no Alabama em 1965, com o fim de chamar a atenção para a desigualdade entre brancos e negros quanto ao direito ao voto.
Enquanto revisita temas como casamento, paternidade, masculinidade, direitos civis e seu amor pela estrada, a dupla acaba sempre voltando a um tema chave: é possível que uma América fundamentalmente dividida se una em algum momento?
Como escreve Springsteen na introdução do livro, o desafio agora é lidar com "as forças destrutivas, feias e corruptas que gostariam de derrubar tudo": "Este é um tempo de alerta, no qual quem somos está sendo seriamente testado."