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Bach inédito estréia em Tóquio

Augusto Valente24 de março de 2005

Sensacional presente de Páscoa para o mundo da música clássica: uma cantata de Johann Sebastian Bach acaba de estrear no Japão. Restaurado por musicólogo norte-americano, o manuscrito estava desaparecido desde 1920.

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Bach compôs a Cantata de Núpcias em 1728

Com a chegada da Páscoa, a Alemanha celebra, como todos os anos, um de seus maiores artistas em todos os tempos: Johann Sebastian Bach (1685–1750). Grande parte da obra desse compositor genial, natural da Turíngia, dedica-se à música sacra. Nesta época suas duas paixões – Segundo São Mateus e Segundo São João – integram o programa das salas de concerto e igrejas de norte a sul do país.

Este ano a Páscoa veio precedida de um presente especial para os incontáveis admiradores do grande músico em todo o mundo. Embora dotado de uma imaginação sobre-humana, Bach jamais poderia imaginar que uma de suas cantatas profanas estrearia na capital japonesa, pouco antes da Páscoa de 2005.

Oito páginas preciosas

Trata-se da Cantata de Núpcias “Vergnügte Pleissenstadt” (Cidade do Pleisse Satisfeita), BWV 216, datada de 1728 e há muito considerada perdida. Uma cópia do manuscrito fazia parte do espólio da pianista japonesa Chieko Hara, falecida em 2001 aos 86 anos. A partitura dessa obra de encomenda foi completada pelo regente e compositor norte-americano Joshua Rifkin, após meticuloso trabalho de restauração musical.

De início, o perito na música bachiana pensou em “deixar a cantata repousar”: “Talvez um fragmento deveria permanecer fragmento”, comenta. Afinal, as oito páginas amareladas, porém bem conservadas, não continham mais do que as partes vocais de soprano e contralto de sete movimentos, com uma duração total de 20 a 25 minutos.

Nenhuma das partes instrumentais originais pôde ser recuperada. Porém Bach reutilizara o material musical dos movimentos 3 e 7 em duas outras cantatas profanas, uma ária e um dueto (respectivamente o 8º movimento da BWV 204 e o 13º da BWV 205).

Reconstituindo um dinossauro

Essa prática de reciclagem era comum para o músico obrigado por contrato a produzir toda semana meia hora de música altamente complexa e, em princípio, inédita, para os cultos religiosos de Leipzig. Isso, entre inúmeras outras tarefas de compositor, intérprete, docente e diretor musical.

Por fim, Rifkin deixou-se inspirar pelo trabalho dos paleontólogos, capazes de reconstituir todo um dinossauro a partir de um único osso: “Este é o meu dinossauro”, brinca.

O regente do Bach Concertino de Osaka descreve o ousado empreendimento como um “cubo de Rubik musical”: “Não podia reconstituir o que Bach escreveu, mas ao menos dar às pessoas de hoje uma idéia de como era sua música. Porém o ouvinte não deve distinguir o que é da autoria de Bach e o que é de minha”.

História de detetive

O texto da nova Cantata BWV 216 é um diálogo alegórico entre dois rios da Saxônia, o Pleisse e o Neisse, representando o noivo e a jovem noiva. O manuscrito em questão, da pena de um aluno de Bach, estava desaparecido há 80 anos.

Especula-se que a própria Chieko Hara não tinha idéia da preciosidade em seu poder, e que herdara de seu marido, o violoncelista espanhol Gaspar Cassado. Este, por sua vez, pode ter recebido o manuscrito da família de Felix Mendelssohn-Bartholdy, com a qual mantinha contato estreito.

Consta que até a década de 1920 a obra estava em mãos de um descendente de Mendelssohn. Este compositor alemão foi um dos principais responsáveis pelo renascimento bachiano, em meados do século 19, com sua execução da Paixão Segundo São Mateus.

Bach na Terra do Sol Nascente

Após a descoberta da partitura da Cantata BWV 216 entre os bens de Hara, uma equipe de musicólogos encabeçada pelo professor Tadashi Isoyama dedicou-se a examiná-la, confirmando sua autenticidade. Isoyama elogia a reconstituição por Rifkin e classifica o achado como um “enorme impacto sobre o mundo da música”, já que contribui decisivamente para a compreensão da obra do gênio barroco.

A estréia da Cantata BWV 216 realizou-se em 20 de março, no Suntory Hall de Tóquio, ao lado de duas outras cantatas profanas, BWV 202 e 210. Para Rifkin, não há aqui nenhuma discrepância, pois o Japão “está cheio de amantes de Bach”: “Ele está em casa, aqui”.