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Ação militar contra o EI pode provocar ainda mais destruição

Suzanne Cords (fc)10 de março de 2015

Ataques aéreos no Iraque com o intuito de conter os jihadistas podem causar "danos colaterais" a patrimônios culturais, alerta Markus Hilgert, presidente da Deutsche Orient-Gesellschaft, dedicada à Arqueologia Oriental.

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Ruínas da cidade de Hatra, no Iraque, foram destruídas pelo "Estado Islâmico"Foto: Philippe Desmazes/AFP/Getty Images

Um vídeo que mostra militantes do "Estado Islâmico" (EI) destruindo estátuas com mais de 3 mil anos num museu de Mossul, no Iraque, correu o mundo nas últimas semanas. Além de matarem milhares de pessoas, os jihadistas estão aniquilando sítios arqueológicos milenares no norte do país.

Para Markus Hilgert, especialista em cultura suméria e ex-professor de Assiriologia, há pouco o que se fazer, já que uma ação militar contra o vandalismo do EI poderia causar mais danos aos patrimônios culturais.

"Quando pergunto aos meus colegas da Síria e do Iraque o que podemos fazer, eles dizem: faça algo contra o comércio ilegal de bens culturais", afirma Hilgert, também presidente da Deutsche Orient-Gesellschaft, em Berlim, que promove a pesquisa no campo da Arqueologia Oriental.

DW: Patrimônios culturais como Nínive, Nimrud e agora Hatra, capital do primeiro reino árabe, foram destruídos. Enquanto especialista em História Antiga, como você se sente?

Markus Hilgert: É difícil encontrar palavras para descrever o que está acontecendo neste momento. Não apenas pelo fato de o foco de nossas pesquisas e de nossos esforços com relação à preservação do patrimônio cultural estar sendo destruído ou diretamente ameaçado. Mas também porque tudo é parte de uma catástrofe cultural e humanitária para a qual não há um fim à vista.

Por um lado, há relatos de que combatentes do EI estão atacando e destruindo os tesouros culturais com milhares de anos de idade. Mas ainda mais frequentes são os relatos de assassinatos brutais na região. Podemos nos preocupar com ruínas antigas – não importa o quão significativas sejam – enquanto tantas pessoas estão morrendo?

Acho errado separar uma coisa da outra. A cultura moldou fundamentalmente a identidade humana e também de Estados e sociedades. Os patrimônios culturais são lugares que guardam lembranças e ajudam a formar a identidade. Por isso, precisamos nos preocupar com ambas as coisas – proteger pessoas, claro, mas também proteger o que dá a essas pessoas uma história e uma identidade.

O Iraque pediu ajuda internacional e ataques aéreos para proteger os patrimônios culturais. Considerando o quão brutal o EI tem sido, isso parece compreensível...

Não sou soldado nem estrategista. Não posso dizer quais métodos são os melhores para melhorar a situação. Do ponto de vista da proteção cultural, é crucial manter em mente que uma ação militar pode levar ao dano ou à destruição de bens culturais ou patrimônios culturais. E, se forem realizadas ações militares nessas áreas, é muito importante que a população civil seja protegida. Isso é a prioridade número um. Mas deveria ser também levado em conta como proteger locais de elevado valor cultural de "danos colaterais".

Prof. Dr. Markus Hilgert
Hilgert defende que comunidade internacional transfira "know-how" e ajude a impedir o comércio ilegal de bens culturaisFoto: Olaf M. Teßmer

Há uma maneira de ajudar que não envolva uma ação militar?

É claro que somente uma melhoria da situação geral de segurança pode levar a uma melhor proteção dos bens culturais nos países afetados. E acho que soluções políticas entram em jogo. Além disso, nós também temos a oportunidade de compartilhar nosso conhecimento sobre a proteção e a pesquisa de bens culturais nesses países.

O que a Alemanha pode fazer para ajudar a proteger os tesouros culturais?

Quando pergunto aos meus colegas na Síria e no Iraque o que podemos fazer, eles dizem primeiro: faça algo contra o comércio ilegal de bens culturais. A ministra da Cultura alemã, Monika Grütters, disse que deveria haver uma certificação obrigatória para artefatos arqueológicos. Isso significa que eles somente poderiam ser vendidos após receberem uma autorização de exportação de seus respectivos países.

Sempre haverá colecionadores para os quais não importa como uma peça foi obtida – ou que até mesmo veem um artefato ilegal como um troféu. O que pode ser feito em relação a isso?

Conscientizar sobre o problema é muito importante. De fato, acho que temos que chegar a um ponto em que a posse de antiguidades ilegais não seja mais considerada chique ou socialmente aceitável. Precisamos chegar a um consenso de que não se trata de uma infração trivial. É preciso deixar claro que se trata de um crime que muitas vezes anda de mãos dadas com a exploração.

É possível criar modelos 3D de patrimônios culturais danificados para que eles sejam pelo menos preservados digitalmente?

Há projetos que permitem a documentação digital. Acho que, em geral, isso é uma, ou talvez, a mais importante tecnologia do futuro. Mas o que não podemos esquecer é que a digitalização requer que a infraestrutura necessária esteja disponível nesses países. O aumento dos esforços na área de digitalização 3D possa garantir que esses bens culturais sejam ao menos documentados, embora a digitalização 3D, obviamente, não seja capaz de protegê-los.

Irak Zerstörung Museum in Mossul
Extremistas invadiram museu em Mossul, no Iraque, e destruíram coleção de estátuas da Mesopotâmia AntigaFoto: picture-alliance/dpa/IS/Internet

O que os políticos do Iraque e da Síria podem fazem em meio à situação atual para proteger seus bens culturais, e como o resto do mundo pode ajudá-los?

O que a Direção Geral para Antiguidades e Museus da Síria vem fazendo todos os dias para documentar os danos e evitar saques, por exemplo, é realmente impressionante. O mesmo vale para o Iraque. Lembre-se de que o Museu Nacional do Iraque, em Bagdá, acaba de ser reaberto em 28 de fevereiro, em meio a circunstâncias extremamente difíceis.

É importante que a comunidade internacional, com o conhecimento e os meios que estão disponíveis, invista no desenvolvimento de competências nesses países. É necessário haver programas que eduquem jovens cientistas, mas também restauradores e especialistas em museus. Com isso, em cinco ou dez anos, quando se espera que a situação da segurança tenha melhorado, eles serão capazes de pesquisar efetivamente seus bens culturais. Acho que, no momento, é crucial transferirmos nosso know-how.

Os jihadistas não são os primeiros a destruir tesouros culturais. É algo comum em guerras. Na Segunda Guerra Mundial, por exemplo, não apenas milhões de pessoas morreram, mas também edifícios importantes e obras de artes foram danificados ou destruídos. Muitos deles foram, mais tarde, restaurados. A restauração também é uma questão importante no Oriente Médio?

No momento, as pessoas estão pensando no que pode ser feito no longo prazo, mas não podemos esquecer que o principal foco é a busca de soluções políticas para conter a catástrofe humanitária. Assim, a comunidade internacional é convocada para encontrar recursos e formas de salvar e proteger o patrimônio cultural em toda a região. Isso será uma tarefa que nos manterá ocupados por várias décadas.