Avião abandonado no Brasil é alvo de disputa na Alemanha
7 de setembro de 2017Estacionado em Fortaleza, um Boeing que pertencia à Lufthansa e foi sequestrado por terroristas há 40 anos é agora motivo de disputa entre cidades alemãs que concorrem para abrigá-lo em museu. O Landshut – como é chamado o famoso avião na Alemanha – estava abandonado há nove anos num cemitério de aviões no Aeroporto Pinto Martins e foi comprado da Infraero pelo governo alemão.
Uma equipe da Lufthansa, antiga proprietária da aeronave, foi enviada a Fortaleza para desmontar a aeronave e transportá-la para a Alemanha, onde deve ser exposta num museu particular, em Friedrichshafen, no sul do país.
O 40° aniversário do chamado Outono Alemão – período que marcou o auge da luta entre o Estado alemão e o terrorismo de extrema esquerda e do qual o Landshut se tornou símbolo – fez com o governo alemão se interessasse pelo retorno da aeronave à Alemanha.
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Há poucas semanas, o ministro do Exterior, Sigmar Gabriel, foi a Friedrichshafen anunciar que o Landshut deveria ser exposto no Museu Aeroespacial Dornier da cidade, às margens do Lago Constança. "Agradeço à Fundação Dornier por nos ter feito uma oferta tão maravilhosa", afirmou o ministro na ocasião.
O problema é que agora surgiu outra cidade alemã interessada no famoso avião. Em sua edição desta semana, a revista alemã Spiegel relatou que Simone Lange, prefeita de Flensburg, no norte do país, acusa agora o Ministério do Exterior em Berlim de ter quebrado a promessa de uma licitação aberta para escolher o melhor local para abrigar o Landshut.
Fontes do aeroporto de Fortaleza disseram que o avião ainda está sendo desmantelado. Até esta quinta-feira (07/09), a cauda e parte das asas teriam sido desmontadas, afirmaram. Segundo a mídia alemã, as peças deverão ser levadas por dois aviões do tipo Antonov, o que leva a crer que a fuselagem será transportada separadamente dos demais componentes.
É provável que o transporte aconteça até meados de setembro, pois o avião deverá fazer parte das comemorações, em meados de outubro próximo, dos 40 anos do sequestro que marcou a recente história alemã.
Outono Alemão
A aeronave foi sequestrada em outubro de 1977, com mais de 90 pessoas a bordo, por quatro integrantes da Frente Popular para a Libertação da Palestina, que, para liberar os reféns, pedia a libertação de membros da Fração do Exército Vermelho (RAF) presos na Alemanha.
No dia 13 de outubro, a aeronave partiu de Palma de Mallorca, na Espanha, com destino ao aeroporto de Frankfurt. Ao entrar no espaço aéreo francês, os extremistas, armados com pistolas e granadas, anunciaram o sequestro e deram início à jornada de 106 horas que terminaria apenas na Somália.
Para libertar os passageiros, o grupo exigia que o governo alemão soltasse integrantes da RAF presos na Alemanha. Berlim se recusou a libertá-los. Antes de pousar em Mogadíscio, durante o sequestro, o avião fez paradas para reabastecer em Roma, Lárnaca, Bahrein, Dubai e Áden.
Após o assassinato do piloto em frente aos passageiros, no dia 16, o copiloto foi obrigado a continuar sozinho a jornada. Na capital somali, forças especiais da polícia federal da Alemanha conseguiram libertar a aeronave na madrugada do dia 18 de outubro de 1977.
Três dos quatros sequestradores foram mortos na ofensiva. Depois do fracasso da ação terrorista, Andreas Baader, Jan-Carl Raspe e Gudrun Ensslin, membros destacados da RAF, cometeram suicídio coletivo na prisão.
Após o sequestro, a aeronave continuou transportando passageiros da Lufthansa até ser vendida pela empresa alemã em 1985. O Landshut teve vários proprietários e passou a levar cargas. Até 2008, ele voou pela TAF, de Fortaleza. Devido a pendências judiciais da empresa, o avião foi penhorado e há nove anos está parado no cemitério de aviões da capital cearense.
Polêmica com ministérios
Em tempos marcados por ameaças terroristas em toda a Europa, o fato de o Landshut ter se tornado um símbolo da força do Estado contra o terror explica o interesse das cidades alemãs pela aeronave.
De acordo com a Spiegel, Thomas Liebelt, empresário de Flensburg, se dispôs a gastar 2 milhões de euros (cerca de 7,6 milhões de reais) na construção de um Museu Landshut em sua cidade.
Segundo reportagem da revista, a prefeita teria conversado ao telefone com Martin Schäfer, porta-voz do Ministério do Exterior em Berlim. Este teria lhe "avisado claramente de um processo de licitação", disse Lange.
"Dizer à prefeitura de Flensburg que haveria um concurso e que eu, a prefeita, seria informada do início desse processo, sem que isso tenha acontecido, não é compreensível", afirmou Lange. Segundo o jornal Südkurier, da região do Lago Constança, Lange foi surpreendida ao saber da escolha de Friedrichshafen pelo rádio.
O Ministério do Exterior contesta a versão de Lange sobre os acontecimentos, aponta a Spiegel. A Deutsche Welle tentou contatar o ministério sobre o assunto, mas não obteve resposta.
Também no Ministério da Cultura há dúvidas sobre a exibição do Landshut em Friedrichshafen. Isso pôde ser lido na ata de uma reunião entre representantes do Ministério do Exterior, do Ministério da Cultura, da Fundação Dornier e da Casa da História de Bonn, que aconteceu no dia 8 de agosto em Friedrichshafen, escreveu a Spiegel.
O Ministério da Cultura teria criticado os planos da pasta do Exterior de que técnicos remontem imediatamente as peças do Landshut após a sua chegada a Friedrichshafen. Para a pasta comandada pela ministra Monika Grütters seria preciso que antes seja desenvolvido um conceito para a exposição. Até agora não existem "documentos consistentes" sobre o projeto, criticaram as autoridades do Ministério da Cultura, segundo a Spiegel.
Representantes de Grütters apontaram que o financiamento da exposição [do avião] ainda não está garantido. De acordo com a Spiegel, as autoridades do Ministério da Cultura também rejeitaram a ideia do Museu Dornier de que a pasta participasse do financiamento do projeto de exposição da aeronave. "Um apoio financeiro contínuo para a operação do museu não é possível", disseram representantes do ministério.