Céus mais limpos
31 de agosto de 2011A busca por um combustível alternativo deixou de ser um item oscilante na agenda da aviação. Desenvolvimentos recentes indicam que as empresas do ramo de pesquisa e inovação, com o apoio de fabricantes, entraram na corrida por um produto eficiente, com maturidade tecnológica e preço competitivo.
Uma das iniciativas mais recentes envolve a brasileira Embraer e a Amyris: a empresa especializada em biotecnologia desenvolve biocombustível produzido a partir de cana-de-açúcar. As pesquisas já estão avançadas e a Embraer acredita que seu primeiro jato abastecido com essa fonte mais limpa cruze os céus já o ano que vem.
"A Embraer começou a olhar para o assunto por uma questão de tecnologia, com a visão estratégica para entender qual o futuro da aviação no que diz respeito à substituição da matriz energética", comentou Guilherme Freire, diretor de Meio de Ambiente da Embraer. "E a questão ambiental está também por detrás disso."
Da cana ao tanque
Fundada em 2003 nos Estados Unidos, a Amyris tem uma subsidiária importante no Brasil, com sede em Campinas, onde o combustível de cana-de-açúcar é desenvolvido e testado. A decisão de converter a planta em fonte de energia para aviões não foi, na verdade, o objetivo inicial da empresa, mas consequência de descobertas em pesquisas na área de medicina.
Com o aperfeiçoamento do processo de transformar o açúcar em álcool, a Amyris pretende produzir de 6 a 9 milhões de litros da molécula base do combustível em 2011. "As pessoas pensam que se trata simplesmente de uma questão de custo de produção, mas é mais do que isso. O Brasil reúne as melhores condições de clima para plantio de cana-de-açúcar, além de toda uma estrutura de comercialização", diz Joel Velasco, vice-diretor da empresa, sobre o motivo de manter uma subsidiária no solo brasileiro.
Sob coordenação da Amyris, também a norte-americana Boeing e o Banco Interamericano de Desenvolvimento são parceiros nessa iniciativa. "Não basta saber produzir o bioquerosene e achar que ele será usado. É preciso trabalhar com a indústria aeronáutica para que haja aceitação. A gente está fazendo análises para que o biocombustivel tenha não somente uma boa performance no motor, mas também no meio ambiente, que é o que o consumidor exige", argumenta Velasco.
Força motriz
Desde 2006, a fabricante brasileira mantém uma equipe dedicada ao tema dos combustíveis alternativos. "A Embraer não quer ganhar dinheiro com os biocombustíveis, mas dinamizar, fazer com que a coisa aconteça. Temos esse projeto com a Amyris, com a Azul e GE (fabricante de turbinas), além de outras parceiras que não podem ser divulgadas", comentou Freire.
Apesar de não investir propriamente na transformação da cana-de-açúcar em combustível, a empresa recebe pequenas quantidades do produto e executa diferentes testes em suas aeronaves. A fornecedora de companhias aéreas como Lufthansa, KLM e British Airways vê em toda a indústria uma crescente tendência rumo à adoção de fontes renováveis nos tanques de aviões.
"A gente trabalha também para que o governo brasileiro comece a pensar no tema, passe a desenvolver políticas públicas para que, no futuro, assim como tivemos o Proálcool, a gente tenha um programa de bioquerosene", revela Freire.
O despertar do mercado
A alemã Lufthansa é a primeira do mundo a usar biocombustíveis na rota comercial: de julho até o fim do ano, os voos do Airbus A321 entre Frankfurt e Hamburgo partem com 50% de bioquerosene em um dos tanques. O combustível é fornecido pela finlandesa Neste Oil, produzido à base de oleaginosas e gordura animal.
Com financiamento parcial do Ministério alemão de Economia e Tecnologia, a empresa investiu 6,6 milhões de euros no projeto, que deve reduzir as emissões de gases do efeito estufa em até 1.500 toneladas nos seis meses de teste. A aviação é responsável por aproximadamente 2% das emissões globais. Essa taxa poderia subir no futuro, já que a previsão de crescimento do setor é de 5% para as próximas décadas.
"A gente espera poder reduzir a dependência do petróleo com um produto renovável", diz Joel Velascos sobre o uso de diferentes tipos de matéria-prima na fabricação de bioquerosene. "É claro que combustível de cana-de-açúcar não é a única resposta."
O processo de autorização do uso do combustível é bastante demorado e extremamente técnico. Testes exaustivos são conduzidos até que produto possa abastecer uma aeronave. A fonte usada pela Lufthansa foi aprovada em julho pela American Society for Testing and Materials, ASTM.
Autora: Nádia Pontes
Revisão: Roselaine Wandscheer