Auschwitz sintetiza horror do Holocausto em uma palavra
Às vezes basta uma palavra e tudo está dito. Auschwitz incorpora todo o Holocausto, os 6 milhões de judeus mortos, os milhões de seres humanos brutalmente assassinados pelos nazistas entre 1933 e 1945.
Também se poderia dizer: basta uma imagem, e o horror está de novo presente: o portão do campo de extermínio Auschwitz-Birkenau, diante dele, os trilhos ferroviários. A memória coletiva completa o quadro: os trens – sim, vagões de gado – cheios de gente, de crianças, de mulheres, de homens jovens e anciãos, chegando após dias, por vezes semanas de viagem, sem comida nem água. Nos olhos, ainda um vislumbre de esperança.
Esquerda ou direita
A maioria dessas pessoas sabia que a morte as esperava em Auschwitz. Não raramente, ela já se anunciava na plataforma entre os trilhos duplos, a assim chamada "rampa", na figura do médico do campo, Josef Mengele – mais um nome que desencadeia associações imediatas.
A sobrevivente Esther Bejarano, de 90 anos, recorda: "O Dr. Mengele ficava na nossa frente e aí fazia um gesto de mão, apontando com o polegar para um lado ou para o outro. Para a esquerda, a pessoa ainda tinha um prazo antes da execução; para a direita, queria dizer: 'Você vai para a câmara de gás.'"
Mais de 1 milhão de pessoas foram mortas nesse campo de concentração, hoje em território polonês. Cerca de 90% eram judeus, empurrados para as câmaras de gás logo após a chegada. Mas também poloneses, nômades das etnias sinto e rom, homens, mulheres e crianças de toda a Europa.
Memória mantida viva
Mas não se assassinava apenas em Auschwitz: também Majdanek, Treblinka, Belzec e Sobibor eram campos de extermínio, onde se matava com a eficiência e simplicidade de uma linha de montagem numa fábrica.
E, também em Ravensbrück, Dachau, Buchenwald, Mauthausen e muitos outros campos, os detidos morriam sistematicamente, quer em decorrência do trabalho excessivo ou das torturas, quer por fome ou fuzilamento. Isso sem falar nas execuções em massa, como na ravina Babi Yar, em Kiev, ou no bosque de Paneriai, próximo a Vilnius.
Ainda assim, Auschwitz simboliza todos esses lugares, pois lá o homicídio industrializado dos nazistas atingiu o seu ápice. Em nenhum outro lugar tantos foram assassinados em tão pouco tempo e de forma tão pérfida. Dos crematórios, a fumaça subia dia e noite: depois de uma morte horrenda, por sufocamento com o gás tóxico Zyklon B, os corpos eram incinerados.
Também essa é uma das imagens que nunca sairão da mente de Esther Bejarano, testemunha ocular das atrocidades de Auschwitz. E que ela não deixará que se extingam: assim como muitos outros sobreviventes do Holocausto, ela não se cansa de relatar os crimes que presenciou, em escolas e talk-shows. No início de 2015, um grupo deles foi recebido pelo papa Francisco no Vaticano.
Anos de "esquecimento"
Mas nem sempre os sobreviventes do Holocausto mereceram tanta atenção. Em seguida à Segunda Guerra Mundial, ninguém na Alemanha queria admitir ter escutado ou visto qualquer coisa, nem ter sentido algum cheiro fora do comum.
Nem mesmo os que moravam a apenas poucos minutos a pé do campo de Bergen-Belsen, na região de Hannover. Mas o Exército do Reino Unido os fez visitarem o campo de concentração, após a libertação, para que vissem com os próprios olhos os montes de cadáveres e os prisioneiros subnutridos, antes esqueletos do que seres vivos.
Os britânicos filmaram o local, com a intenção de produzir um grande documentário, que também incluiria imagens feitas pelos militares russos depois de libertar Auschwitz. O famoso cineasta Alfred Hitchcock foi encarregado de examinar o material e começou a trabalhar com ele.
Mas, naquele início de Guerra Fria, os aliados britânicos e americanos preferiram não confrontar excessivamente os alemães com sua culpa, e o projeto foi engavetado. E passaram-se décadas até que os horrores de Auschwitz fossem publicamente expostos e discutidos na Alemanha.
Processos de Frankfurt
Os processos de Auschwitz, realizados em Frankfurt entre 1963 e 1965, acarretaram uma virada na confrontação dos alemães com os crimes dos nazismo – e com a própria culpa. Pela primeira vez ouvia-se os sobreviventes relatarem detalhadamente sobre as atrocidades e o sistema do campo de extermínio.
Lá não se visava apenas o homicídio em escala industrial, mas também a exploração total da mão de obra e dos recursos das vítimas. Conectado a Auschwitz I (onde se mantinham sobretudo presos políticos) e a Auschwitz-Birkenau (uma gigantesca área onde se concentravam tanto as barracas dos prisioneiros quanto as câmaras de gás e os crematórios), estava Auschwitz III ou Monowitz, terreno industrial em que firmas como a I.G. Farben faturavam.
Além do ouro dental e das roupas dos executados, até seus cabelos eram transformados em dinheiro para os cofres alemães. As montanhas de cabelos, sapatos e óculos em Auschwitz são outra imagem gravada na memória coletiva da nação.
Ao lado das reportagens diárias da imprensa, em 1965 o dramaturgo Peter Weiss, autor de Marat-Sade, cuidou para que a discussão sobre os processos de Frankfurt se mantivesse, mesmo após seu fim. A peça teatral O interrogatório, Oratório em 11 cantos desencadeou indignação, ao confrontar os depoimentos das testemunhas anônimas com os dos acusados que elas citavam nominalmente.
Força da realidade e da ficção
No fim da década de 70, o horror dos crimes nazistas chegou às salas de estar alemãs na forma de uma minissérie americana de TV. Dirigida por Marvin J. Chomsky, Holocausto traçava o destino da família judaico-alemã Weiss, tendo a atriz Meryl Streep no papel principal da esposa não semita.
A transmissão de seus quatro episódios suscitou entre muitos jovens alemães a discussão sobre até que ponto seus pais sabiam do "desaparecimento" de seus vizinhos judeus.
Com mais de nove horas de duração, o documentário de Claude Lanzmann Shoah, de 1985, foi outro choque para a consciência alemã. Pela primeira vez, um diretor de cinema ia com os sobreviventes dos campos de concentração até o palco de seus horrores, encorajando-os a relatar o que haviam vivenciado.
"Clava de Auschwitz"
Em seu discurso ao receber o Prêmio da Paz do Comércio Livreiro Alemão, em 11 de outubro de 1989, para a surpresa de muitos o autor Martin Walser denunciou o que percebia como instrumentalização do Holocausto.
"Mas quando sou confrontado todos os dias com esse passado na mídia, noto que algo dentro de mim se revolta contra essa exibição incessante de nossa vergonha. Em vez de ficar grato [...], eu começo a olhar para o outro lado." E prosseguiu: "Auschwitz não se presta a se tornar rotina de ameaça, meio de intimidação sempre a postos, ou clava moral, ou até mero exercício de dever."
Assim cunhou-se a expressão "clava de Auschwitz", gerando clamor crítico. O Conselho Central dos Judeus da Alemanha acusou Walser de "incêndio intelectual culposo". Na realidade, a intenção do autor não fora, em absoluto, relativizar. Mas ele colocara uma questão difícil: como não esquecer o horror – e também a culpa – de Auschwitz, e ao mesmo tempo não minimizar o poder simbólico dessa palavra, ao evocá-la de forma leviana, rotineira demais?
Auschwitz está arraigado na memória cultural dos alemães, as imagens são presentes. Literatura, arte e cinema podem continuar cuidando para que elas persistam para a próxima geração, quando não houver mais testemunhas diretas. Só é preciso olhar.
O filme que os britânicos iniciaram por ocasião da libertação de Bergen-Belsen e que Hitchcock começou a montar foi agora concluído. Ele se chama Night will fall (a noite vai cair). Não é sempre fácil assisti-lo. E, no entanto, é preciso.