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Ataque a jornalista da "Folha" gera onda de condenações

13 de fevereiro de 2020

Entidades, jornalistas e parlamentares repudiam acusações contra Patrícia Campos Mello durante CPMI no Congresso. Abraji condena ofensas "misóginas", e Rodrigo Maia diz que "difamação e sexismo têm de ser punidos".

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Hans River em depoimento à CPMI das fake news no Congresso
Hans River (à dir.) trabalhou em uma agência de disparos de mensagens em massa pelo WhatsappFoto: Agência Senado/J. de Araújo

Entidades de imprensa, jornalistas e políticos repudiaram nesta quarta-feira (12/02) as acusações feitas contra a repórter Patrícia Campos Mello, do jornal Folha de S. Paulo, durante a comissão parlamentar mista de inquérito (CPMI) das fake news no Congresso.

Em depoimento prestado aos parlamentares da comissão na terça-feira, Hans River do Rio Nascimento, ex-funcionário da empresa de marketing digital Yacows, proferiu insultos contra a jornalista e fez uma série de declarações logo desmentidas pela Folha.

River foi convocado à CPMI para esclarecer o envio em massa de mensagens pelo Whatsapp durante a campanha eleitoral de 2018. O caso foi revelado pelo jornal paulista em reportagens publicadas em dezembro daquele ano, sendo Campos Mello uma de suas autoras.

Segundo a Folha, a Yacows, agência em que River trabalhava, é uma das empresas que recorreu ao uso fraudulento de dados pessoais de idosos para registrar chips de celular e, com isso, disparar mensagens em massa para beneficiar certos políticos.

Ao apurar a história, Campos Mello entrou em contato com River diversas vezes para saber sobre os disparos. À época, ele movia uma ação trabalhista contra a Yacows.

River chegou a responder a perguntas feitas pela reportagem, em novembro de 2018, até mudar de ideia após fazer um acordo trabalhista com sua antiga empresa. "Pensei melhor, estou pedindo pra você retirar tudo que falei até agora, não contem mais comigo", disse ele em mensagem à jornalista, segundo capturas de tela publicadas pela Folha.

Nesta terça-feira, em depoimento à CPMI das fake news, que apura disseminação de notícias falsas durante a eleição, River afirmou, entre outras acusações, que Campos Mello teria se insinuado sexualmente para ele em troca de informações para a reportagem.

"Quando eu cheguei na Folha de S. Paulo, quando ela [repórter] escutou a negativa, o distrato que eu dei e deixei claro que não fazia parte do meu interesse, a pessoa querer um determinado tipo de matéria a troco de sexo, que não era a minha intenção, que a minha intenção era ser ouvido a respeito do meu livro, entendeu?", disse River a deputados e senadores.

O jornal afirma, porém, que Campos Mello nunca se insinuou ao entrevistado e, na verdade, foi ele quem a convidou para ir a um show, mas ela não respondeu à mensagem e não foi ao evento.

A declaração de River foi mais tarde reforçada pelo deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), que aproveitou para disparar uma série de ataques contra a jornalista no plenário da Câmara e nas redes sociais.

"Eu fiquei aqui perplexo de ver, mas eu não duvido, que a senhora Patrícia Campos Mello, jornalista da Folha, possa ter se insinuado sexualmente, como disse o senhor Hans, em troca de informações para tentar prejudicar a campanha do presidente Jair Bolsonaro", disse o filho do presidente.

Em nota, a Folha de S. Paulo disse repudiar os ataques proferidos por River e por Eduardo e, em um artigo extenso publicado em seu site, rebateu cada uma das acusações contra seu jornalismo, bem como desmentiu algumas afirmações feitas pelo depoente durante a CPMI.

"O jornal está publicando documentos que mais uma vez comprovam a correção das reportagens sobre o uso ilegal de disparos de redes sociais na campanha de 2018. Causam estupefação, ainda, o Congresso Nacional servir de palco ao baixo nível e as insinuações ultrajantes do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP)", escreveu o jornal. ​

"A ilação de que a jornalista teria sugerido a troca de matéria por sexo causa danos a ela, não apenas porque se trataria de um desvio de natureza ética da profissão como também por atingir sua condição feminina", afirmou Taís Gasparian, advogada da Folha.

A Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji) também se manifestou, chamando de "machistas e misóginas" as ofensas proferidas contra Campos Mello que, segundo a entidade, "é uma das mais respeitadas jornalistas do país".

"A Abraji repudia a ação do deputado [Eduardo Bolsonaro], que repercutiu para milhões de seguidores alegações difamatórias. É assustador que um agente público use seu canal de comunicação para atacar jornalistas cujas reportagens trazem informações que o desagradam, sobretudo apelando ao machismo e à misoginia", escreveu a associação.

"Além disso, esta é mais uma ocasião em que integrantes da família Bolsonaro, em lugar de oferecer explicações à sociedade, tentam desacreditar o trabalho da imprensa."

A Associação Brasileira de Imprensa (ABI), por sua vez, afirmou que "a grosseria de que foi alvo a jornalista Patrícia Campos Mello está relacionada com dois fenômenos: os contínuos ataques à imprensa e aos jornalistas em geral e a multiplicação de comportamentos cafajestes". "Esses dois fenômenos têm sido estimulados por algumas das mais altas autoridades da República", completou a entidade.

A Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) manifestou "irrestrito apoio" a Campos Mello, "objeto de ataques e insinuações agressivas". "O uso de difamação para afetar a imagem de uma profissional de comunicação que incomoda justamente por sua competência merece repúdio das instituições que prezam a liberdade de expressão e de informação."

Políticos também se pronunciaram. O presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), afirmou que falso testemunho, difamação e sexismo são atos passíveis de punição.

"Dar falso testemunho numa comissão do Congresso é crime. Atacar a imprensa com acusações falsas de caráter sexual é baixaria com características de difamação. Falso testemunho, difamação e sexismo têm de ser punidos no rigor da lei", escreveu Maia no Twitter.

O senador Major Olímpio (PSL-SP), líder do partido de Eduardo Bolsonaro no Senado, afirmou que River cometeu um crime e que a CPMI deveria ter decretado prisão em flagrante.

"Em uma comissão parlamentar de inquérito, e estando sob juramento, qualquer cidadão tem que dizer a verdade, sob pena de cometer crime. Acusações sobre a honra, a conduta profissional e moral da jornalista, ao meu ver, caracterizam crime", declarou o parlamentar.

A relatora da CPMI das fake news, deputada Lídice da Mata (PSB-BA), informou que acionará o Ministério Público para apurar se River prestou falso testemunho. "Tudo indica que houve um depoimento baseado em informações falsas, e isso é crime. E a CPMI deve ser a primeira a indicar esse crime", afirmou a deputada, citada pela Folha.

Um grupo de centenas de jornalistas mulheres também saiu em defesa de Campos Mello, assinando um manifesto de repúdio aos ataques contra a repórter. "É inaceitável que essas mentiras ganhem espaço em uma comissão parlamentar de inquérito que tem justamente como escopo investigar o uso das redes sociais e dos serviços de mensagens como Whatsapp para disseminar fake news."

"Nós, jornalistas e mulheres de diferentes veículos, repudiamos com veemência este ataque que não é só a Patrícia Campos Mello, mas a todas as mulheres e ao nosso direito de trabalhar e informar. Não vamos admitir que se tente calar vozes femininas disseminando mentiras e propagando antigos e odiosos estigmas de cunho machista", completa a nota.

EK/ots

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