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Mortes de jornalistas serão abordadas por "tribunal" em Haia

Sandra Weiss | Oliver Pieper
2 de novembro de 2021

Processo simbólico aborda três casos que representam os mais de 1.400 homicídios de repórteres desde 1992. Um deles é o do mexicano Miguel Ángel López Velasco, morto a tiros em casa com sua família.

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Retratos de pessoas no chão com câmeras fotográficas sobre as fotos
O México está entre os países com maior número de jornalistas e ativistas assassinadosFoto: Getty Images/AFP/Y. Cortez

Em sua última coluna no jornal regional mexicano Notiver, Miguel Ángel López Velasco escreveu sobre feminicídio, nepotismo político e poluição da água potável. O vice-diretor da publicação de Veracruz, de 55 anos ressaltou em seu texto que as autoridades prometeram cuidar dos problemas. "E se não, vamos lembrá-las neste momento." Não houve tempo para isso. Poucas horas depois, López Velasco, também conhecido como "Milo Vela", estava morto.

Era 20 de junho de 2011. Os assassinos de López Velasco chegaram à noite, arrombaram a porta da frente da residência, matando o jornalista, sua esposa, Agustina, e seu filho mais novo, Misael, descarregando mais de 400 tiros de armas automáticas.

A polícia, cuja delegacia ficava a menos de um quarteirão de distância, sequer enviou uma patrulha. Dez anos depois, o Ministério Público ainda não identificou nenhum motivo claro ou os culpados. Os dois filhos mais velhos do casal tiveram que fugir para o exílio, temendo por suas vidas.

Caso López Velasco

Uma família foi destruída, uma voz crítica foi silenciada. "Em mais de 90% dos casos, os perpetradores podem esperar escapar impunes", diz Balbina Flores, do escritório mexicano da ONG Repórteres Sem Fronteiras.

Pelo menos simbolicamente, o caso agora deve acabar no tribunal. O Tribunal Permanente dos Povos (TPP), um mecanismo sem poderes jurídicos, agendou para esta terça-feira (02/11) em Haia, na Holanda, o início de um processo simbólico para analisar violações mundiais da liberdade de imprensa. Outras três audiências serão realizadas ainda em janeiro e março do próximo ano, e as alegações finais ocorrerão em 3 de maio de 2022.

Três assassinatos de jornalistas serão discutidos: de Miguel Ángel López Velasco, do México; de Lasantha Wickrematunge, do Sri Lanka, e de Nabil Al-Sharbaji, da Síria. O tribunal não pode condenar ninguém, mas pode pelo menos tornar os assassinatos visíveis e aumentar a pressão sobre os respectivos governos para proteger melhor os jornalistas no futuro.

Jornalista mexicacno Miguel Angel López Velasco
Miguel Angel López Velasco foi morto a tiros há 10 anos, e crime não foi solucionadoFoto: Notiver

O evento é promovido por Repórteres Sem Fronteiras, a ONG holandesa Free Press Unlimited (FPU) e a organização americana Comitê para a Proteção dos Jornalistas (CPJ).

"Este fórum público é uma oportunidade para responsabilizar os Estados por suas falhas", explica Natalie Southwick, coordenadora do programa do CPJ para a América Latina e o Caribe. "Esses esforços são particularmente importantes na América Latina, onde a grande maioria dos assassinos de jornalistas nunca vai a julgamento, especialmente no México, o país mais mortal do hemisfério para a imprensa."

Rastros que chegam as políticos

O processo simbólico faz parte de uma série de campanhas de jornalistas de todo o mundo para aumentar a conscientização sobre os perigos para eles e para a liberdade de imprensa. Outro exemplo é o projeto Forbidden Stories.

A organização sem fins lucrativos apoia jornalistas que continuam os trabalhos de investigação de colegas assassinados, presos ou ameaçados para mostrar aos perpetradores que represálias contra jornalistas não são eficazes para encobrir verdades desagradáveis.

A morte de López Velasco foi um tiro de advertência. Ele era experiente e respeitado, conhecia sua região como ninguém. "Sua morte foi o início de uma série de assassinatos de jornalistas em Veracruz", lembra Balbina Flores. Entre eles, está Yolanda Ordaz, também do jornal Notiver. Ela criticava a lentidão das investigações sobre a morte de López Velasco. O mesmo se pode dizer de Regina Martínez, repórter local do influente semanário Proceso, comparável à revista Veja no Brasil.

Na época, Javier Duarte do Partido da Revolução Institucional (PRI) era governador de Veracruz. Durante sua gestão, 17 trabalhadores da mídia foram assassinados no estado, três desapareceram sem deixar vestígios. Havia uma chamada lista negra de jornalistas que desagradavam Duarte e seu influente antecessor e padrinho político Fidel Herrera, e que eram, por isso, espionados. Veracruz era o estado mais perigoso para jornalistas.

Investigações sem resultado

O Ministério Público regional controlado por Duarte lançou a tese segundo a qual o assassinato teria a ver com o narcotráfico. López Velasco, segundo essa teoria, teria desagradado um traficante de drogas conhecido como El Ñaca. Pouco depois, os procuradores arquivaram o caso. Duarte foi posteriormente condenado a nove anos de prisão por corrupção.

Yolanda Ordaz de la Cruz
Yolanda Ordaz de la Cruz criticou as investigações da morte do colega até se tornar mais uma vítimaFoto: EPA/Notiver/dpa/picture alliance

Em 2012, sob pressão de defensores dos direitos humanos, o Congresso do México aprovou uma lei para proteger jornalistas e ativistas em risco. Desde então, segundo Flores, mais de 1.500 mexicanos, incluindo 500 jornalistas, já foram beneficiadas por ela.

Mas Balbina Flores diz que o mecanismo de proteção é burocrático e lento. "De acordo com a lei, as autoridades devem responder em até 12 horas após um pedido de socorro, seja disponibilizando patrulhas regulares de polícia, guarda-costas ou, em casos extremos, organizando acomodação em lugar seguro. Na prática, porém, isso leva até duas semanas."

Proteger jornalistas não é prioridade política

Em dezembro de 2018, Andrés Manuel López Obrador assumiu o governo mexicano e prometeu uma mudança drástica na política de segurança. No entanto, pouca coisa mudou. Segundo dados oficiais, 43 jornalistas e 68 ativistas foram assassinados desde que ele tomou posse. "Na maioria dos casos, houve antes ameaças de morte", diz Flores. Dos sete jornalistas mortos este ano, dois solicitaram medidas de proteção, mas estas chegaram tarde demais", diz a funcionária da Repórteres Sem Fronteiras.

Uma reforma da lei de proteção, elaborada em cooperação com comitês de jornalistas, está em espera no Congresso; o orçamento da autoridade responsável não foi aumentado. "O assunto não é uma prioridade política", lamenta Flores.