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Assassinar jornalistas no México é matar fonte de justiça

Anabel Hernández
5 de agosto de 2019

Os criminosos não temem as autoridades, mas sim os repórteres. Por isso eles são alvos dos ataques que já causaram nove mortes no México em 2019. Por cada profissionais morto, dezenas de outros são silenciados.

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Três câmeras fotográficas, caderno de anotações e caneta sobre mais de 20 fotos de jornalistas executados no México
Nos nove meses do governo do presidente Andrés Manuel López Obrador, nove jornalistas foram executadosFoto: Getty Images/AFP/Y. Cortez

O corpo sem vida de Rogelio Barragán foi encontrado em 30 de junho de 2019 no porta-malas de seu próprio carro, em Morelos, estado vizinho à Cidade do México. Envolto num cobertor, ele fora visivelmente atingido no rosto e cabeça. A família andava desesperadamente a sua procura desde o dia anterior.

O jornalista de 49 anos dirigia um portal de notícias chamado Guerrero al Instante. De acordo com versões publicadas em jornais locais, anteriormente ele fora ameaçado por causa de seu trabalho informativo e, ao tentar chegar a um lugar seguro, foi interceptado e assassinado.

Rogelio é o oitavo jornalista assassinado no México em 2019. Embora o país não esteja em guerra, há dez anos é o lugar mais perigoso do mundo para exercer o jornalismo, segundo a Unesco. Neste ano, também foram mortos os profissionais Norma Sarabia, Francisco Romero, Telésforo Santiago, Jesús Eugenio Ramos, Rafael Múria, Omar Iván Camacho e Santiago Barroso.

Eles são parte de uma lista de mais de 158 jornalistas executados nos últimos 18 anos, e seus assassinos continuam livres, como em 99% dos outros casos. Não se trata só de homicídios – em sua grande maioria eles foram torturados, antes de morrer –, mas de humilhações públicas para quem se atreva a exercer a liberdade de expressão e proteger o direito sagrado da sociedade à informação. Por cada jornalista morto no México, dezenas de outros são indiretamente silenciados.

Os repórteres assassinados no México não são uma vergonha apenas para meu país, mas também para a comunidade internacional, que até agora se escandaliza e se comove, mas não quer ou não encontra uma forma de evitar que isso continue acontecendo impunemente num país que formalmente é um regime democrático – não uma ditadura ou um "Estado falido". E o México é a primeira potência econômica da América Latina e uma das 15 principais economias do mundo.

Durante o governo de Vicente Fox (2000-2006), 36 profissionais de imprensa foram assassinados; no governo de Felipe Calderón (2006-2012), o número passou para 47; com Enrique Peña Neto (2012-2018), ouve 66 mortos. E nos nove meses do governo do presidente de esquerda Andrés Manuel López Obrador, nove jornalistas foram executados – em média, um por mês. Se essa tendência continuar, este seria o ano em que mais jornalistas foram mortos num país, nas últimas décadas.

Apesar disso, tal como seus antecessores, o governo de López Obrador não age para resolver os crimes contra repórteres. E não só isso: não emite nenhuma declaração pública. Em 18 de junho, o Comitê de Proteção a Jornalistas de Nova York (CPJ) organizou a Cúpula da Liberdade de Imprensa no México. O evento fora adiado por cinco meses, aguardando a resposta do presidente sobre sua participação na conferência. Seu gabinete, porém, sequer respondeu ao convite.

Em março, o secretário-geral da organização Repórteres sem Fronteiras, Christophe Deloire, também tentou uma reunião com López Obrador para falar da alarmante situação de risco que os jornalistas enfrentam. Ele viajou da Europa para o México para a reunião que havia sido confirmada, mas López Obrador nunca o recebeu.

A história da violência contra jornalistas no México é minha própria história, e a história de centenas como eu em meu próprio país. Eu sobrevivi para contar a história, mas muitos outros amigos e colegas, não.

Foi a partir de 2008 que o número de jornalistas mortos no México começou a alarmar a comunidade internacional. Infelizmente, a violência generalizada no contexto da guerra entre cartéis de drogas, nos últimos 18 anos, tem desviado a atenção da verdadeira razão por que os jornalistas estão sendo executados, ameaçados, censurados e assediados em todo o país.

O governo mexicano tem usado constantemente a violência dos cartéis de drogas para explicar a violência contra jornalistas – e isso não é verdade: não há nenhum dado concreto, documentado de que uma coisa esteja relacionada à outra. Em vez disso, o que explica a violência contra os jornalistas é a corrupção e a impunidade generalizada.

Anabel Hernández é vencedora do Prêmio Liberdade de Expressão da DW
Anabel Hernández é vencedora do Prêmio Liberdade de Expressão da DW

O México é considerado uma das nações mais corruptas do mundo. Somado a isso – ou melhor, justamente por isso –, em média 96% de todos os crimes cometidos ficam impunes. Sim, desde o roubo de uma bolsa na rua, estupro, sequestro, extorsão, homicídios, desvio de recursos públicos, lavagem de dinheiro, até o narcotráfico.

De acordo com os últimos dados oficiais, 11,5 milhões de crimes foram denunciados no México de 2010 a 2016. Mas, na realidade, foram cometidos 200,7 milhões de crimes com 151 milhões de vítimas que, em sua maioria, não apresentaram denúncias, por não confiarem na Justiça, devido aos altos índices de impunidade. O caso dos sequestros é paradigmático: de 2010 a 2016, 1.131 foram denunciados no México, mas, segundo as estatísticas do governo, realmente ocorreram 66.842 sequestros – ou seja, 98% não foram denunciados.

A renomada Universidade das Américas publicou em 2017 um estudo afirmando que em 26 dos 32 estados que compõem a República Mexicana o sistema de justiça está em colapso, não funciona. O diretor da universidade que ordenou a realização do estudo, Alejandro Gertz Manero, é o atual procurador-geral da República.

Isso significa que quem comete crimes de todo tipo no México sabe que pode contar com a impunidade. Os políticos e funcionários públicos não estão preocupados com a possibilidade de ser punidos por sua conivência com o narcotráfico ou o desvio de recursos públicos, assim como não se preocupam com os que sequestram, extorquem ou traficam drogas.

Mas, juntamente com o crescimento do crime e da impunidade no México, há uma força social que tem crescido para fazer um esforço sobre-humano de contrapeso: o jornalismo independente. É graças aos profissionais de imprensa mexicanos, e não às instituições do governo ou da Justiça, que nos últimos 18 anos foram revelados os maiores casos de abusos de direitos humanos; massacres cometidos pelo Exército e pelas polícias federal e locais; desvio de recursos públicos; crimes de pedofilia por membros da igreja, classe política e empresarial; e conluio de funcionários públicos de todos os níveis com o crime organizado. Graças ao jornalismo, os criminosos não ficam protegidos pelo seu anonimato, mas seus nomes são conhecidos publicamente.

Eu poderia escrever dezenas de colunas enumerando os casos de jornalismo investigativo no México cuja informação fez uma diferença substantiva e proporcionou à sociedade a justiça moral que significa ter acesso à verdade – um mecanismo histórico para a prestação de contas.

Isso significa que os fora da lei não temem as autoridades, mas temem os jornalistas. E é por isso que eles são alvos de ataques – mais de 60% dos quais partem de alguma autoridade, como documentado há anos pela organização Artículo 19, demonstrando que não são principalmente os traficantes que matam ou ameaçam os jornalistas, mas funcionários do governo ou políticos.

A violência contra jornalistas e meios de comunicação independentes não está crescendo só no México, mas em todo o mundo. De acordo com um relatório da Unesco publicado em 2018, nos últimos dez anos, um total de mil jornalistas foram assassinados, a maioria no México.

De todos os homicídios, 89% ficaram impunes, e 55% ocorreram em países que não estavam em guerra. O denominador comum é as vítimas estarem escrevendo matérias sobre corrupção. Penso que suas mortes são o resultado de um fenômeno similar ao que ocorre no México.

Por isso, salvaguardar o trabalho do jornalismo livre, rigoroso e independente é um dever internacional, tão valioso quanto proteger a democracia de um país ou a vida de seus cidadãos. Isso, porque em países como México, o jornalismo é a única fonte de verdade e, portanto, de justiça. E só através da verdade pode haver prestação de contas.

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A jornalista e autora Anabel Hernández escreve há anos sobre cartéis de drogas e corrupção no México. Após ameaças de morte, teve que deixar o México, e vive na Europa desde então. Por seu trabalho, recebeu o Prêmio Liberdade de Expressão da DW em 2019, durante o Global Media Forum, em Bonn.

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