As propostas de governo dos presidenciáveis para as mulheres
1 de outubro de 2022Nesta campanha presidencial, as mulheres são frequentemente mencionadas nos debates e nos discursos dos candidatos. Não dá para ignorar que elas ocupam uma fatia decisiva do eleitorado. "As mulheres representam 53% dos eleitores, enquanto os homens são 47%. Entre eleitores até 18 anos, as mulheres são 56%", destaca Fernanda Wolski, diretora de articulação política da ONG Elas No Poder, voltada para a atuação feminina na política.
Mas como as mulheres estão presentes nos planos de governo dos candidatos à Presidência? Para Michelle Ferreti, diretora do Instituto Alziras, ONG que também trabalha para fortalecer a participação de mulheres na política e na gestão pública, há um problema em como as propostas têm se referido a elas.
"Há pouco esforço no sentido de incorporar realmente as mulheres na sociedade e, mesmo quando as mulheres aparecem nas falas e nos planos de governo, não são colocadas sob uma perspectiva igualitária", afirma.
Discursos ainda refletem patriarcado
Por um lado, portanto, elas vêm ganhando atenção dos políticos. As mulheres são também a maioria entre os eleitores indecisos – de acordo com o último Datafolha, 26% delas estão nesse grupo – e, diferentemente de disputas anteriores, elas têm apresentado um comportamento de voto diferente dos homens.
Por outro lado, no entanto, muitas vezes os discursos dos candidatos chegam de forma conservadora ou em uma "misoginia explicitada", nas palavras de Debora Diniz, professora da Universidade de Brasília, "aliando-se ao patriarcado ainda marcante na política brasileira", como ficou evidente nos episódios envolvendo a jornalista Vera Magalhães.
Glaucia Fraccaro, professora da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e pesquisadora de direitos das mulheres, resume que "a presença das mulheres nas falas e, ao mesmo tempo, o papel conservador atribuído a elas, apenas de apoio aos homens, aliada a uma repulsa a elas, chega a ser um desajuste".
Para complicar a equação, são as mulheres que mais requerem iniciativas do próximo governo: recebem piores salários e registram os mais altos índices de fome, desemprego e endividamento, além dos registros de violência contra elas.
"Precisamos falar de mulheres em lugares de liderança, de igualdade salarial, de papel do homem no cuidado, enfim, de políticas públicas que atingem quase 52% da população", comenta a especialista em diversidade e sustentabilidade Liliane Rocha.
Abaixo, confira as principais propostas dos presidenciáveis em relação às mulheres. A DW considerou os planos de governo dos candidatos mais bem colocados nas pesquisas de intenção de voto, em ordem alfabética: Ciro Gomes (PDT), Jair Bolsonaro (PL), Lula (PT) e Simone Tebet (MDB). Em seguida, especialistas comentam alguns dos setores mencionados por eles.
As principais propostas envolvendo as mulheres
- redução da pobreza e das desigualdades sociais – de renda, gênero e raça;
- adoção de uma política de prevenção a crimes, dedicando uma atenção especial à segurança das mulheres, da juventude negra e da população LGBTQIA+;
- implementação de um Plano Nacional de Prevenção e Enfrentamento à Violência contra a Mulher na Política Nacional de Segurança Pública e Defesa Social;
- fortalecimento de programas e criar e fazer cumprir leis que facilitem a inserção das mulheres no mercado de trabalho, incluindo acesso à direção e salários equivalentes aos dos homens;
- equiparação quantitativa de homens e mulheres em cargos de direção na administração pública federal;
- promoção de condições para mulheres exercerem atividades profissionais (como mais vagas em creches) e que garantam proteção em relação a todos os tipos de violência;
- instalação de programas de microcrédito e programas informativos de prevenção à gravidez.
- avanço na empregabilidade de jovens e mulheres, com agenda de empreendedorismo e microcrédito para vulneráveis;
- promoção da igualdade de salário e possibilidade de equilibrar a tarefa de cuidar dos filhos e prover sustento;
- estímulo à empregabilidade e flexibilização do regime de trabalho;
- proposição de programas para o empreendedorismo feminino e ampliação de creches;
- promoção e capacitação para ampliar a participação de mulheres no parlamento;
- proposição do Plano Nacional de Enfrentamento ao feminicídio e fortalecimento de rede de proteção;
- implementação do Plano de Prevenção à Gravidez Precoce.
- prevenção, investigação e processamento de crimes de violência contra as mulheres, juventude negra e população LGBTQIA+;
- promoção de equidade de direitos, salários iguais para trabalhos iguais em todas as profissões e a promoção das mulheres na ciência, nas artes, na representação política, na gestão pública e no empreendedorismo;
- promoção de políticas de saúde integral das mulheres, fortalecimento do SUS;
- condições para que todas as mulheres tenham acesso à prevenção de doenças e que sejam atendidas segundo as particularidades de cada fase de suas vidas;
- estímulo à autonomia das mulheres, em especial mulheres negras;
- combate à violência policial contra as mulheres negras;
- instalação de política coordenada e integrada nacionalmente para a redução de homicídios envolvendo investimento, tecnologia, enfrentamento do crime organizado e das milícias e políticas públicas específicas para as populações vulnerabilizadas.
- recuperação de programas de construção de moradias subsidiadas, voltadas a famílias de baixa renda e mais vulneráveis, sobretudo as lideradas por mulheres;
- fortalecimento de rede de cuidados voltados a gestantes e puérperas;
- ampliação do microcrédito produtivo e unificação de programas com foco em inclusão produtiva, com atenção especial a mulheres empreendedoras e outros grupos;
- nomeação de ministério paritário de gênero, com igual número de homens e mulheres;
- incentivo de políticas de igualdade salarial entre homens e mulheres;
- reforço de políticas públicas em saúde para grupos prioritários, como saúde materno-infantil e saúde da mulher;
- incentivo e apoio à ampliação de patrulhas Maria da Penha, para combate à violência contra as mulheres.
Trabalho doméstico
No período de pandemia, a carga de trabalho doméstico não remunerado das mulheres ficou evidente. "O mundo do cuidado, de crianças, idosos, da casa, ainda é das mulheres, é um trabalho que tem valor e com o qual todo mundo se beneficia", resume a professora de história da UFSC Glaucia Fraccaro.
De acordo com ela, o Estado, juntamente com empregadores e pais e companheiros precisam atuar em conjunto, para reconhecer esse trabalho e para que ele seja incorporado à vida social.
"Um programa de governo tem que estar comprometido a fornecer recursos para hospital, creche, SUS, para que esse trabalho seja compartilhado, evitando a sobrecarga para as mulheres e para que elas possam participar da vida pública", reforça.
Para Fraccaro, as medidas têm que caminhar no sentido de contemplar a mulher como agente na sociedade, com autonomia e ocupando espaços como política e mercado de trabalho. "Não adianta apenas colocar as mulheres como associadas a uma visão paternalista e conservadora, de apoio para o homem e responsável pelo cuidado da família", finaliza.
Empreendedorismo
"As mulheres são 60% entre os formados na graduação no país. Mas entre pessoas em nível de gerência, elas são 25%. Entre as mulheres negras, esse número cai para 2%", informa a fundadora e CEO da Gestão Kairós, de Consultoria de Sustentabilidade e Diversidade, Liliane Rocha.
Para ela, corrigir as desigualdades estruturais de gênero passa por colocar as mulheres em posições de tomada de decisão estratégica, garantindo que ocupem altos cargos em pé de igualdade com os homens. Apenas estimular o empreendedorismo feminino não basta.
"A renda de um pequeno empreendedor muitas vezes não chega a um salário mínimo. Que empreendedorismo é esse? Essa é uma liderança que mais precariza", diz Rocha. Segundo a especialista, precisam ser previstas ações para integrar mulheres em conselhos de administração e em cargos estratégicos, para garantir a igualdade salarial e inclusive destacar o papel familiar dos homens.
"A temática das mulheres impacta a todos, é uma questão de Estado", reforça.
A pesquisadora Debora Diniz concorda e destaca a importância de se pensar nos diferentes grupos de mulheres: "Ou se falam de mulheres, ou se falam de mulheres negras, ou se falam de mulheres indígenas, ou não vai haver política democrática neste país."
Saúde e violência
O Brasil já possui estruturas de proteção às mulheres vítimas de violência, como serviços de apoio e casas-abrigo, além de estruturas como o SUS, que preveem a atenção à saúde das mulheres. No entanto, nem sempre esses instrumentos são oferecidos às mulheres.
"A lei orçamentária anual prevê recursos para o Ministério das Mulheres, mas menos de 50% do previsto foi utilizado no ano passado e no ano retrasado. Muitas vezes isso é comemorado como uma economia, como algo bom, mas não é assim que o Brasil tem que economizar", diz Fernanda Wolski, da ONG Elas No Poder.
Ela complementa que o Brasil tem um dos piores índices de violência contra a mulher no mundo – só de violência doméstica, foram 31 mil denúncias até julho de 2022, de acordo com dados do governo – e que mais mata pessoas trans – de acordo com a Associação Nacional de Travestis e Transexuais, foram pelo menos 135 mortes de travestis e mulheres transexuais em 2021.
Estruturas de serviço psicológico e de acolhimento e o fortalecimento de denúncias, além da aplicação de leis e de serviços de atendimento de saúde voltados especificamente para o público feminino, estão entre os itens que precisam passar pelas ações de governo nos próximos anos.
"Essa rede de enfrentamento e cuidado precisa ser fortalecida e, para isso, é fundamental vontade política, e não apenas discursos", destaca Fraccaro, da UFSC.
Participação feminina na política
As mulheres conquistaram o direito ao voto há 90 anos. "Mas elas ainda estão lutando pelos direitos de serem eleitas", reitera Michelle Ferreti, diretora do Instituto Alziras. Desigualdades estruturais e barreiras como as dificuldades de acesso e as desigualdades na distribuição de recursos de campanhas políticas estão entre alguns entraves.
"Há relatos muito graves de violência política mesmo depois que as mulheres são eleitas, elas não são bem-vindas e estão menos nesses espaços de decisão e de constituição de Estados democráticos", expõe.
Apenas 15% da Câmara dos Deputados são mulheres, índice que deixa o Brasil atrás de países como Ruanda e Afeganistão. Um cenário que precisa mudar. "Aparecer na disputa de poder é também forma de representação e forma de transformação", destaca Débora Diniz.