As feridas emocionais das crianças refugiadas
6 de novembro de 2015"Eu tinha tanto medo no barco. Eu estava com meu irmão mais novo nos braços, também quando a gente caiu na água. Eu o segurei em meus braços e chorei. Eu rezei a Deus para ir para o paraíso. Eu pensei que fosse morrer. A morte estava tão perto". Farah tem 10 anos e fugiu da Síria junto com a família.
"Durante fuga, tivemos que ficar por cinco meses em um campo de refugiados na Bulgária, que era horrível. Os guardas batiam na gente", lembra Namir, de 12 anos. Sua família cristã vivia em Damasco, na Síria, onde, segundo ele, era perseguida. Ele relata que alguns parentes foram até forçados a se converterem ao Islã. "No caminho para a Alemanha, andamos por uma floresta escura. Lá eu perdi os meus sapatos, e meus pés ficaram sangrando por causa dos galhos e espinhos. Meu pai teve que me carregar e também carregar a minha irmã. Eu passei fome e sede."
Luta pela sobrevivência e medo da morte
"Meu irmão mais novo foi separado de nós durante a fuga. Nós Durante três dias nós não o achamos. Choramos três dias seguidos", diz Walid. Quando finalmente encontraram Nidal, três dias depois, ele estava traumatizado. "Ele chorava e ria ao mesmo tempo. Foi indescritível. Se tivesse acontecido comigo, tudo bem, mas ele é só uma criança", conta Walid, de 17 anos.
Durante a fuga, Walid se tornou adulto. Ele fugiu da Síria com a mãe e dois irmãos. Seu pai teve que ficar para trás. "Minha mãe às vezes chora sem parar. Nós todos temos pesadelos. Vimos combatentes matarem duas pessoas, quando passávamos uma noite dormindo no chão de uma escola. Eu nunca vou esquecer disso. Meus dois irmãos também viram aquilo. Às vezes, Nidal parece querer machucar a si mesmo." Walid diz que o dia mais feliz para ele será quando puder ver seu pai novamente.
Um terço são crianças
As vivências de Farah, Namir e Walid comovem. São experiências de que os pais tentam poupam os filhos. Mas o desespero desses pais é grande. Todos eles têm o desejo de dar a seus filhos um futuro seguro. De acordo com o governo alemão, um terço de todos os refugiados que vêm para a Alemanha são crianças e adolescentes. Organizações de proteção à criança, como a Save the Children, alertam que muitos desses menores passam por experiências cruéis e traumatizantes – mas poucos falam sobre isso.
"É um sofrimento terrível, ouvimos isso todos os dias", diz o psicólogo Andreas Mattenschlager, diretor de um projeto em Ulm que oferece consulta e apoio psicoterapêutico para crianças refugiadas traumatizadas. "Crianças refugiadas, como todas as crianças, querem ter uma sensação de segurança. Na fuga, elas e seus pais conseguiram escapar do sofrimento e da violência, mas a situação delas continua sendo catastrófica", destaca Mattenschlager.
Perda de segurança
"Crianças pequenas experimentam esse sentimento de segurança não em lugares, mas no relacionamento com seus pais", explica o terapeuta familiar. "As crianças vivenciam pais fortes em casa. Já quando seus pais não estão presentes ou ficam para trás durante a fuga, essa segurança é perdida". Em seu trabalho, ele também percebeu que as crianças afetadas sofrem com a alta expectativa dos pais. "Eles deixaram tudo para trás, a fim de dar a seus filhos um futuro melhor", ressalta Mattenschlager. "As crianças, então, têm que desempenhar seus papéis na Alemanha e temem não decepcionar seus pais."
Experiências de guerra, prisão e tortura no país de origem, assim como na fuga de meses para a Europa sobrecarregam muito essas crianças. A situação nos campos de refugiados, a discriminação e o isolamento aumentam a carga psicológica. "Nos abrigos, com 1.500 pessoas em um espaço confinado, as famílias passam muitos dias e meses. Este é um grande fardo", diz o médico Volker Mall, diretor no Kinderzentrum München, um centro de atendimento social e pediátrico em Munique.
Terapia pode melhorar integração
Muitos dos menores sofrem de transtornos psicológicos devido à experiência pela qual passaram. "Para melhor integrar as crianças em creches e escolas, é preciso oferecer, de forma rápida e simples, um auxílio psicoterapêutico", acredita Mall. "Nossas estruturas são boas. Temos instalações para lidar com o problema. Mas alguns pedidos de asilo duram anos para serem aprovados", constata Mall. Somente após uma autorização de residência, o seguro de saúde na Alemanha pode cobrir tratamentos psicoterapêuticos.
Andreas Mattenschlager e sua equipe oferecem, uma vez por semana, atendimento gratuito em um centro para refugiados em Ulm. O serviço é financiado pela Igreja. "Mas conseguir ganhar confiança nesse tempo reduzido é um grande desafio", sublinha Andreas Mattenschlager. "As crianças e adolescentes desacompanhados passaram por muitos relacionamentos rompidos. Eles perderam os pais ou, na fuga, tiveram contato com pessoas que posteriormente se perderam. Em primeiro lugar, é importante para eles ter alguém para conversar em quem confiam."
Mas, no início, as famílias ficavam desconfiadas de que o conteúdo das conversas fosse encaminhado para o setor de imigração do governo. "Só depois que a confiança é criada, é que as crianças traumatizadas conseguem falar sobre o que viveram."