"As crianças escaparam das minhas mãos"
3 de setembro de 2015"Todos gritavam na escuridão. Não podia fazer com que minha mulher e meus filhos me ouvissem". A mulher Rehan, de 35 anos, e os meninos Aylan, de três, e Galip, de cinco, escaparam das mãos de Abdullah Kurdi.
O sírio de Kobane, cidade assolada pelos extremistas do grupo "Estado Islâmico" (EI), foi o único sobrevivente do naufrágio de um barco com 12 refugiados, próximo à praia do resort de Bodrum, na Turquia. Eles tentavam chegar à ilha de Kos, na Grécia. Um outro bote com 16 pessoas, inclusive crianças, também virou.
A imagem do corpo do pequeno Aylan, estendido na areia à beira do mar, se tornou nesta semana um símbolo do drama enfrentado por refugiados que fogem de perseguições e tentam um recomeço na Europa.
"Queremos a atenção do mundo sobre nós para prevenir que o mesmo não aconteça com outras pessoas", disse Abdullah a jornalistas.
Depois de uma dura jornada na tentativa de proteger sua família, ele se prepara para voltar a Kobane e enterrar a mulher e os dois filhos.
Recusados no Canadá
Abdullah e a família tinham fugido para a Turquia, de onde tentavam conseguir refúgio no Canadá. A irmã de Abdullah, Teema Kurdi, que vive há 20 anos em Vancouver, fez o pedido de asilo em nome dos familiares em junho, mas as autoridades canadenses negaram a solicitação.
"Tentei me responsabilizar por eles, e tenho amigos e vizinhos que me ajudaram com os depósitos bancários, mas não consegui tirá-los da Turquia. Por isso, eles entraram no barco", afirmou à imprensa canadense. "Cheguei até a pagar o aluguel deles na Turquia, mas é horrível a forma como tratam os sírios por lá."
Apesar de o Canadá ter concordado em receber cerca de 20 mil refugiados sírios, apenas mil chegaram ao país até o final de julho. Abdullah disse que as autoridades canadenses lhe ofereceram a cidadania após o naufrágio, mas ele recusou.
Pânico a bordo da embarcação
Abdullah fez severas críticas ao tratamento recebido pelos refugiados na Turquia. "Queremos que o mundo todo veja as coisas que aconteceram para nós aqui, no país onde nos refugiamos para escapar da guerra em nossa terra natal", disse.
Em uma ação desesperada, Abdullah pagou duas vezes a atravessadores para embarcar clandestinamente para a Grécia, mas as tentativas fracassaram.
Junto com outros migrantes, a família decidiu encontrar um barco e remar por conta própria até a costa grega. A travessia teve o fim trágico. As pessoas entraram em desespero ao verem a água entrando na embarcação, que naufragou em seguida. "Que isso não aconteça mais. Que tenha sido a última vez", lamenta Abdullah.
KG/RC/rtr/afp