As alternativas ao trigo contra a fome no mundo
12 de julho de 2022A guerra na Ucrânia nos mostrou não apenas nossa dependência do petróleo e gás russos, mas também das enormes quantidades de trigo que vêm da região e são exportadas para todo o mundo. A Rússia e a Ucrânia estão em primeiro e quinto lugar, respectivamente, no ranking dos maiores exportadores de trigo do mundo.
Juntos, produzem mais de 20% do suprimento mundial de grãos. Muito disso acaba no Oriente Médio e na África. O maior importador de trigo do mundo é o Egito, que obtém cerca de 80% de seus grãos da Rússia e da Ucrânia. O país agora está subsidiando os preços do pão à medida que os custos disparam e os suprimentos diminuem.
A escassez de grãos provocada pela guerra também está agravando uma "emergência alimentar sem precedentes" este ano na região do Sahel e da África Ocidental, de acordo com o Programa Mundial de Alimentos da ONU. Quênia, Somália e grande parte da Etiópia estão em risco de insegurança alimentar aguda.
A mudança climática, incluindo uma seca prolongada que agora devasta a África Ocidental, está piorando a escassez de alimentos. A produção de trigo pode cair 7% para cada grau Celsius de aquecimento global, especialmente devido à diminuição das chuvas, alertaram especialistas na semana passada.
Para combater a insegurança alimentar, países como o Egito estão tentando reforçar a independência alimentar expandindo a produção doméstica. Agora, o trigo também está sendo plantado no deserto egípcio, embora isso exija mais fertilizantes e recursos hídricos escassos.
O trigo mole (Triticum aestivum) tem um sistema radicular raso e, portanto, é mais suscetível à seca. Por ser muito produtivo e sua farinha branca poder ser processada em um número infinito de alimentos, este grão híbrido globalmente dominante ainda é extremamente popular. Ele fornece cerca de 20% das calorias consumidas pelos seres humanos.
Devido à vulnerabilidade do trigo para suprir a escassez causada por conflitos e mudanças climáticas, estão sendo feitas tentativas para estabelecer uma gama mais ampla de variedades de grãos mais resilientes e sustentáveis. Isso inclui cepas mais antigas, mais capazes de se adaptar ao clima e se desenvolver em uma variedade de condições.
Aqui estão quatro grãos alternativos que podem ajudar a acabar com nossa dependência do trigo:
Einkorn
Antes do cultivo em massa do trigo comum, encontrado hoje em inúmeras formas nas prateleiras dos supermercados em todo o mundo, dezenas dos chamados grãos "originais" eram cultivados em diversos locais e diferentes condições de solo e clima.
O einkorn (Triticum monococcum, do alemão Einkorn, literalmente "grão único"), é um grão tão resiliente que pode ser uma alternativa ao trigo usado para fazer pão na maior parte do mundo.
Datado dos tempos neolíticos, einkorn é conhecido como "trigo original". É adaptável a diversos terrenos e mais resistente a doenças do que o trigo moderno. Ele contém 30% mais proteína, 15% menos amido e menos glúten do que o trigo comercial comum. Diz-se que o grão dá aos produtos feitos com ele um sabor de noz.
"Einkorn é único porque tem o dobro dos minerais de outros tipos de trigo, o que é crucial para a nutrição", disse Friedrich Longin, cientista agrícola da Universidade de Hohenheim, no sul da Alemanha. Mas, embora seja duas vezes mais nutritivo que o trigo moderno, tem cerca de metade do rendimento.
Hoje em dia, ele é cultivado em quantidades relativamente pequenas na Áustria, Alemanha e regiões da Itália, Hungria e França, mas tem potencial para ser semeado mais amplamente devido à sua adaptabilidade a solos pobres e marginais. O grão também tem resistência excepcional a doenças em comparação com o trigo comum, de acordo com um estudo recente.
Emmer selvagem
O emmer, ou farro (Triticum dicoccum), é outro grão original que pode voltar diante da atual crise. O imperador romano Júlio César era fã do grão e ordenou que fosse cultivado em todo o império romano. Hoje, seus principais benefícios são alta resiliência climática e a resistência a doenças. Seu rendimento é superior ao do einkorn.
Um estudo realizado ao longo de 28 anos em Israel mostrou que as variedades de emmer selvagem que experimentaram um aumento de temperatura de dois graus durante esse período sofreram mutações que o fizerem mais resistentes às mudanças climáticas.
Os pesquisadores concluíram que espécies geneticamente mais diversas de alto teor de fibra eram "a melhor esperança genética" para melhorar as linhagens de trigo modernas vulneráveis às mudanças climáticas e doenças.
Enquanto o emmer já foi parte integrante da panificação na Roma antiga, hoje suas sementes são relativamente escassas. A farinha do grão está novamente sendo usada na Suíça e na Itália, onde também é transformada em massa.
Kernza
Um problema do trigo convencional é que ele é sazonal, o que significa que a planta morre após a colheita e precisa ser replantada a cada ano. Ele também tem um sistema radicular raso, que não é altamente eficaz no sequestro de carbono no subsolo.
Como opção, um novo grão perene chamado Kernza, ou trigo intermediário, foi desenvolvido pelo The Land Institute, uma ONG de agricultura sustentável com sede no estado americano do Kansas. Derivado do trigo, as raízes de Kernza crescem até 3 metros, o que significa que a planta pode sequestrar muito mais carbono. Suas raízes longas também mantêm a saúde do solo, resistindo à erosão.
Plantas perenes ajudam a desenvolver um solo mais biodiverso e resistente à seca, além de economizar energia e recursos necessários para o replantio anual. O grão híbrido que foi desenvolvido ao longo de décadas já está sendo utilizado por padeiros, chefs e cervejeiros nos EUA e Canadá.
O instituto que o desenvolveu está chamando o kernza de "mudança voltada para o futuro baseada em uma agricultura fundamentalmente regenerativa e inteligente em relação ao clima". Quatro mil acres de trigo foram cultivados nos EUA e no Canadá em 2021, 500 a mais do que em 2019. Em meio à crise global de grãos, esse número pode crescer ainda mais.
Painço
O painço, ou milhete, um alimento básico para centenas de milhões de pessoas na Ásia e na África, também tem alta resiliência climática, curto período de amadurecimento e baixas emissões de carbono, de acordo com Robert Onyeneke, economista agrícola da Universidade Federal Alex Ekwueme, na Nigéria.
O grão, que tem muitas variedades, é adaptável ao calor e à seca, requer muito menos água do que trigo, arroz ou milho, e pode ser cultivado em todo o mundo, inclusive em solos relativamente pobres.
A importância do grão, que é pouco consumido no Ocidente, foi sublinhada quando a ONU declarou 2023 Ano Internacional do Milho-Painço. Com o cultivo em declínio em muitos países, a ONU disse que "seu potencial para lidar com as mudanças climáticas e a segurança alimentar não está sendo plenamente aproveitado".