Arquitetura Sem-Teto
4 de setembro de 2003Um eunuco indiano encontra abrigo debaixo de um tapume, no cemitério; um senhor que já vende jornal numa avenida de Hong Kong há 50 anos dorme sobre a pilha de exemplares não vendidos; um cambodjano debaixo de sua tenda de sacos plásticos e bambu: estas são algumas das imagens da arquitetura improvisada dos sem-teto, reunidas na mostra Arquitetura do Desabrigo, na Pinacoteca Moderna de Munique.
Arte da improvisação – A iniciativa da exposição partiu da revista BISS (Cidadãos em Dificuldade Social), editada por pessoas sem teto. O evento marca os dez anos de existência desta publicação, que já vende 35 mil exemplares por mês. O projeto encampado pela Pinacoteca Moderna encarregou renomados fotógrafos de registrar a vida dos sem-teto em diversas partes do mundo. O enfoque da exposição não recai tanto sobre a pobreza e miséria, mas sim sobre as formas improvisadas de moradia e as diferentes maneiras de lidar com o espaço urbano.
Colchão na rua – “Segundo o dicionário, arquitetura significa erigir um edifício de acordo com as regras da construção. Neste caso, até uma cabana feita de tábuas e restos encontrados no lixo seria arquitetura”, conjectura o fotógrafo berlinense Wolfgang Bellwinkel, um dos participantes da exposição, concluindo que a arquitetura – numa definição funcional – seria “aquilo que separa o homem do meio-ambiente”. Em suas fotos de grande formato, Bellwinkel mostra colchões, tapetes e sacos de dormir, contrastando suas estampas coloridas com as manchas de sujeira da rua.
Nos vãos urbanos – A exposição não enfoca o problema dos sem-teto como um fenômeno periférico, mas sim como avesso da prosperidade econômica e conseqüência da globalização. No início dos anos 90, Tóquio registrava mil sem-teto, enquanto hoje – após anos de recessão – este número chega a 20 mil. Ulrike Myrzik e Manfred Jarisch, casal de fotógrafos de Munique, viajaram pelo Japão, Cambodja e Tailândia, coletando imagens de pessoas debaixo de pontes, entre linhas de trem e em outros vãos urbanos onde demarcam sua esfera privada.
Interditar os cantos – A tentativa de exclusão dos sem-teto do centro das grandes cidades é tema da documentação do fotógrafo Wolfgang Tillmans. A prática policial de recolher os sem-teto do centro da cidade e transportá-los para a periferia era relativamente comum na Alemanha, até a prefeitura de Berlim denunciar a ilegalidade disso dois anos atrás. Na impossibilidade de evacuar os lugares públicos, surgem novas estratégias para evitar que as pessoas se detenham em determinados locais. Um exemplo disso são os pinos que evitam que se sente na calçada de um aeroporto, uma das cenas fotografadas por Tillmanns na série Anti-Homeless Device.
Entre os fotógrafos convidados para a mostra também estão o belga John Vink, residente no Cambodja, a indiana Dayanita Singh e o russo residente em Berlim Boris Mikhailov. A exposição pode ser visitada até o dia 21 de setembro.