Após eleições, começa o pôquer pelo poder em Portugal
5 de outubro de 2015A notícia chegou finalmente no domingo (04/10), quando faltavam 30 minutos para a meia-noite: sorridente, o primeiro-ministro em exercício de Portugal, Pedro Passos Coelho, anunciou a seus correligionários que continuaria a governar:
"Iremos dizer ao presidente da República que a força política que alcançou o maior número de votos nas eleições está disponível a assumir sua responsabilidade e governar."
Na prática, entretanto, as coisas não deverão ser tão fáceis. A aliança liberal de direita de Passos Coelho, Portugal à Frente (PaF), formada pelo Partido Social Democrata (PPD/PSD) e o CDS-Partido Popular (CDS-PP), de fato, venceu o pleito legislativo. Com 38,6% dos votos entregues, ela é a principal força no novo Parlamento. Contudo, o premiê não dispõe mais da maioria absoluta, dependendo para governar, portanto, de conquistar mais um parceiro ou ser tolerado pela oposição como governo de minoria.
Caminho do meio
Sem ter cumprido a meta autoimposta de propor o próximo chefe de governo português, o Partido Socialista (PS) ficou em segundo lugar, com 32,4% da preferência eleitoral. O Bloco de Esquerda conseguiu quase dobrar sua porcentagem nas urnas, alcançando 10%, e os comunistas obtiveram novamente 8%. Assim, juntos, os três partidos da oposição esquerdista, que exigem o fim da rigorosa política de austeridade, detêm a maioria parlamentar.
Com um comparecimento às urnas de apenas 57%, os portugueses se decidiram mais uma vez pelo caminho do meio. Por um lado, o governo Passos Coelho recebeu um tiro de advertência por sua política de austeridade, sem ser radicalmente punido. Por outro lado, os eleitores negaram a maioria absoluta aos socialistas, que prometem mais dinheiro para os cidadãos.
Afinal de contas, argumentam muitos, quando ainda estavam no poder os socialistas foram os primeiros a submeter o país aos rigores da troica internacional. A fim de evitar a falência estatal, em 2011 a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu (BCE) e o Fundo Monetário Internacional (FMI) decretaram um programa de saneamento financeiro estrito para Portugal, que só se concluiu em 2014.
Aliar-se ao adversário ou virar oposição
A formação de um novo governo em Portugal deverá ser difícil. Embora todos os três partidos de esquerda em princípio aleguem que não vão tolerar um governo liberal de minoria, Pedro Passos Coelho aparentemente espera conquistar o apoio dos socialistas.
A coalizão governamental já anunciou a intenção de se aproximar do PS. Logo após o fechamento das urnas, o primeiro-ministro acenou com eventuais reduções de impostos. A única condição é que os socialistas se comprometam com a União Europeia e com as regras da zona do euro – o que já é o caso. Contudo, o líder socialista Antônio Costa quer mais: um bom sistema estatal de saúde, um Estado social melhor e mais verbas para educação e ciência.
Cabe constatar se e como os adversários chegarão a um acordo – até porque Costa tem a possibilidade de ameaçar com a formação de um governo em conjunto com o bloco esquerdista e os comunistas. Nesse caso, Coelho e seu Portugal à Frente estariam relegados ao banco oposicionista.
Por outro lado, parece igualmente questionável que as três legendas de esquerda concordem em formar uma coligação de governo, uma vez que são extremamente distintas as suas visões relativas ao euro e à política de austeridade.
Primeiros sinais de consenso?
A próxima palavra cabe agora ao presidente Aníbal Cavaco Silva. Ele convocará todos os partidos a apresentarem as respectivas análises das eleições. Só depois disso, o chefe de Estado estará apto a encarregar Pedro Passos Coelho da formação de um novo governo, cuja primeira tarefa será apresentar o orçamento para 2016 e fazê-lo passar pelo novo Parlamento.
Assim, nas centrais partidárias em Lisboa já se começa a mexer avidamente os pauzinhos e a realizar as primeiras conversas de sondagem. Num gesto de apoio à formação de governo, o presidente Cavaco Silva cautelosamente cancelou sua participação nas festividades do Dia da República, nesta segunda-feira.
O detalhe é que, no contexto das medidas de austeridade, o atual governo eliminara oficialmente do calendário nacional o feriado do Dia da República, sob protestos veementes. Os oposicionistas, por sua vez, querem reinstituí-lo o mais depressa possível.
Talvez esse já seja um sinal do consenso que pavimentará o caminho para a formação de um novo governo em Portugal. E, no próximo ano, o 5 de outubro pode voltar a ser dia de folga para todos os lusitanos.