Após 12 anos, Karzai deixa poder no Afeganistão com legado questionável
4 de abril de 2014Após o final violento dos seis anos de domínio talibã, Hamid Karzai era a grande esperança para a reconstrução do Afeganistão. Descendente de uma proeminente família pachtun, ele foi nomeado presidente do governo de transição em dezembro de 2001, numa conferência internacional em Petersberg, na Alemanha. Ele era um dos poucos afegãos influentes que não tinha sangue nas mãos e cultivava boas relações com os Estados Unidos.
As expectativas eram grandes, e aquele homem elegante, sempre vestido com sua típica mistura de terno ocidental, gorro de pele e uma longa manta que vai até o chão, agradava aos que esperavam um dirigente exótico, mas sintonizado com o Ocidente. Mais de 12 anos mais tarde, o balanço da era Karzai é marcado pela ampla desilusão, tanto no exterior como no Afeganistão. Ele não conseguiu progressos nem no combate à corrupção, nem nas relações com o Paquistão, para citar apenas duas das áreas mais problemáticas.
"Esta crítica, no entanto, é muito simplista", rebate Adrienne Woltersdorf, diretora da Fundação Friedrich Ebert no Afeganistão. "Ele conseguiu ficar mais de dez anos no poder no Afeganistão. Provavelmente este é um dos cargos políticos mais difíceis que existem neste planeta."
"Karzai é um estrategista brilhante que sempre conseguiu equilibrar os diferentes interesses de poder", ressalta.
Ela lembra que o presidente, por exemplo, chamou o governador de Herat, Ismail Khan, a fazer parte de seu gabinete ao perceber que ele começava a agir de forma perigosamente autônoma. "E somente neste certamente frágil equilibro de interesses pode ocorrer ajuda ao desenvolvimento", afirma.
A especialista sublinha que nunca antes tantas meninas frequentaram a escola como nos últimos dez anos, universidades foram fundadas ou reativadas, e uma variedade de estações de TV e rádio garantem uma dos sistemas de mídia mais vibrantes da região.
Imagem arranhada
No entanto, a imagem inicialmente positiva foi ganhando cada vez mais arranhões. Karzai foi perdendo a simpatia dos afegãos, que passaram a vê-lo como um fantoche do Ocidente. Enquanto ele ganhou sua primeira eleição, em 2004, com uma maioria esmagadora, sua reeleição em 2009 ocorreu graças a fraudes e ao fato de que o seu adversário mais forte, Abdullah Abdullah, se deixou vencer pelo medo e abriu mão de um segundo turno. A situação de segurança também foi se deteriorando cada vez mais com seguidos ataques talibãs, enquanto a confiança dos Estados Unidos foi enfraquecendo.
Durante o processo de transição gradual da responsabilidade de segurança para os afegãos, Karzai foi sendo considerado cada vez mais um político idiossincrático e imprevisível. Ele colocou seus interesses pessoais em primeiro plano e se isolou por causa disso. Sobretudo sua atitude em relação ao Talibã desagradou a muitos afegãos. Karzai chama frequentemente os combatentes radicais islâmicos de seus irmãos e os convidou para negociações de paz, mas sem sucesso.
O alemão Winfried Nachtwei, ex-político do Partido Verde e especialista em política de paz e segurança, não vê Karzai como único culpado. "A maior parte da culpa é atribuída ao lado afegão, especialmente ao presidente. Mas muitos esquecem que nos primeiros anos este presidente foi deixado à sua própria sorte em vários aspectos", pondera, complementando que Karzai teve que pressionar durante muito tempo até que a Otan decidisse fornecer segurança também para regiões longes de Cabul. "Como a Aliança Atlântica finalmente rumou para o sul, em 2006, já era tarde demais", observa. "Os talibãs já tinham recuperado forças na região e Karzai foi praticamente forçado a assumir este papel ambivalente."
Muitos analistas se perguntam o que levou o presidente a esnobar abertamente os EUA, se recusando a assinar um acordo de segurança com Washington que garantiria uma presença americana para o período posterior à retirada das tropas da Otan.
As críticas e elogios de afegãos
Apesar de tudo, muitos afegãos reconhecem que ele conseguiu progressos nos primeiros anos de sua gestão. "É justo dizer que Karzai conseguiu algumas realizações", diz Mohammad Asefi, morador de Cabul "Isso inclui a liberdade de imprensa, melhorias nos direitos das mulheres e no direito de voto. Este é um grande passo adiante", completa o idoso.
Mas Asefi também guarda decepções. "Na segunda vez, eu não votei nele", ressalta. "Ele não cumpriu suas promessas." Asefi reclama, em especial, que os senhores da guerra até hoje estão no governo representando os interesses do povo.
Waheeda Shujayee é vendedora em uma loja de roupas em Cabul. "Depois da queda dos talibãs, os afegãos agradeceram poder ser um novo e moderado presidente", acredita. "Mas, então a segurança e a economia se deterioraram, e muitos afegãos fugiram novamente. No início, as pessoas se alegravam pelo fato de os talibãs terem ido embora. Agora, os afegãos querem ver progresso real", afirma.
Muitos afegãos e a comunidade internacional esperam progresso real com um novo presidente, a ser eleito neste fim de semana. Os três candidatos com mais chance de vitória querem assinar o acordo de segurança com os EUA, mas também manter conversações com os talibãs.