Apoio de maestro a Putin gera impasse para orquestra alemã
29 de março de 2014Aos 60 anos de idade, Valery Gergiev é, indiscutivelmente, o regente russo mais influente dos dias atuais, assim como um dos mais aclamados no ranking mundial. Há mais de duas décadas, dirige com êxito o legendário Teatro Mariinsky de São Petersburgo.
Após a glasnost e a perestroika, ele não partiu para o Ocidente, como muitos de seus colegas, mas sim transformou o teatro num dos mais celebrados trunfos da cultura russa, dotado de uma orquestra do mais alto nível. Gergiev é também maestro titular da Orquestra Sinfônica de Londres (LSO) e dirige a Orquestra Filarmônica de Rotterdam, além da World Orchestra for Peace, fundada por Georg Solti.
Além disso, há um ano assinou um contrato de cinco anos com a Filarmônica de Munique, sucedendo a Lorin Maazel a partir de 2015. "Valery Gergiev é a primeira escolha e representa renovação, sob todos os pontos de vista", elogia Hans-Georg Küppers, encarregado de Cultura da capital bávara.
Küppers torce pelo futuro regente do tradicional corpo orquestral da cidade, cuja "energia jovial e capacidade de se entusiasmar" deverá contagiar tanto os músicos, quanto o público de todas as faixas etárias.
"Gergiev ocupa uma posição única no universo da música, devido a seu carisma e a sua diversidade musical", prossegue Küppers. Por isso, ele tem sido um convidado disputado, em todos os grandes palcos, em especial por sua interpretação do repertório russo de concerto, balé e ópera. Mas isso, até alguns meses atrás.
Putin e a cultura
O outro lado da moeda é que Gergiev jamais fez segredo de seu entusiasmo pelo presidente russo. "Ele considera Vladimir Putin o único político que pode dar um futuro à Rússia", afirma o jornal alemão Süddeutsche Zeitung, após conversas com o artista. Junto à mídia ocidental, Gergiev gosta de enfatizar que, em comparação com Boris Yeltsin, seu "amigo" Putin é um verdadeiro democrata.
Falando ao canal de notícias CNN em fevereiro, o maestro argumentou que muita gente se engana a respeito do chefe do Kremlin. "Ele pertence a um grupo muito reduzido de políticos de ponta neste mundo que se interessam por cultura, que consideram a cultura muito importante."
Dois anos atrás, o artista participou da campanha eleitoral de Putin, em propagandas na televisão. Gergiev defendeu também a legislação repressiva do chefe de Estado contra os homossexuais. A partir daí, ganhou notoriedade questionável. Em condenação as suas declarações homofóbicas, associações de gays em Londres, Rotterdam, Nova York e Munique organizaram protestos por ocasião de seus concertos.
Declarações comprometedoras
Em reação, o regente russo escreveu uma carta ao encarregado de Cultura de Munique. Na mensagem Gergiev diz "para a cidade de Munique, vale o princípio que está vedada toda exclusão, discriminação ou molestamento de pessoas por motivos de gênero, origem, cor da pele, religião, deficiência ou identidade sexual. Formas de comportamento contrárias não serão toleradas. Eu corroboro incondicionalmente esse posicionamento da cidade de Munique. Em toda a minha vida profissional como artista tenho agido de acordo com esses princípios e continuarei fazendo-o no futuro. Qualquer imputação de outra ordem me atinge muito."
Por outro lado, quando as tropas de Putin invadiram a península da Crimeia, despertando indignação e protestos internacionais, o Ministério russo da Cultura publicou uma breve carta aberta assinada por numerosos artistas russos, em apoio à política do chefe do Kremlin.
"Nos dias que decidem o destino da Crimeia e de nossos compatriotas, os profissionais da cultura da Rússia não podem ficar como observadores indiferentes e insensíveis. Nossa história e raízes comuns, nossa cultura e nossas origens espirituais, nossos valores fundamentais e idioma nos uniram para sempre. Nós desejamos que a comunidade de nossos povos e de nossas culturas tenha um futuro poderoso. Por isso, declaramos nosso apoio inquebrantável à posição do presidente da Federação Russa quanto à Ucrânia e à Crimeia."
Entre os signatários constam vários músicos, como os instrumentistas Denis Matsuev, Vladimir Spivakov, Yuri Bashmet, as cantoras Hibla Gerzmava e Elena Obraztsova. E o maestro Valery Gergiev.
Cria do "czar Putin"
Segundo a emissora bávara BR, parte do público devolveu seus ingressos para o concerto com a LSO marcado para o fim de março, em Londres. Na página de Facebook da orquestra, lê-se: "Sob as atuais circunstâncias políticas, é impossível estar presentes ao concerto de Valery Gergiev e Denis Matsuev."
O jornal Frankfurter Allgemeine Zeitung questiona as possibilidades do regente. "Será que Gergiev tinha outra opção? Seguramente ele deve sua meteórica carreira, em primeiro lugar, a si mesmo, à sua explosiva competência, seu temperamento genial. Mas decididamente deve ao czar Putin o fato de ter podido construir para si uma posição de poder sem igual no reino da música."
Foi o presidente da Rússia quem mandou reformar e ampliar o Teatro Mariinsky, pelo equivalente a meio bilhão de euros, e transformá-lo – de acordo com o jornal, na "Gergiev Music City". E agora, o regente se pronuncia a favor da política hegemônica de Putin na Crimeia.
Por outro lado, como ressalva a correspondente musical russa da DW Anastassia Boutsko, "outras personalidades importantes da vida musical russa, como Tugan Sokhiev, o futuro diretor musical do Teatro Bolshoi, não deram esse passo".
Ânimos divididos em Munique
No momento, certas personalidades da cultura e da mídia alemãs se perguntam se Valery Gergiev ainda é sustentável como futuro titular da Filarmônica de Munique. Na aprovação pelo Conselho Municipal, um ano atrás, 99% dos deputados votaram a seu favor, porém, neste ínterim, o clima é outro.
"Quem apoia a política de Putin, que viola o direito internacional, não poder se tornar diretor musical em Munique", declarou à DW Florian Roth, chefe da bancada municipal dos verdes. É preciso que o músico se explique. "O Sr. Gergiev não seria aqui apenas um artista, mas sim – enquanto maestro titular da Filarmônica de Munique – também representante da cidade. Aí é preciso ser cuidadoso com declarações políticas."
A diretora da Associação Cultural Teuto-Russa MIR em Munique, Tatiana Lukina, não consegue entender a discussão em torno de Gergiev. "É preciso julgar um músico pelo seu talento, não por suas declarações políticas, muito menos numa sociedade democrática. Um artista também é grande quando está perenemente em busca da verdade. E esse é o caso de Gergiev. Ele não pode se enganar, mas também não pode ser desonesto."
Na qualidade de cidade multicultural e cosmopolitana, a capital da Baviera deveria estar orgulhosa de ter um artista honesto e genial do gabarito de Valery Gergiev, enfatiza Lukina. "Ele não fez mal a ninguém. Não acho certo o que estão fazendo."
Entre engajamento político e metas artísticas
Para o jornal Süddeutsche Zeitung, da parte do Conselho de Munique seria equivocado simplesmente colocar Gergiev na rua, por ele ter uma opinião contrária. O encarregado de Cultura Hans-Georg Küppers se mantém reservado. "No momento, não quero comentar os pontos de vista políticos pessoais de Gergiev", disse à DW.
O diretor geral da orquestra em questão, Paul Müller, expressa cautela semelhante. "Até agora, não há motivo para problematizar Valery Gergiev como maestro titular da Filarmônica de Munique."
A emissora BR alerta que a instituição musical "não conseguirá se manter por muito tempo fora da discussão em torno de seu futuro chefe".