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Ao perseguir cristãos, EI tenta fomentar guerra ao Ocidente

Kersten Knipp (ca)27 de fevereiro de 2015

Além de propaganda, "Estado Islâmico" busca incitar ódio religioso para criar instabilidade nos países onde atua. Tática também pode elevar islamofobia na Europa, o que cria terreno fértil para radicalização de jovens.

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Cristãos em fuga após expansão do "Estado Islâmico" no IraqueFoto: picture alliance/AA

Ainda não se sabe o que "Estado Islâmico" (EI) fará com os cerca de 220 cristãos raptados de vilarejos no norte da Síria nos últimos dias. Uma das possibilidades é que eles sejam trocados por jihadistas presos. Outra é que tenham o mesmo destino de outros reféns, e morram de forma brutal nsa mãos da organização terrorista.

O EI poderá demonstrar mais uma vez que declarou guerra aos cristãos e ao cristianismo em todo o mundo. O significado disso foi vivenciado, recentemente, por 21 cristãos coptas. Eles foram raptados pelos jihadistas na Líbia e, pouco depois, decapitados diante das câmeras.

Para os jihadistas, decapitações são apenas o prelúdio de uma luta maior – que, atualmente, é travada ao sul do Mediterrâneo, mas ameaça eclodir a qualquer momento também mais ao norte.

"Vamos conquistar Roma", disse um dos carrascos encapuzados numa praia da Líbia, com a faca na mão, apontando para a Europa.

"Muçulmanos governados por muçulmanos"

A declaração não foi gratuita. No segundo semestre de 2014, o EI divulgou a quarta edição de sua revista Daqib. O nome alude a uma cidade no norte da Síria, que é mencionada na Hadith – a narrativa dos atos do profeta que, junto ao Alcorão, forma a base da "sharia", a lei islâmica. De acordo com a tradição, pouco antes do fim do mundo, ali serão travadas batalhas decisivas entre muçulmanos e cristãos.

Para a quarta edição de sua revista, os redatores escolheram uma capa marcante: ela mostra uma bandeira negra jihadista tremulando sobre a Praça de São Pedro, no Vaticano. Em dezembro, o líder do EI, Abu-Bakr al-Baghdadi, declarou que sua organização quer conquistar Roma com "a bênção de Alá".

Cover des Magazins des IS Dabiq
Capa da revista do EI

A justificativa religiosa para a empreitada anticristã foi apresentada já em 2007 pela organização antecessora do EI, o "Estado Islâmico do Iraque" (EII). Na época, o EII divulgou a sua carta de fundação. Ela tinha o título Notificação aos fiéis sobre a criação do Estado Islâmico.

Baseando-se num provérbio do profeta Maomé, os autores explicam que os muçulmanos deveriam ser governados por muçulmanos. Se três seguidores do islã vivem num lugar, eles devem nomear um comandante, diz a carta.

Além disso, para a salvação dos muçulmanos, seria imperativo viver numa região em que fosse aplicada a sharia. Como os textos canônicos não fazem menção ao tamanho da área ocupada pelos sunitas, não há limites para ela. Ou seja: os extremistas reivindicam para si o mundo - ou qualquer lugar onde esteja um muçulmano.

O território islâmico, diz o texto, deve crescer como nos primórdios da religião. E essa região conquistada será considerada automaticamente território do califado. A expansão acontece com base em três princípios: nikayah (terrorismo e destruição); tawwahush (brutalidade impiedosa) e tamkin (estabelecimento do califado).

Círculo fatal

Segundo o historiador irano-americano Hamid Dabashi, com os ataques direcionados contra cristãos, o EI persegue quatro objetivos.

Ein Dorf kämpft gegen den IS
Cristão do norte do Iraque defendem seu território contra o "Estado Islâmico"Foto: Jodi Hilton 2014

Primeiramente: os cristãos estão entre as populações mais antigas do Oriente Médio. Como tal, eles são um dos símbolos mais visíveis da diversidade multicultural e multiconfessional da região, o que o EI pretende destruir.

Em segundo lugar, os ataques direcionados contra minorias como os cristãos, xiitas e yazidis têm como objetivo incitar os grupos religiosos uns contra os outros e, dessa forma, minar a estabilidade interna dos diferentes países.

O terceiro objetivo se aplica aos ataques das potências ocidentais – União Europeia e EUA. O EI quer que os ataques provoquem intervenções, o que contribuiria para dar uma aparente credibilidade à afirmação do EI de que o islã se encontra em guerra com o resto do mundo.

Por outro lado, o Ocidente tende a interpretar os ataques contra os cristãos como um ataque contra si mesmo. Neste caso, explica Dabashi, é ignorado o fato de que a maioria das vítimas da organização terrorista é formada por cristãos árabes.

Katholische Kirche in Mossul Archivbild Juli 2014
Igreja católica em MossulFoto: picture-alliance/dpa

Em quarto lugar, continua Dabashi, os ataques contra as minorias religiosas seriam uma tentativa de restaurar a aura de invencibilidade, que foi bastante abalada com a derrota em Kobane. Isso também ajuda a manter o EI presente na mídia ocidental.

Seria possível ainda acrescentar que, no Ocidente, há o perigo de que os atos terroristas contra os cristãos possam vir a aumentar a islamofobia. Isso poderia fazer, por sua vez, com que alguns muçulmanos venham a se radicalizar e a se mostrar abertos ao ideário jihadista.

Isso daria início a um círculo fatal, que se fortaleceria cada vez mais pela interação entre ação e reação – pelo menos até o ponto em que a estratégia do EI seja desmantelada.