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Análise: Brasil pode pagar caro por descaso ambiental

Alexander Busch de Salvador
23 de outubro de 2019

Misteriosas manchas de óleo no litoral nordestino marcam mais um fracasso de Brasília em lidar com uma catástrofe ambiental. Má imagem do país poderá espantar investidores no megaleilão do pré-sal.

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Mancha de óleo em praia no estado de Sergipe
Mancha de óleo em praia no estado de SergipeFoto: Sergipe State Government

Há quase dois meses, manchas de óleo e tapetes de piche atingem praias, rios e manguezais do Nordeste do Brasil, mas até hoje o governo de Jair Bolsonaro age como se essa catástrofe ambiental não lhe dissesse respeito. Como nos incêndios amazônicos em julho, através de suspeitas, meias-verdades e omissão, Brasília tenta se esquivar da responsabilidade de solucionar o desastre.

Quando o presidente e o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, se pronunciaram pela primeira vez sobre a catástrofe, um mês (!) mais tarde, a questão era encontrar um culpado no exterior para responsabilizar, e afirmaram que se tratava de petróleo originário da Venezuela. Pesquisadores da Petrobras e o Ibama confirmaram. Mas até hoje as análises não foram divulgadas.

Em seguida, Bolsonaro insinuou – sem ter visitado as regiões afetadas – que criminosos estariam tentando sabotar o megaleilão de campos de petróleo estatais offshore do pré-sal, a se realizar dentro de poucos dias. O ministro Salles, por sua vez, polemizou contra grupos ambientalistas como o Greenpeace, que não estariam ajudando no saneamento das costas. De resto, contentou-se em sobrevoar a área de helicóptero algumas vezes, nas últimas semanas, e declarar que não há "inação dos órgãos públicos" diante da situação.

No entanto, a população, os municípios e os estados das regiões afetadas estão basicamente tendo que limpar sozinhos as praias, recifes e manguezais atingidos pelas manchas de óleo. Agora, 5 mil militares deveriam ajudar, mas eles haviam acabado de ser enviados à Amazônia para controlar os incêndios na região.

Tampouco está esclarecido como os restos de óleo recolhidos são descartados, e que medidas devem ser tomadas para proteger a população, os pescadores e o setor turístico.

Enquanto isso, todos se calam: o Ibama, a Marinha, a Agência Nacional de Petróleo, Gás e Combustíveis (ANP) e a própria Petrobras, cujos especialistas em princípio dispõem do know-how para lidar com vazamentos de óleo.

"É o maior acidente ambiental da história do Brasil e não pode ser tratado, depois de 50 dias, da forma improvisada como a gente está vendo", criticou o governador de Pernambuco, Paulo Câmara.

Na última quinta-feira (17/10) o Ministério Público Federal entrou com uma ação contra o governo federal por omissão, diante do maior desastre ambiental no litoral brasileiro, exigindo que a Justiça Federal obrigasse a União a colocar em ação, dentro de 24 horas, o Plano Nacional de Contingência para Incidentes de Poluição por Óleo em Águas sob Jurisdição Nacional (PNC).

Em abril, o governo Bolsonaro extinguiu 50 conselhos da administração federal de que ONGs participavam. Entre eles estavam dois comitês que integravam o PNC, instituído em 2013.

"Estamos sendo feitos de tolos", comentou Yara Schaeffer Novelli, conceituada professora de biologia marinha do Instituto de Oceanografia da Universidade de São Paulo (USP), sobre a situação nas praias do Nordeste. Por um lado, o Brasil dispõe de saber acadêmico, técnicos nos órgãos públicos e satélites, para constatar de onde vem o petróleo, ressalta; por outro, também de medidas legais e planos de emergência definindo o que deveria acontecer num momento desses.

No entanto, nem o ministro do Meio Ambiente, nem o governo federal como um todo procuram o conselho de seus técnicos, prossegue Novelli. Ela acha impossível não terem sido detectadas em imagens de satélite tais quantidades de petróleo, que se espalharam em mais de 2 mil quilômetros de litoral, ao longo de semanas.

Contudo é também possível que o interesse do governo seja reduzir ao mínimo a atenção pela catástrofe, já que em 6 de novembro a ANP realiza o possivelmente maior leilão de cessões para explorar petróleo e gás natural no Brasil. Trata-se, em primeira linha, de campos do pré-sal, com capacidade entre 6 bilhões e 15 bilhões de barris, que se encontram a grande profundeza diante da costa do Rio de Janeiro.

Há meses o governo Bolsonaro se gaba de que será o maior leilão de petróleo da história, devendo render ao país cerca de 26 bilhões de dólares, só com os lances mínimos para os quatro mega-campos de extração. Adicionem-se os pagamentos à Petrobras pelos investimentos já realizados e futuros gastos de prospecção.

Quatorze companhias já se registraram para concorrer, embora não esteja claro se todas participarão dos lances. Num leilão menor, algumas semanas atrás, as empresas recuaram das concorrências para campos próximos a reservas naturais, os quais estão arriscados de ser objeto de futuras confrontações jurídicas com grupos ambientalistas.

O Brasil está agora pagando caro pelo escândalo em sua própria indústria petrolífera: ele elevou o risco de investimento para as empresas, e isso poderá desencorajar os investidores de participar do megaleilão.

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