Amós Oz: relações entre Israel e Alemanha foram "um choque"
18 de março de 2005A Alemanha continua sob o signo da literatura. Na seqüência da Feira do Livro de Leipzig, que termina no domingo (20), a Fundação Heinrich-Böll organiza os Dias Literários Teuto-Israelenses, de 20 a 24 de março em Berlim.
Entre os autores convidados estão Eva Damski, Thomas Brussig e Fritz J. Raddatz, além do embaixador de Israel, Shimon Stein, do presidente da Sociedade Israel-Alemanha, Manfred Lahnstein, e do vice-presidente do Instituto Goethe, Klaus-Dieter Lehmann.
O objetivo do evento, organizado em parceria com o Fórum do Instituto Goethe, é avaliar a situação atual das relações entre os dois países, 40 anos após o estabelecimento dos contatos diplomáticos em 18 de março de 1965. A DW-WORLD conversou com um dos participantes, o escritor israelense Amós Oz, a esse respeito e também sobre a retirada dos israelenses da Faixa de Gaza e a responsabilidade européia.
DW-WORLD: Israel e Alemanha estabeleceram relações diplomáticas 40 anos atrás, com aprovação do Parlamento israelense, a Knesset, em março de 1965. Como o senhor recebeu esse fato?
Amós Oz: Foi um choque. Assim como foi um choque quando a Knesset aprovou o Acordo de Compensação com a Alemanha no início dos anos 50. Eu tinha 12 anos na época e era absolutamente contra, pois achava humilhante para Israel aceitar indenização em dinheiro por parte da Alemanha. Em 1965, eu já não era mais contra, pois minha posição política havia mudado. Mas, emocionalmente, claro que foi um choque quando o primeiro embaixador da Alemanha entregou ao presidente de Israel suas credenciais e fez questão de discursar em alemão. Foi a primeira vez em muitos anos que a língua alemã foi transmitida pelo rádio em Israel. Emocionalmente, isso não era de forma alguma fácil naquele tempo. Absolutamente.
Foi o passo certo no momento errado?
Foi o passo certo no momento certo. Mas era um passo complexo e difícil. Muito diferente de estabelecer relações diplomáticas com qualquer outro país. Quando chegar o dia em que Israel e Palestina trocarem embaixadores – e esse dia chegará –, ele não vai ser tão difícil quanto o dia em que Israel e Alemanha estabeleceram relações diplomáticas. Emocionalmente, será mais fácil. Eu não digo que o estabelecimento da diplomacia entre Israel e Alemanha foi um erro ou que aconteceu muito cedo ou muito tarde. Mas eu me lembro como ele foi difícil.
Quando é que Alemanha e Israel vão ter uma relação normal?
Eu não acho que eles queiram relações normais. O que temos agora é muito mais profundo: relações normais significam comércio, negócios e bom comportamento. Israel e Alemanha possuem há muitos anos uma relação muito intensa – culturalmente, ideologicamente. Há uma troca muito intensiva entre as literaturas alemã e israelense. Entre a opinião pública na Alemanha e em Israel. Entre diversas ideologias alemãs e diversas ideologias israelenses. Não, eu não sonho com uma normalização. O que temos agora é muito melhor.
O que o senhor espera do fim da ocupação na Faixa de Gaza?
É um processo que não se pode deter, mesmo que haja um obstáculo temporário ou um adiamento provisório. Não se pode deter porque, no fundo, ambos – israelenses e palestinos – sabem que terão de dividir o país em dois Estados. Que terão que dividir sua casa em dois apartamentos para poder viver como vizinhos. Isso é sabido. Mesmo quem é contra essa solução sabe que ela um dia virá. A história prossegue, rumo a um doloroso porém inevitável compromisso baseado na divisão em dois Estados. Palestina e Israel, lado a lado, em uma conveniente relação de vizinhança.
O fim dos assentamentos se dará só na faixa de Gaza ou será estendida à Cisjordânia?
Eu não tenho dúvidas de que a retirada de Gaza é um primeiro sintoma para a anulação das fronteiras entre Israel e Palestina. Eu acho que essas fronteiras serão muito semelhantes às que havia antes de 1967 – com algumas modificações, que é preciso acertar antes. Haverá provavelmente uma troca de territórios em pequena escala. Mas isso será parte do acordo entre Israel e Palestina.
Por que o senhor recomendou que o chefe de governo de Israel, Ariel Sharon, visite os territórios palestinos, ou que o chefe da Autoridade Palestina, Mahmud Abbas, visite a Knesset?
Eu acho decisivo que sejam criados estímulos emocionais capazes de mudar a atmosfera e o sentimento geral. Eu acho que já é mais do que tempo de a política israelense falar diretamente ao povo palestino – de forma a reconhecer seu sofrimento. E é tempo de Israel assumir sua responsabilidade no sofrimento do povo palestino. Claro que Israel não carrega sozinho a culpa por essa tragédia – líderes palestinos e países árabes vizinhos também levam a culpa. Mas Israel deve assumir parte dessa responsabilidade, assim como eu espero que a liderança palestina o faça. Esse seria um grande passo à frente, que abriria não apenas as portas, mas os corações, para um compromisso histórico necessário.
O senhor acha que a Europa e a Alemanha deveriam se manter fora do conflito entre Israel e Palestina?
A Alemanha, em especial, e a Europa, em geral, possuem de fato uma certa responsabilidade pelo sofrimento de ambas as partes. Os dois partidos do conflito árabe-israelense foram, em diferentes momentos e de forma distinta, vítimas da Europa. Os árabes devido ao colonialismo, imperialismo e exploração. O povo judeu pela perseguição, discriminação e por um genocídio de dimensões sem precedentes. Essa responsabilidade pesa nos ombros da Europa. Não uma responsabilidade condenável e sim uma responsabilidade que ajude ambas as partes. No momento, o incentivo emocional europeu poderia ser determinante e muito benéfico.
Nascido em Jerusalém em 1939, Amós Oz recebeu em 1992 o Prêmio da Paz da Associação do Comércio Livreiro Alemão. Em 1998, foi condecorado com o Prêmio do Livro de Israel pelo conjunto de sua obra. Um dos mais renomados autores israelenses, Oz vem apoiando ativamente o processo de paz entre palestinos e israelenses.