Foi uma cúpula histórica para o Mercosul na segunda-feira (08/07) em Assunção, capital do Paraguai: após várias tentativas, a comunidade econômica sul-americana aceitou a Bolívia como quinto país-membro. O presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, comemorou a adesão como um grande passo estratégico. O Mercosul se tornará agora um importante elo na cadeia produtiva para a transição energética global, disse Lula.
O bloco expandido poderá, de fato, se tornar um ator fundamental na transição das economias mundiais para processos de emissões zero de gases de efeito estufa: a Bolívia e a Argentina têm as maiores reservas mundiais de lítio, utilizado na produção de baterias. Em países membros como Uruguai, Paraguai e Brasil, a eletricidade é gerada predominantemente a partir de fontes de energia renováveis. O Mercosul também pode fornecer uma vasta gama de terras-raras e outros minerais críticos, que estão se tornando cada vez mais importantes para o Ocidente em meio a tensões geopolíticas entre a China e os EUA.
Conclusão: com a adesão da Bolívia, o Mercosul ganha peso geopolítico. Isto torna a comunidade econômica sul-americana mais atraente como região parceira para potências mundiais concorrentes - da China aos EUA e à Europa.
Mas, na América do Sul, muitas vezes um passo em frente é seguido de um passo para trás. Isso porque alguém não quis participar da cúpula: o presidente da Argentina, Javier Milei.
A Argentina é a segunda maior economia do bloco sul-americano, atrás apenas do Brasil. No entanto, o presidente libertário preferiu enviar sua ministra das Relações Exteriores.
Milei já havia feito uma afronta ao Brasil. Na véspera, havia viajado para Santa Catarina a convite do ex-presidente Jair Bolsonaro para um encontro de populistas de direita. Foi a primeira viagem de Milei ao país vizinho desde que assumiu o cargo, em dezembro. A antes da viagem ele voltou a descrever Lula como um "comunista corrupto”.
Com suas constantes aparições sem todo o mundo como estrela pop da nova direita, Milei aparentemente quer garantir popularidade entre seus seguidores. Mas o presidente argentino parece representar cada vez menos os interesses da política externa de seu país. E, ao fazer isso, está isolando cada vez mais a Argentina e prejudicando a si próprio.
Milei usa suas aparições no exterior para alimentar seu ego, em vez de promover a Argentina ou negociar parcerias. Selfies com empresários do Vale do Silício ou com políticos como Trump parecem ser mais importantes para ele do que visitas aos seus parceiros comerciais mais importantes (Brasil, China, EUA, UE). Além disso, a sua política externa está ser tornando cada vez mais ideológica.
Bloqueio do acordo Mercosul-UE
Na semana passada, ele instruiu sua ministra das Relações Exteriores a rejeitar, em uma reunião da Organização dos Estados Americanos (OEA), quaisquer resoluções relacionadas à Agenda 2030 da ONU para o Desenvolvimento Sustentável. As passagens sobre gênero, violência baseada no gênero, LGBTQ+ e alterações climáticas devem ficar de fora da declaração final.
O rumo ideológico cada vez mais direitista de Milei poderá bloquear novamente as negociações entre Mercosul e UE - como aconteceu sob o governo do ex-presidente Bolsonaro no Brasil. Naquela época, a UE congelou as negociações por mais de três anos por causa das políticas climáticas de Bolsonaro e sua falta de interesse em combate o desmatamento da Amazônia.
Para os numerosos opositores do acordo entre Mercosul e Europa, o rumo estritamente direitista de Milei é um trunfo.
A política ideológica de direita de Milei poderá, mais uma vez, se tornar um argumento - ou melhor: um pretexto - para interromper as negociações.
O fato de Lula não ter embarcado em declarações polêmicas contra Milei na cúpula é uma prova do pragmatismo do presidente brasileiro.
"É uma bobagem imensa o presidente de um país como a Argentina não participar da reunião do Mercosul. É triste para a Argentina", disse.
Mas Lula esqueceu de acrescentar: é igualmente triste para a América do Sul que os Estados da região raramente consigam falar em uníssono.
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Há mais de 30 anos o jornalista Alexander Busch é correspondente de América do Sul. Ele trabalha para o Handelsblatt e o jornal Neue Zürcher Zeitung. Nascido em 1963, cresceu na Venezuela e estudou economia e política em Colônia e em Buenos Aires. Busch vive e trabalha em Salvador. É autor de vários livros sobre o Brasil.
O texto reflete a opinião pessoal do autor, não necessariamente da DW.