"Aleppo é mais um fracasso na história da ONU"
16 de dezembro de 2016Em entrevista à DW, Nele Matz-Lück, professora de direito internacional e codiretora do Instituto de Direito Internacional Walther Schücking, em Kiel, diz que a paz em Aleppo só será possível através da negociação de um cessar-fogo, com participação da Rússia, Síria, Estados Unidos e países da região.
Na opinião da especialista, a situação atual é mais uma prova da incapacidade das Nações Unidas de cumprir seu papel como instituição que defende a paz no mundo, já que cada país se empenha pelos próprios objetivos políticos, ignorando as necessidades humanitárias.
"Através de suas estruturas e, em particular, do veto dos membros permanentes do Conselho de Segurança em tais questões cruciais, eles se bloqueiam a si mesmos", lamenta. "Isso só mostra a fraqueza fundamental desta organização."
DW: Por que a comunidade internacional não faz nada na atual situação em Aleppo? Por que não existem soluções militares?
Nele Matz-Lück: Quem melhor poderia agir seria o Conselho de Segurança da ONU. No entanto, não se podem implementar contra o veto de um membro permanente do Conselho de Segurança as medidas vinculativas adequadas, em conformidade com o Capítulo 7 da Carta da ONU, que visem dar fim a uma situação que ameaça a paz internacional. No presente caso, esse país-membro é a Rússia. Uma intervenção militar infringiria os termos do Artigo 2, parágrafo quarto, da Carta da ONU. Ou seja: não temos medidas vinculativas do Conselho de Segurança porque a Rússia as bloqueia.
Não há possibilidade de se ignorar o veto?
Formalmente, não. Ou seja: não pode haver uma medida vinculativa do Conselho de Segurança contra o veto de um membro permanente. A questão que se coloca aqui é se poderia existir uma intervenção humanitária. Ou seja, uma intervenção militar não autorizada pelo Conselho de Segurança, assim como houve no Kosovo. Altamente controverso é se isso está de acordo com o direito internacional.
No Kosovo, se disse, na época: "Não é legal, mas legítimo." Temos a mesma situação também no caso de Aleppo, claro. Mas pelo fato de ser algo tão controverso perante as leis internacionais, não há disposição de nenhum Estado, nem mesmo de uma pequena coligação, de intervir militarmente. Aqui, só pode haver, em última análise, uma solução política, mas para isso precisamos da Rússia e da Síria. Uma intervenção de fora, neste momento, é quase impossível.
Estamos agora numa situação já conhecida: depois de Ruanda, de Srebrenica e de outros crimes atrozes, se diz "isso não deve se repetir", mas a situação se repete. Continuamos a ter um leque de instrumentos muito limitado e insuficiente. Independentemente disso, não sei se em Aleppo uma solução militar teria, de fato, perspectivas de sucesso.
No caso de uma solução política, como seria ela?
Ela implicaria o esforço por um cessar-fogo na Síria, sobretudo em colaboração com a Rússia. No entanto, tudo está tão confuso que não sabemos exatamente com quem temos que negociar. Certamente com o regime sírio e com a Rússia. A rigor, também seriam necessários a Turquia e os rebeldes – quem quer que eles sejam. Com o chamado "Estado Islâmico" (EI), porém, certamente não há interesse de negociar.
Não se deveria ter pensado em intervir muito antes? Quando isso deveria ter acontecido e de que forma?
É muito difícil dizer se uma ação militar realmente teria feito sentido mais cedo. Eu acredito que o estabelecimento de uma zona de exclusão aérea – mesmo contra a vontade do regime sírio – certamente teria ajudado a diminuir o sofrimento da população civil, se tivesse sido implementada mais cedo. Mas a questão é: será que a Rússia teria concordado? Tudo mais que se tentou acabou tendo pouco sucesso, no fim das contas. Como, por exemplo, forçar o regime sírio a abrir mão das armas químicas. Tudo continua indicando que armas químicas ainda estão estocadas e sendo utilizadas.
Na terça-feira (13/12), houve um debate significativo no Conselho de Segurança da ONU. Enquanto a embaixadora americana na ONU, Samantha Power, acusou a Síria, Rússia e Irã de serem responsáveis por um "colapso completo de humanidade" em Aleppo, o homólogo russo dela, Vitaly Churkin, respondeu que ela não deveria se portar como uma "Madre Teresa". O que isso diz sobre o atual estado das Nações Unidas?
Continuo vendo a ONU, sobretudo nestes assuntos, como incapaz – e conhecemos de catástrofes humanitárias no passado essa incapacidade de agir. Para mim, é como se eles sempre dissessem que querem aprender com a história e não repetir as situações, mas acabam repetindo. A causa é que os Estados-membros colocam seus próprios interesses políticos acima do interesse de prevenir uma catástrofe humanitária. Isso se vê de forma muito clara, acho eu, no comportamento da Rússia e dos EUA. No fim, representantes de Estados se xingarem mutuamente nas Nações Unidas não ajuda nem um pouco as pessoas presas em Aleppo.
Numa das muitas mensagens de vídeo de moradores de Aleppo, um homem disse não acreditar mais na comunidade internacional, porque ela fica simplesmente assistindo às pessoas serem assassinadas. A ONU estaria com os dias contados ou simplesmente não podemos esperar mais dela?
Temo que não se possa esperar mais das Nações Unidas. Devido a suas estruturas e, em particular, do veto dos membros permanentes do Conselho de Segurança para tais questões cruciais, eles se autobloqueiam. Claro que existe o desejo de que a ONU seja capaz de cumprir seu papel como defensora da paz no mundo. Mas nos casos concretos, a situação política se coloca no caminho.
Isso soa muito pessimista, mas acho que a impossibilidade de intervir com eficácia em Aleppo é só mais um momento triste na história das Nações Unidas e da comunidade internacional. Não acho que este seja um momento determinante ou pretexto para perdermos a confiança na ONU: só mostra uma fraqueza fundamental dessa organização.
Que próximas metas a comunidade internacional deve almejar?
Meu desejo é realmente uma solução política, a começar com um cessar-fogo. Acho que não há solução sem a Rússia. Em última análise, temos que envolver os Estados da região, assim como a Rússia e os EUA. Mas não vejo atualmente vontade alguma das partes interessadas de realmente chegar a uma solução, apesar das declarações em contrário.
Não acredito que uma intervenção militar por um outro protagonista seja a solução, mesmo que "bem-intencionada" – entre aspas –, no interesse da intervenção humanitária, para acabar com o sofrimento e as violações dos direitos humanos. Teria que ser um projeto em que se tivesse certeza absoluta de que culminaria em sucesso. Creio que nenhum país do mundo, nem os EUA, daria tal garantia.