Alemanha vai às urnas para eleger sucessor de Merkel
26 de setembro de 2021Os eleitores alemães vão às urnas neste domingo (26/09) para escolher quem vai liderar o país após a aposentadoria da chanceler federal Angela Merkel, que deixa o poder após 16 anos de governo. Pesquisas indicam um resultado pulverizado, com nenhum dos grandes partidos alemães aparecendo com mais de 30% das intenções de voto, o que deve dificultar a formação de coalizões no Bundestag (câmara baixa do parlamento federal).
É provável que o futuro governo alemão fique a cargo de uma coalizão de pelo menos três partidos, algo que não ocorre na Alemanha desde o fim dos anos 1950. Negociações para a formação arriscam se arrastar por meses, adiando a aposentadoria de Merkel, a primeira chefe de governo alemã do pós-guerra que vai deixar o poder por vontade própria. Esta também é a primeira eleição desde 1949 que não conta com um chanceler no poder em busca da reeleição.
Cerca de 60 milhões de alemães com mais de 18 anos estão aptos a votar. Muitos já o fizeram pelo correio. Cerca de 2,8 milhões de jovens eleitores, que só conhecem Merkel no poder, vão votar pela primeira vez. A campanha foi dominada por temas como mudança climática, imigração, gestão da pandemia de covid-19 e o futuro da economia numa era pós-Merkel.
Os locais de votação nos 299 distritos eleitorais do país vão abrir às 8h e fechar às 18h (3h e 13h no horário de Brasília, respectivamente). Logo depois do encerramento, a imprensa vai divulgar uma pesquisa de boca de urna, que é seguida por projeções baseadas em apurações parciais em distritos eleitorais representativos. Normalmente, os resultados finais diferem pouco das primeiras projeções.
Paralelamente, eleitores da cidade-estado de Berlim e o estado de Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental também vão às urnas para escolher seus novos governos locais.
Social-democratas x conservadores
Nas últimas semanas, a disputa pelo primeiro lugar nas eleições federais se afunilou entre a União Democrata Cristã (CDU), o partido de Merkel, que tem como candidato à Chancelaria Federal o Armin Laschet, e o Partido Social-Democrata (SPD), que disputa com Olaf Scholz. No entanto, nenhum dos dois aparece como favorito inconteste nas pesquisas.
Na Alemanha, os eleitores não votam diretamente nos candidatos à chefia de governo, mas em seus partidos. Normalmente, cabe à legenda que conquistar mais cadeiras no Bundestag liderar um governo – e consequentemente escolher o chanceler federal. Ainda assim, para efeitos de campanha, os partidos já indicam de antemão quem são seus pretendentes a liderar um eventual governo.
No momento, o SPD de Scholz aparece à frente nas pesquisas, com cerca de 25% das intenções de voto. Ele é o vice-chanceler alemão e ministro das Finanças da atual coalizão governamental entre a CDU e o SPD, liderada por Merkel.
A líder conservadora, por sua vez, apoia o candidato de seu partido, Armin Laschet, atual governador da Renânia do Norte-Vestfália, o estado mais populoso da Alemanha. Ele também é apoiado pelo braço bávaro da CDU, a União Social Cristã (CSU).
Após um início de campanha tumultuado, a CDU e Laschet registram uma leve recuperação nas pesquisas e diminuíram sua desvantagem em relação ao SPD e Scholz, aparecendo com cerca de 22% das intenções de voto nos últimos levantamentos. A diferença entre os dois é de apenas três pontos percentuais na maioria das pesquisas.
Apesar de seguirem na disputa pelo primeiro lugar, tanto a CDU quanto a SPD arriscam receber menos votos do que em pleitos anteriores. O SPD ainda tem a chance de manter a mesma votação registrada em 2017, mas esta já era significativamente menor que os resultados superiores a 35% que o partido costumava obter facilmente até o começo dos anos 2000. Ainda assim, Scholz, figura popular junto ao eleitorado, é creditado como responsável por frear um declínio ainda maior para o SPD, que chegou a aparecer com menos de 15% das intenções de voto no início do ano.
Já a CDU/CSU deve sofrer um encolhimento inédito, registrando o pior resultado da sua história, atrás dos 32% obtidos por Merkel em 2017.
SPD e CDU governam a Alemanha em conjunto desde 2013, mas a convivência sofreu uma erosão nos últimos meses, diante do crescimento de Scholz e da queda inicial de popularidade dos conservadores após Laschet ter sido nomeado candidato à sucessão de Merkel. Em declínio, a CDU/CSU começou a apostar numa campanha negativa contra o SPD e Scholz, mencionando supostos riscos de uma guinada à esquerda na Alemanha. Os social-democratas rebateram que, sem propostas, só restou aos conservadores "apostarem no medo".
O cenário é especialmente desolador para a CDU/CSU porque foi o social-democrata Scholz, e não Laschet, a emplacar durante a campanha a imagem de "nova Merkel" entre os eleitores, ou seja, uma figura de continuidade tranquilizadora.
O pleito também foi marcado por uma verdadeira montanha-russa nas pesquisas. Três diferentes candidatos apareceram no topo das enquetes, desde o início de 2021. Laschet chegou a aparecer bem â frente, com até 35% das intenções. Mas uma série de gafes e críticas sobre falta de propostas acabaram provocando um declínio considerável da CDU/CSU entre o eleitorado, só estancando nas últimas semanas. Já Scholz, que chegou a amargar 14% em levantamentos no início do ano, cresceu especialmente a partir do segundo semestre, mas depois registrou uma estagnação, nunca superando a marca dos 30%.
Annalena Baerbock, a candidata do Partido Verde, também chegou a aparecer na liderança em alguns levantamentos em maio, mas sua campanha logo foi prejudicada por acusações tanto de cometer imprecisões em seu currículo oficial quanto de plágio em trechos de seu livro.
Outros partidos
Em terceiro lugar nas pesquisas, atrás do SPD e da CDU/CSU, aparece o Partido Verde, representado pela copresidente partidária Baerbock Apesar de terem caído nas intenções de voto desde um pico em maio, os verdes ainda têm chance de dobrar sua participação parlamentar no pleito deste domingo, saltando de 9,2% dos votos em 2017 para até 17%. Embora as pesquisas indiquem que Baerbock não tem chance de se tornar a próxima chanceler federal, a votação dos verdes lhes deve garantir influência considerável numa eventual coalizão governamental tripartite.
Já o Partido Liberal Democrático (FDP) deve manter ou ampliar levemente o resultado eleitoral de 2017. Nas últimas pesquisas, ele aparece com 10% a 12% das intenções de voto. O resultado deverá consolidar a recuperação da sigla entre o eleitorado registrada nos últimos oito anos.
Em 2013, o tradicional FDP, que participou como parceiro minoritário de vários governos alemães do pós-guerra, amargou menos de 5% dos votos, ficando-lhe barrado o acesso a assentos no Bundestag. O candidato liberal à Chancelaria Federal é Christian Lindner, que nos últimos anos tentou injetar uma imagem mais moderna e jovem à sigla pró-mercado.
Praticamente empatada com o FDP nas pesquisas aparece a ultradireitista Alternativa para a Alemanha (AfD), que entrou para o parlamento em 2017. Notória por seus posicionamentos xenófobos e regularmente acusada de ligações com extremistas, a AfD apresenta declínio nas pesquisas para o pleito deste domingo, com 10% a 11% das intenções de voto, atrás dos 12,7% obtidos quatro anos atrás.
Nas últimas eleições, a AfD focou especialmente no combate à imigração, mas desta vez tem abordado especialmente a pandemia, exibindo posições negacionistas e criticando as medidas do governo Merkel para conter a covid-19. Se o resultado se confirmar, a legenda deve cair de terceira maior força no parlamento para o quinto lugar. Ela não tem um candidato único à Chancelaria Federal, e a campanha é liderada pelos deputados Tino Chrupalla e Alice Weidel.
Na lanterna, aparece o partido A Esquerda, que também vem registrando leve declínio nas pesquisas em relação a 2017, quando conquistou 8,6% dos votos. Formada por ex-membros do partido comunista da Alemanha Oriental (RDA) e uma antiga ala mais à esquerda do SPD que se separou da legenda no início dos anos 2000, desta vez A Esquerda detém entre 6% e 7% das intenções de voto – no limite da cláusula de barreira de 5%.
A complicada fase pós-eleições
Com as pesquisas indicando que nenhum partido vai obter a maioria absoluta dos votos, após o pleito duas ou provavelmente três siglas devem iniciar uma longa fase de negociações para formar um governo de coalizão – processo que em 2017 se arrastou por quatro meses, até a formação do atual governo liderado por Merkel. Em novembro daquele ano, quase dois meses depois da eleição, negociações entre conservadores, verdes e liberais para formação de uma aliança fracassaram, obrigando a CDU/CSUa formar mais uma coalizão com o SPD em fevereiro de 2018.
No momento, o país se vê envolvido em várias discussões sobre as "cores" de um novo governo. Na Alemanha, diferentes coalizões são apelidadas conforme as cores adotadas pelos partidos ou pela cobertura da imprensa: SPD (vermelho), CDU/CSU (preto), FDP (amarelo), Verdes (verde), A Esquerda (roxo), AfD (azul).
No momento, uma das coalizões mais prováveis envolve um governo formado pelo SPD na liderança, verdes e FDP, a chamada coalizão "semáforo". Os dois primeiros têm uma agenda social e de proteção climática semelhante. No entanto, as incisivas posições pró-mercado do FDP e o provável apetite do partido por postos-chave como o Ministério das Finanças ou Economia podem dificultar a inclusão dos liberais.
Uma segunda opção para um governo liderado pelo SPD pode incluir novamente os partidos Verde e A Esquerda, numa formação esquerdista puro-sangue. No entanto, podem dificultar essa aliança algumas posições dos esquerdistas consideradas radicais por boa parte do espectro político alemão, como a oposição à continuidade da Alemanha na Otan e uma intenção de reaproximação com a Rússia.
Por outro lado, o social-democrata Scholz se recusou a descartar essa coalizão durante a campanha. A resistência em rejeitar os esquerdistas foi amplamente explorada pelos conservadores da CDU/CSU, que pintaram os membros do partido como radicais. Esse coalizão também é dificultada pelo eventual desempenho do A Esquerda, que corre um risco moderado de não obter nem o mínimo de 5% dos votos exigido para adentrar o parlamento em Berlim.
Outros cenários podem incluir a continuidade de uma "grande coalizão" entre CDU/CSU e SPD, com o ingresso dos verdes, na assim chamada aliança "Quênia", em referência à bandeira do país africano. Em 12 dos últimos 16 anos, o SPD foi um relutante parceiro da CDU em coalizões federais, mas atual pleito descartou uma nova aliança com seus rivais conservadores.
No entanto, embora sua liderança tenha feito uma promessa semelhante em 2017, os social-democratas voltaram a se aliar à CDU/CSU quando outras opções falharam. Outra opção seria uma coalizão entre SPD, CDU e FDP, com um chefe de governo social-democrata.
Há também a possibilidade de uma aliança "Jamaica", novamente liderada pela CDU/CSU, desta vez sem Merkel e com participação dos liberais e dos verdes. O FDP sempre foi um parceiro natural dos conservadores. Mas tal aliança tripartite deve encontrar resistência entre a base dos verdes, pois os dois partidos são menos comprometidos com a proteção climática, espinha dorsal temática da legenda ambientalista. Por sua vez, os liberais são críticos das políticas ambiciosas de intervenção estatal dos verdes para acelerar a proteção climática.
Conservadores, verdes, social-democratas, liberais e esquerdistas descartam qualquer tipo de coalizão com os ultradireitistas da AfD, encarados como párias pelo establishment político alemão por suas posições radicais e conexões extremistas de direita.