Alemanha quer proibir publicidade de alimentos não saudáveis
4 de março de 2023O Partido Verde do ministro alemão da Agricultura, Cem Özdemir, planeja proibir a publicidade de alimentos não saudáveis no país, como doces e chocolates. A ideia é banir anúncios desse produtos na televisão, rádio e internet entre as 6h e as 23h.
A medida deve incluir também influencers em redes sociais como YouTube ou TikTok. Os outdoors com anúncios de comidas doces, gordurosas ou de salgadinhos em cores berrantes deverão ser proibidos no entorno de escolas, jardins de infância e parquinhos.
"Devemos assegurar que as crianças possam crescer de maneira mais saudável", afirmou Özdemir, ao apresentar sua estratégia em Berlim. Ele afirma que isso é algo crucial na luta contra a obesidade e outros males associados à dieta alimentar, e que os anúncios desses alimentos insalubres influenciam os hábitos alimentares das crianças.
Mercado bilionário
Os representantes da indústria alimentícia alemã contestam a ideia de que a proibição da publicidade poderia evitar a obesidade. Um dos críticos dessa proposta é o diretor da Associação da Indústria Alemã de Confeitaria (BDSI), Carsten Bernoth.
Ele afirma que banir os anúncios não fará com que as crianças comam menos doces, e argumenta que "a publicidade é essencial na economia de mercado. Ela permite que você tome uma parcela do mercado de seus competidores".
No ano passado, a indústria de doces na Alemanha faturou em torno de 14 bilhões de euros (R$ 77,4 bilhões), ao mesmo tempo em que gastou um bilhão em publicidade.
Bernoth teme que o plano de Özdemir possa levar à proibição quase total dos anúncios do setor. Afinal, os comerciais voltados para os adultos, que potencialmente poderiam ser vistos também pelas crianças, correriam o risco de serem banidos.
"Nosso argumento é que os consumidores devem ter liberdade de escolha", disse Bernoth à DW. "Eles precisam estar aptos a tomarem decisões bem informadas. A informação e a educação são fundamentais nisso. Não cabe ao Estado fazer nenhum tipo de estipulação ou postular proibições", criticou.
O exemplo do Chile
Mas, a proibição da publicidade seria mesmo capaz de proteger as crianças dos alimentos não saudáveis?
Anette Buyken, professora de saúde pública e nutrição da Universidade de Padeborn, na Alemanha, avalia que os dados estão incompletos. "O problema maior é que existem poucos países que implementam medidas como essa e que acompanham os desdobramentos com pesquisas sobre a eficácia", afirmou à DW.
Buyken, entretanto, menciona o Chile como um exemplo positivo. O país criou em 2016 as regras mais rígidas em todo o mundo para a publicidade de doces voltada para crianças. Além de proibir a propaganda, os alimentos insalubres possuem rótulos com advertências, semelhantes aos das embalagens de cigarros.
Os pesquisadores chilenos coletam imediatamente os dados sobre a eficácia das medidas. A conclusão é que isso realmente modificou as escolhas das pessoas, diz a professora.
Atualmente, eles estudam se essas mudanças também podem melhorar a saúde no longo prazo. O objetivo, segundo Buyken, é não se limitar a obesidade. "O mais importante é iniciar, observar e então ajustar, se necessário", acrescentou. "Temos conhecimento suficiente, vindo do Chile e de outros países, sobre como lidar com isso".
Em muitos países, o número de crianças e adolescentes acima do peso ideal aumentou vertiginosamente nas últimas décadas. Em média, uma em cada seis crianças na Alemanha está com sobrepeso ou até mesmo obesas, de acordo com o Instituto Robert Koch, a agência alemã de saúde pública. Entre as crianças de 11 a 13 anos, a média é de uma em cada cinco.
Pandemia agravou o problema
A nutricionista Andrea Gerschlauer, que integra a Sociedade Alemã para Nutrição (DGE), trata de crianças com obesidade em seu consultório. Ela diz esperar que a proibição aos alimentos insalubres entre em vigor o mais rápido possível.
Desde o início da pandemia de covid-19, em 2020, algumas crianças ganharam muito peso em um período de tempo relativamente curto. "Vejo uma conexão com o fato de que as crianças estavam assistindo mais televisão. Isso vem acompanhado do hábito de fazer um lanche. Somando-se a isso o efeito dos comerciais de TV, fica muito difícil para as crianças evitarem pensar em doces."
Ela afirma que as crianças de famílias de renda mais baixa são particularmente afetadas por isso.
Gerschlauer diferencia entre os fatores internos e externos que levam às decisões sobre o que comer ou não. O maior fator é o meio familiar. Os pais são o exemplo e os responsáveis pela escolha diária dos alimentos.
"Mesmo assim, estou convencida de que os cérebros das crianças pequenas são particularmente influenciados pela publicidade. Eu mesma ainda sou capaz de repetir slogans da minha infância, há cinquenta anos", disse a nutricionista. "Isso fica grudado."
Gerschlauer acredita que as medidas devem ir além de somente proibir a publicidade. Ela defende impostos mas altos para alimentos insalubres, como já ocorre com cigarros e outros produtos, ou uma isenção para os alimentos que sejam benéficos para a saúde, como vegetais, frutas e cereais.
"Caso contrário, teremos um enorme problema daqui a 30 anos. Quando essas crianças obesas crescerem, estarão sob risco de doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2, hipertensão e outros males associados à dieta alimentar. Haverá muito sofrimento e custos altos."
Oposição dentro do próprio governo
A proposta de Özdemir, no entanto, deverá enfrentar dificuldades para ser aprovada no Bundestag (Parlamento alemão), ou até mesmo entre os parceiros dos Verdes na coalizão que forma o governo federal.
No acordo para a formação da coalizão, em 2021, as três legendas que integram o governo – os Verdes, o Partido Social-Democrata (SPD) e o Partido Liberal Democrático (FDP) – concordaram em banir a publicidade de produtos insalubres para os menores de 14 anos.
Agora, porém, os liberais do FDP já parecem mudar de posicionamento. Gero Hocker, o porta-voz para políticas agrícolas do partido, avalia que a proposta de Özdemir significa "mais burocracia, mais proibições, menos inovação e menos qualidade de vida".