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Alemanha debate proteção à orientação sexual na Constituição

5 de agosto de 2024

Governo alemão busca oficializar proteção a pessoas LGBTQIA+, fechando lacuna na Lei Fundamental. Legislação só pode ser alterada com maioria de dois terços no parlamento, mas oposição conservadora não vê necessidade.

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Diversas pequenas bandeiras do arco-íris que representam o movimento LGBTQIA+ estão no gramado em frente ao Parlamento Alemão em Berlim.
Em Berlim, até mesmo o governo conservador se mostra aberto a debate sobre a possibilidade de emenda na Lei FundamentalFoto: Christian Ditsch/epd/IMAGO

Em julho, como todos os anos, centenas de milhares participaram da Parada do Orgulho em Berlim para reivindicar direitos da comunidade LGBTQIA+, composta por gays, lésbicas, queers, intersexuais, assexuais, bigêneros, pangêneros, entre outra/os.

Na Alemanha a data é denominada Christopher Street Day, lembrando os conflitos ocorridos entre membros da comunidade gay e policiais em junho de 1969 na rua homônima em Nova York.

Entre os participantes na capital esteve Wanja Kiber, do Cazaquistão, que conta: "Vim para a Alemanha e muito rapidamente me assumi. E a primeira reação dos meus pais foi tomar tranquilizantes, calar, chorar, evitar a conversa. Como é que é não poder falar a respeito com ninguém, pensar que você está errado? Ser considerado um criminoso, uma pessoa doente? Nem mesmo existir?"

Parada luta por mudança na Constituição

Mas algo mudou também na família de Wanja: agora o pai se orgulha dele e faz campanha pelos direitos LGBTQIA+: uma pequena história de sucesso. Mas nem todo mundo é tão perseverante e afortunado quanto o cazaque. E esse é um dos motivos por que uma das principais reivindicações da parada de 2024 foi que a proibição de discriminar alguém por sua orientação sexual deve estar explícita na Lei Fundamental, a Constituição da Alemanha.

Ao discursar durante o evento, o cantor pop alemão Herbert Grönemeyer reivindicou que o Artigo 3º da Lei seja complementado com o acréscimo de "que ninguém pode ser discriminado por sua identidade sexual e de gênero". E bradou à multidão: é preciso persistência e manter a coragem.

A imagem mostra milhares de pessoas reunidas, na rua e sobre um caminhão, durante a celebração da Parada do Orgulho em Berlim em julho de 2024
Em 2024, reivindicação por emenda na Lei Fundamental alemã foi ainda mais forte na Parada do Orgulho em BerlimFoto: Joerg Carstensen/dpa/picture alliance

Alteração somente com maioria de dois terços

O Artigo 3º da Lei Fundamental atualmente declara que "ninguém pode ser prejudicado ou favorecido em razão de sexo, descendência, raça, idioma, pátria e origem, crença, opiniões religiosas ou políticas". Ou seja, a identidade sexual não é mencionada de forma explícita. A coalizão governamental formada pelos partidos Social-Democrata (SPD), VerdeLiberal Democrático (FDP) afirma que sua intenção é alterar o texto.

Só que para a Lei Fundamental ser alterada, é necessária uma maioria de dois terços tanto no Bundestag (câmara baixa do parlamento, com deputados federais eleitos) quanto no Bundesrat (câmara alta, com representantes dos estados). Como a coalizão não dispõe de dois terços dos assentos, precisa dos votos dos maiores partidos conservadores, a União Democrata Cristã (CDU) e sua irmã bávara União Social Cristã (CSU), que não têm a menor simpatia pela ideia.

Democratas-cristãos de Berlim pensam diferente

Depois de a demanda pela alteração na Lei Fundamental vir mais uma vez à tona, na Parada do Orgulho, Thorsten Frei, diretor administrativo do grupo parlamentar da CDU/CSU no Bundestag, declarou ao grupo de mídia Redaktionsnetzwerk Deutschland (RND):"É preciso ter razões muito especiais para mexer no catálogo dos direitos fundamentais, que é o coração da nossa Constituição. No entanto não vejo razão para alterar a Lei Fundamental, pois a proteção contra a discriminação com base na orientação sexual já está prevista no Artigo 3º."

O vice-líder do SPD, Dirk Wiese, rebateu: "Infelizmente, o grupo parlamentar da CDU/CSU no Bundestag rejeitou conversas sobre esse assunto. Portanto, é de se saudar que alguns políticos do partido estejam adotando postura diferente." A referência é ao prefeito democrata-cristão de Berlim, Kai Wegner.

O órgão governamental que ele lidera, o Senado de Berlim, já havia anunciado em 2023 uma iniciativa no Bundesrat para alterar o Artigo 3º. Na Parada do Orgulho daquele ano, Wegner afirmou que a questão da identidade sexual "deve ser incluída nele: essa é a minha promessa". Mas desde então nada mudou concretamente.

Após a rejeição da CDU, vários representantes da coalizão tentaram novamente uma campanha por uma emenda constitucional. O membro do Bundestag Konstantin Kuhle, do FDP, por exemplo, disse à RND que uma emenda seria "um importante sinal de aceitação política e social, isso já deveria ter sido feito há muito tempo".

Artigo 3 da Lei Fundamental, em exposição em uma parede envidraçada perto do parlamento, na capital alemã, em homenagem aos seus 75 anos, completados em maio de 2024.
Artigo 3º da Lei Fundamental em exposição perto do Bundestag, na capital alemãFoto: Maja Hitij/Getty Images

Discriminação até 1994

A Associação Alemã de Gays e Lésbicas (LSVD) há tempos aponta que uma emenda poderia pôr fim a décadas de discriminação contra homossexuais e bissexuais na Alemanha do pós-guerra. Quando a Lei Fundamental foi elborada e promulgada em 1949, homossexuais e bissexuais foram o único grupo de vítimas dos nazistas não incluído no texto. Por isso eles seguiram sendo perseguidos por muitos anos, sob o Parágrafo 175 do Código Penal, só abolido em 1994.

Por um lado, muito aconteceu em todo o mundo em termos de proteção dos direitos LGBTQIA+. Mas não em todos os lugares. Na Europa, por exemplo, o casamento entre indivíduos do mesmo sexo é permitido em 22 países; fora do continente, em apenas 16. Na Alemanha isso é possível somente desde 1º de outubro de 2017, após anos de debates acalorados.

Em todo o mundo, apenas 20 países têm leis de autodeterminação para o reconhecimento legal de gênero. E a realidade é dura em muitas regiões: em um terço dos países, a discriminação das pessoas LGBTQIA+ está ancorada na legislação.