Alemanha busca profissionais de saúde na América Latina
24 de março de 2020Pouco antes de a Alemanha decidir não permitir mais a entrada de estrangeiros vindos de fora da União Europeia devido à pandemia do coronavírus e pouco antes de a Argentina decidir se isolar e fechar suas fronteiras, Lorena Yebara faz exatamente o contrário de pessoas ao redor do mundo que tentam voltar para junto de suas famílias em casa: em pleno temor quanto ao coronavírus, a jovem argentina de 26 anos tomou coragem e deixou sua cidade natal, Córdoba, pegando um avião rumo à Alemanha.
É que Lorena tem um sonho e não quer deixar de realizá-lo nem pelo vírus: trabalhar como enfermeira na Alemanha.
"Até o último momento, tinha certeza de que meu voo seria cancelado por causa do coronavírus. Seria lógico, não? Minha mãe também não queria que eu voasse. Mas agora estou aqui", diz a jovem argentina, que está em quarentena auto-imposta. No quarto pequeno que ocupa na cidade de Düren, no noroeste da Alemanha, Lorena estuda alemão com afinco – num curso online, por causa do vírus.
O centro de formação da agência PersEU, que recrutou Lorena, teve que ser fechado seguindo as medidas restritivas do governo alemão para conter a disseminação do vírus – as aulas acontecem por computador.
A PersEU busca profissionais qualificados para hospitais e casas de repouso alemãs. Antigamente, o recrutamento acontecia apenas dentro da União Europeia. Mas a procura foi expandida principalmente para países da América Latina.
O perfil de Lorena Yebara é praticamente perfeito para um país que, por causa do coronavírus, finalmente parece estar entendendo a gravidade da ausência de enfermeiros e cuidadores de idosos: uma enfermeira com diploma universitário, qualificação adequada, experiência de vários anos – também no setor de oncologia –, e de apenas 26 anos – uma idade em que aprender alemão também não é tão difícil.
"Na verdade, é loucura total eu estar aqui", diz a argentina. "Deixei minha família, juntei meu último centavo para o voo e sei muito pouco alemão. Mas simplesmente pensei no meu futuro pessoal e profissional", conta.
Na Argentina, Lorena fazia plantão em dois hospitais e ainda trabalhava como professora de dança numa academia para conseguir pagar as contas. Quando ia dormir, à noite, pensava: "Minha vida vai sempre continuar tão monótona? Me sentia como uma máquina que precisa funcionar todo dia entre as 6 horas da manhã e as 11 da noite", lembra.
Profissionais de enfermagem na Argentina também são mal pagos – com os pesos que sobravam no final do mês, Lorena ajudava a família. "Como enfermeira, você não é reconhecida na Argentina, e também não é valorizada", constata.
Lorena espera que, na Alemanha, seja diferente. A jovem associa o país a muita burocracia, mas também com organização e sossego, além de acreditar que as coisas funcionam. O maior obstáculo continua sendo a língua alemã – Lorena e os recém-chegados precisam dominar sobretudo a terminologia específica do setor da saúde.
Quando passar nas próximas provas da língua, a jovem deverá começar a trabalhar numa clínica na cidade de Erfstadt. Porém, a jovem sonha em voltar para o país de origem, "para passar toda a experiência que adquiri aqui ao pessoal da saúde lá".
Um retrato sem retoques da precariedade na Alemanha
Lorena poderia aprender muito com Nina Baumann, que já trabalhou como cuidadora, dirigiu casas de repouso e, há nove anos, faz a intermediação do pessoal qualificado da área para trabalhar na Alemanha. Ela não organiza apenas os cursos de língua para Lorena e outros recém-chegados, mas também ajuda na procura de moradia, na mudança da família ou na busca por uma vaga na escola ou na creche.
Porém, o veredito de Baumann sobre a situação da assistência a pacientes e idosos na Alemanha é devastador: "A situação aqui no país é bem pior do que em outros lugares do mundo, pelo que pude apurar junto aos alunos", afirma.
Os números que vêm sendo repetidamente divulgados no país por causa da pandemia do novo coronavírus causam temor no país: atualmente, faltam cerca de 5 mil profissionais de cuidados intensivos. Daqueles que trabalham em postos emergenciais, um terço pensa em deixar a função nos próximos cinco anos. Em toda a Alemanha, estão faltando mais de 100 mil cuidadores e enfermeiros. O número deve dobrar nos próximos 15 anos.
Alemanha procura profissionais na América Latina
Não é de se admirar que o ministro alemão da Saúde, Jens Spahn, até tenha chegado a ir ao México em setembro de 2019 para tentar empolgar profissionais do país latino-americano a trabalhar na Alemanha.
"Até dois anos atrás, a demanda era quase que total por profissionais da UE, mas frequentemente estes voltam aos países de origem", explica Nina. "Por isso, hospitais e clínicas agora recrutam pessoas de fora da UE", acrescenta.
Para a agência PersEU, isso quer dizer que a busca se concentra especialmente em países como Argentina e Brasil. O pessoal nesses países tem boa formação, similar à da Espanha, e as estruturas dos hospitais são comparáveis às que existem na Alemanha.
Mas também há a burocracia alemã: milhares de profissionais estrangeiros que já estão na Alemanha ainda não receberam a validação pelas autoridades regionais equivalentes. São profissionais altamente qualificados que poderiam começar a trabalhar imediatamente, mas que por enquanto possuem o status de estagiários.
"Uma parteira italiana que trabalha aqui há dois anos e não passou na prova de alemão há um ano e meio por nervosismo está dentro de casa, em Bonn, esperando. O hospital também está esperando. Só porque a autoridade distrital não quer tomar nenhuma decisão", exemplifica.
A funcionária da PersEU acha que a Alemanha poderia não só se beneficiar de profissionais de saúde da América Latina, mas que também poderia aprender muito com eles. "Nossos alunos sempre ficam muito irritados com a higiene nos hospitais alemães. E ficam horrorizados com a quantidade de alimentos que são jogados fora na Alemanha porque houve erros na encomenda. O respeito ao paciente também costuma ser maior em outros lugares", relata Baumann.
A agência recebe ligações diárias de hospitais e casas de repouso que buscam profissionais desesperadamente. Por causa do coronavírus, não são só médicos alemães aposentados que estão sendo chamados para voltar a trabalhar, mas também enfermeiros e cuidadores. Profissionais de outras áreas da saúde estão sendo formados às pressas em cuidados intensivos.
Nina quer que a Alemanha aprenda lições e faça mudanças quando passar a crise do coronavírus. "Precisamos de muito mais profissionais dessa área vindos do exterior. A Alemanha precisa continuar trabalhando numa cultura de boas-vindas para se tornar atrativa para profissionais estrangeiros. E é preciso confiar mais no conhecimento e na experiência sobre cuidados médicos dos profissionais estrangeiros, o que não é o caso atualmente", acredita.
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