1. Pular para o conteúdo
  2. Pular para o menu principal
  3. Ver mais sites da DW

Agente secreta mina instituição literária

Simone de Mello15 de julho de 2006

Um dos maiores prêmios literários de língua alemã foi conferido a alguém que prescinde da cultura escrita e jamais escreveu uma obra literária no sentido estrito.

https://p.dw.com/p/8n4k
De Alexandria à era digitalFoto: AP

"A ZIA (Zentrale Intelligenz Agentur) é uma joint venture capitalista-socialista com a meta de estabelecer novas formas de colaboração. Como firma virtual, combinamos o profissionalismo de uma empresa com a flexibilidade de uma rede de free lancers, cobrindo assim um amplo espectro de leitores."

Assim se apresenta o site zentrale-intelligenz-agentur.de, misturando o discurso do novo management com o das novas mídias. Uma agência que publica colunas em jornais berlinenses, faz newsletters para agências de propaganda e elabora anúncios para a BMW, por exemplo. Mas não só.

Powerpoint provocou queda do Columbia

"Todos odeiam o Powerpoint, o programa de apresentação com que os cientistas nerds, administradores e marqueteiros conseguem se comunicar – e só com ele, diga-se de passagem. Vocabulário bullshit, animações clip art e pensamento em bullet points entraram para o cotidiano através do Powerpoint."

"Em função de seu efeito mortal para a inteligência, dizem até que o programa foi co-responsável pela queda do ônibus espacial Columbia. Mas, assim como a música pop ruim, o Powerpoint pode ser muito divertido: na forma de Powerpoint Karaoke."

Com iniciativas híbridas entre o intervencionismo artístico e o mercado das novas mídias, a ZIA escapa a definições. O site criado pela germanista e webmaster Kathrin Passig e pelo jornalista Holm Friebe poderia ser reduzido a um mero projeto de web art, se não fosse seu curioso alcance.

"Goethe me diz algo, mas esqueci o quê"

BdT Die diesjaehrige Bachmann-Preistraegerin Kathrin Passig
Kathrin PassigFoto: AP

A atenção da opinião pública alemã se voltou para esta iniciativa por um motivo igualmente curioso. Kathrin Passig ganhou este ano o Prêmio Ingeborg Bachmann, um dos mais renomados de língua alemã, conferido em Klagenfurt, na Áustria. E o mérito literário que a fez merecedora da premiação não provém de sua profunda familiaridade com a cultura literária escrita.

A autora, que venceu o concurso de Klagenfurt com um conto sobre alguém que se perde numa tempestade de neve, não só nunca escreveu uma obra literária, como declarou jamais ter lido a poeta Ingeborg Bachmann. "Goethe, Brecht e Mann me dizem alguma coisa, mas esqueci o quê", declarou a autora, sem explicitar à imprensa se estava falando sério ou não.

Seu único livro publicado é Die Qual der Wahl (O martírio da escolha), um "manual para sadomasoquistas e para todos que quiserem se torná-lo", publicado pela Rowohlt. Para a mesma editora, ele prepara o Lexikon des Unwissens (Dicionário da Ignorância). "Não é fácil pesquisar a ignorância", constatou Passig.

Escrita coletiva e digital

E, assim como em seus projetos de escrita digital, como o blog coletivo Riesenmaschine (Máquina Gigante), Kathrin Passig escreveu estes livros em co-autoria. Ao ser escolhida como prêmio Bachmann deste ano, espalhou a suspeita de que não tivesse escrito o texto do concurso sozinha.

Com recursos de agente secreto, como o próprio nome indica, a ZIA – através da pessoa de Kathrin Passig – minou um dos prêmios literários mais renomados com estratégias de intervenção. Além de insinuar uma desmontagem da cultura escrita e a hegemonia da cultura digital, denunciou o caráter institucional dos concursos literários, alegando ter escrito seu único texto literário sob medida para Klagenfurt.

"Uma redação de escola sem relevância", desqualificou-a um dos veículos de imprensa mais representativos da cultura escrita alemã, o jornal Die Zeit. O que poucos notaram, no entanto, é que a ZIA não deixa de resgatar precursores literários como o acionismo dadaísta e à Oulipo, Oficina de Literatura Potencial. Independentemente do teor literário do texto vencedor de Klagenfurt, o hibridismo das intervenções da ZIA tem mais ambigüidade literária do que grande parte dos livros escritos hoje.