Acordo UE-Mercosul: Como a Europa recebeu o ultimato de Peña
27 de setembro de 2023A conclusão do acordo de livre comércio entre a União Europeia (UE) e o Mercosul precisa acontecer até no máximo 6 de dezembro deste ano, disse em tom de ultimato o presidente do Paraguai, Santiago Peña, no começo desta semana. Caso isso não ocorra, ele alertou: "Não darei continuidade [às discussões] no próximo semestre".
O paraguaio ainda afirmou que cabe aos europeus dar o passo decisivo para que o acordo finalmente saia do papel. "Nesse acordo comercial, não se trata mais de uma discussão técnica, é uma decisão política, e isso não está do lado do Mercosul, mas do lado da União Europeia", disse.
A data estipulada por Peña se refere ao dia em que o Brasil, atualmente ocupando a presidência rotativa do bloco comercial sul-americano, passará o posto para o vizinho Paraguai. E o presidente paraguaio avisou que, a partir dessa data, pretende se concentrar em acordos menos complexos com outros países, como Singapura e Emirados Árabes Unidos (EAU).
A presidência do Mercosul é alternada a cada seis meses entre os quatro membros plenos atualmente ativos: Argentina, Brasil, Paraguai e Uruguai. (A Venezuela, o quinto membro, encontre-se suspensa, e os sete países restantes do continente são membros associados).
As declarações do presidente paraguaio estão em sintonia com falas do seu homólogo brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, que já afirmou que espera uma conclusão do acordo até dezembro. Lula também já se queixou publicamente de várias exigências dos europeus, que têm sido encaradas pelos sul-americanos como um empecilho para a conclusão do pacto, entre elas a abertura do mercado de compras governamentais para os europeus e uma série de contrapartidas ambientais.
Na terça-feira, em entrevista ao programa Conversa com o Presidente, Lula voltou a mencionar o assunto das compras governamentais. “O Brasil não abre mão das compras governamentais no acordo com a União Europeia. Se fizermos isso, vamos ‘matar’ a indústria nacional”, disse.
Silêncio de Bruxelas
Questionada pela DW, a Comissão da UE em Bruxelas não quis comentar os comentários de Peña. "Continuamos a trabalhar com base no compromisso assumido em nível presidencial para concluir as negociações antes do final do ano", disse o porta-voz da comissão europeia responsável pelo comércio e agricultura, Olof Gill.
Ele se referiu ao "intercâmbio muito construtivo de 14 de setembro", quando representantes de ambos os lados se reuniram em Santiago de Compostela, na Espanha. "Espero poder anunciar a data da próxima reunião dos principais negociadores antes do fim de semana," acrescentou.
Sob a perspectiva europeia, portanto, não há motivos para a inquietação, pois "tudo está correndo conforme o planejado".
"Duro, mas necessário"
Em contrapartida, um representante da coalizão do governo alemão em Berlim parece quase grato pela pressão do Paraguai. "O ultimato do presidente do Paraguai é duro, mas necessário", disse à DW Reinhard Houben, porta-voz de política econômica do grupo parlamentar do Partido Democrático Liberal (FDP) no Bundestag alemão. "Mais de 20 anos devem ser suficientes para aprovar um acordo de livre comércio."
De fato, as primeiras conversas sobre um acordo de livre comércio entre a UE e o Mercosul começaram já em 1999. Durante um longo tempo, pouco aconteceu, até que, em 2019, foi anunciado um "acordo inicial". Um esboço do texto, porém, foi rejeitado no início de 2020 devido à resistência da Áustria e da França.
Na Europa, os principais críticos do acordo são os países com grande produção agrícola. Eles temem que a concorrência leve a uma guerra de preços, e ao mesmo tempo, que ainda mais florestas tropicais sejam destruídas na América do Sul.
A tentativa do Paraguai de exercer pressão política com um ultimato não surpreendeu Pekka Pesonen, secretário-geral das associações europeias de agricultores e cooperativas.
"Isso apenas confirma nossa percepção desse acordo e seu impacto sobre a agricultura. Da forma como está agora, o acordo é inaceitável. Isso diz respeito ao acesso ao mercado de algumas commodities agrícolas, mas também à falta de compromissos concretos sobre clima e sustentabilidade por parte dos países do Mercosul."
Por que o acordo é polêmico?
Nos últimos meses, a UE impôs exigências adicionais para fortalecer a proteção ambiental e os direitos humanos, algo que acabou gerando críticas na América do Sul.
No Brasil, a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, destacou as recentes conquistas do atual governo, que viu o desmatamento na Amazônia cair em quase 50% somente neste ano. Em entrevista à DW em meados de setembro, ela também defendeu a assinatura do acordo de livre comércio.
A organização ambiental Greenpeace, por outro lado, adverte contra medidas precipitadas. "Em vez de avançar com um acordo feito para as grandes corporações, a UE e os países do Mercosul deveriam pensar em como formulá-lo de modo que a natureza e os direitos humanos sejam mais importantes do que a destruição do nosso planeta em nome do lucro privado", disse Lis Cunha, do Greenpeace, à DW.
Uma questão geopolítica
Javi López, eurodeputado social-democrata e comissário da Assembleia Parlamentar Euro-Latino-Americana (EuroLat), enfatiza a importância geopolítica do acordo. "O acordo entre a UE e o Mercosul seria um verdadeiro divisor de águas e fortaleceria as relações com a região."
Phil Hogan, que atuou como comissário de Comércio da UE até 2020, também é favorável ao acordo. Como argumento, ele aponta para os desejos de"diversificação" da UE, que busca maior independência de países como a China ou a Rússia. "Não devemos perder essa oportunidade. Este é um mercado de 270 milhões de pessoas que está sendo negociado há anos."
Para Hogan, as condições atualmente discutidas para a proteção do clima e do meio ambiente não devem ser motivo para o fracasso das negociações. Nesse sentido, ele espera que um acordo seja alcançado até o final do ano. "Acho que a Europa precisa disso e a América do Sul também."
O eurodeputado López também descarta a possibilidade de fracasso. "Entendo a frustração pelo fato de que, após 20 anos de negociações, ainda não haja um resultado final", disse ele à DW. "Isso também diz respeito, portanto, à confiabilidade da União Europeia como negociadora de acordos internacionais."