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A volta do Brasil à "lista suja" do trabalho

Karina Gomes
14 de junho de 2019

A Organização Internacional do Trabalho incluiu país em lista de 24 países suspeitos de violar normas internacionais. Para especialistas, decisão reforça aspectos inconstitucionais e retrocessos da reforma trabalhista.

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Mulher trabalha na indústria têxtil
Banco de horas e jornada de trabalho estão entre pontos afetados pela reforma trabalhistaFoto: picture-alliance/ dpa

Nesta semana, o Brasil voltou a integrar a chamada "lista suja" da Organização Internacional do Trabalho (OIT), composta por países suspeitos de violar convenções trabalhistas internacionais. Na avaliação de entidades e especialistas ouvidos pela DW Brasil, o retorno reforça a argumentação de que a reforma trabalhista fere princípios constitucionais.

A decisão de incluir o Brasil na lista de 24 países suspeitos de violar convenções internacionais do trabalho foi anunciada em Genebra, durante a sessão da Comissão de Aplicação de Padrões da 108ª Conferência Internacional do Trabalho, o órgão máximo de decisão da OIT. Os peritos entenderam que a reforma trabalhista fere a Convenção 98 da organização, que trata do direito de sindicalização e de negociação coletiva, e que foi ratificada pelo Brasil em 1952. 

Em entrevista à DW Brasil a partir da conferência da OIT em Genebra, o procurador-geral do Ministério Público do Trabalho (MPT), Ronaldo Fleury, afirmou estar de acordo com a visão de que a reforma trabalhista viola normas internacionais de proteção dos trabalhadores e a própria Constituição de 1988.

"A partir do momento em que se permite uma negociação, seja coletiva, seja individual, que abre mão de direitos legalmente assegurados, se permite que haja uma pressão sobre os trabalhadores para que renunciem a direitos sociais que, pela nossa Constituição, são fundamentais", explica.

O procurador-geral se refere a dois artigos inseridos por meio da reforma trabalhista na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que priorizam o "negociado sobre o legislado". Isso possibilita que negociações entre patrões e sindicatos por meio de acordo ou convenção coletiva passem a valer em substituição a direitos assegurados na lei.

Entre os casos em que o negociado entre as partes pode sobrepor o que está previsto em lei estão banco de horas, jornada de trabalho e participação nos lucros (artigo 611-A). O artigo 611-B, também inserido na CLT,  trata dos casos em que isso não é válido, como a licença-maternidade. 

A ministra do Tribunal Superior do Trabalho (TST) Delaíde Miranda Arantes afirma que a decisão da OIT é "oportuna". "Além do retrocesso social não admitido na Constituição Federal, a reforma trabalhista ainda deixou de observar a proteção das normas internacionais", avalia.

"A reforma representa um retrocesso, rompendo com um processo de conquistas de direitos sociais e trabalhistas. Além disso, não cumpriu nenhum dos objetivos anunciados pelos seus defensores. Não gerou empregos, provocou o enfraquecimento da representação sindical e não modernizou a legislação trabalhista", diz.

Novamente na lista

Esta não é a primeira vez que o Brasil entra na lista de países que serão analisados pela agência das Nações Unidas. O caso brasileiro tem sido analisado pela OIT desde 2017, antes mesmo da aprovação da reforma trabalhista. No ano passado, o governo foi advertido sobre um possível descumprimento das normas internacionais depois de peritos terem acolhido denúncias de entidades sindicais.

A OIT pediu a revisão dos pontos da reforma que permitem a prevalência de negociações coletivas sobre a lei. Neste ano, após uma nova análise, o país entrou na lista curta de países suspeitos, ao lado de países como Egito, Turquia, Iêmen, Mianmar, Uruguai e Etiópia, e será investigado pela Comissão de Aplicação de Normas da organização.

"Se houver uma decisão da OIT de que houve o descumprimento da Convenção 98, isso dará mais força à nossa argumentação e aos fundamentos que estamos utilizando em nossas ações públicas acerca da inconvencionalidade da reforma trabalhista", afirmou Fleury.

Em nota, a Secretaria Especial de Previdência e Trabalho do Ministério da Economia avaliou que a decisão da OIT é "injustificada e carece de fundamentação legal ou técnica". "Neste processo, não foi apresentado qualquer caso concreto que mostre redução de direitos ou violação à Convenção 98. É clara a ausência de critérios técnicos e a politização do processo de escolha dos países", afirma o comunicado.

O Governo afirma que a Lei 13.467/2017, da reforma trabalhista, está de acordo com a Constituição Federal e ainda estimula a negociação coletiva. A Confederação Nacional da Indústria (CNI) diz que a legislação em vigor desde novembro de 2017 está "completamente alinhada" com a Convenção 98, que "estimula os países signatários a promover o diálogo entre trabalhadores e empregadores por  meio de negociação coletiva".

A ratificação de uma convenção da OIT resulta na incorporação dos padrões e normas estabelecidos ao sistema jurídico, legislativo, executivo e administrativo do país signatário, com um caráter vinculante. O país também é obrigado a submeter relatórios sobre a implementação das convenções e protocolos da OIT. Atualmente, 187 países, incluindo o Brasil, são membros da organização, que completa 100 anos.

Caso seja identificada uma violação, haverá um constrangimento moral para o Brasil, além de eventuais represálias com relação à exportação de alguns produtos brasileiros, "mas isso vai depender da avaliação de outros países e empresas", diz o MPT.

Precarização do trabalho

O advogado trabalhista João Baptista Lousada Camara, membro da Ordem do Mérito Judiciário Trabalhista concedida pelo TST, afirma que a reforma trabalhista visa à precarização das relações de trabalho e enfraquece as estruturas sindicais, inclusive com o fim da contribuição sindical obrigatória, e critica o argumento de que é preciso diminuir o volume de processos trabalhistas.

"Havia no Brasil uma necessidade da atualização da legislação trabalhista, que já tinha 70 anos. Mas a pretexto de atualização fizeram uma reforma com graves violações constitucionais. A reforma inclui disposições processuais que praticamente impedem o acesso à Justiça do Trabalho de quem sofre lesão em seu direito", diz. "Além disso, ainda querem alterar várias disposições das normas de segurança e higiene, que são hoje rígidas, para aqueles que trabalham em condições de insalubridade."

Alessandra Camarano, presidente da Associação Brasileira de Advogados Trabalhistas (Abrat), que também participou da conferência em Genebra, diz que a decisão da OIT "reforça o posicionamento de juristas e da classe trabalhadora, apontadas desde o início do trâmite da reforma, que demonstraram violações internacionais e constitucionais que foram ignoradas pela Casa Legislativa".

"O descumprimento de normas internacionais das quais é signatário representa retrocessos sociais de extrema gravidade", critica.

Entre os principais retrocessos da reforma trabalhista, a presidente da ABRAT enumera o modelo de contrato intermitente e a terceirização ilimitada, "que representa graves violações a princípios do direito do trabalho".

"O que se verifica é uma falta de vontade política e interesse de se cumprir com o arcabouço de normas nacionais e internacionais que representem dignidade e justiça social com a insistência desmedida de criar modalidades de contratação que informalizam as relações de trabalho, dificultam as negociações coletivas, impedem o acesso ao poder judiciário trabalhista e precarizam cada vez mais a situação da classe trabalhadora", conclui.

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