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A Volkswagen e a ditadura brasileira

24 de março de 2023

A Volkswagen do Brasil voltou a ser notícia na Alemanha. São denúncias ligadas ao passado sombrio da empresa durante a ditadura brasileira. Desta vez, o caso envolve acusações de uso de mão de obra escrava. Vamos dar uma olhada neste escândalo?

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A Volkswagen do Brasil voltou a ser notícia recentemente na Alemanha, e o motivo não é nada positivo: são denúncias ligadas ao passado sombrio da empresa durante a ditadura brasileira. Desta vez, o caso envolve acusações de uso de mão de obra escrava.

No vídeo, vamos dar uma olhada neste escândalo. Que, ao lado de outros casos, ajudaram a manchar a história da montadora alemã no Brasil.

A Volkswagen está sendo acusada de ter usado mão de obra escrava entre 1974 e 1986. E isso não teria acontecido em fábricas de carros, mas numa fazenda de gado que a empresa tinha no Pará durante a ditadura militar. Isso mesmo: uma fazenda de gado que a empresa estava montando na Amazônia.

Ela tinha certo apoio fiscal do regime militar para entrar no ramo de carnes e contribuir para colonização e uma suposta modernização da região. Os abusos teriam ocorrido durante o desmatamento para instalação do projeto no sul do Pará.  

Centenas de trabalhadores temporários foram recrutados na época para fazer o desmatamento de uma área de 70 mil hectares de floresta. Isso aconteceu através de contratantes intermediários, mas, segundo denuncia a imprensa alemã, com conhecimento da direção da montadora aqui na Alemanha. 

Mas essas denúncias não são algo novo. Nos anos 1980, o caso já havia aparecido na imprensa alemã. O escândalo teve destaque em 1986 até na revista Spiegel, que até hoje é a maior da Alemanha. 

Na época, o diretor da fazenda, o agrônomo suíço Friedrich Brügger, refutou as acusações de trabalho escravo. Até hoje ele diz que, se ocorreu algo assim, foram casos isolados e chamou as denúncias de "completo absurdo".   

"Pode ser que houve casos isolados, não de forma sistemática ou não como vocês retratam. Isso é absolutamente ridículo", afirmou o suíço.

Procurada pela reportagem da DW, a Volkswagen se distanciou de Brügger, dizendo que ele não fala pela empresa. A montadora alemã afirmou ainda que leva muito a sério as denúncias.

Por trás das denúncias que chegaram até a mídia alemã nos anos 1980 estava o padre Ricardo Rezende. Na época, ele era o coordenador da Comissão Pastoral da Terra no Araguaia-Tocantins e elaborou um dossiê de 600 páginas denunciando abusos.

Mas o caso repercutiu mais internacionalmente mesmo. A DW conversou recentemente com o padre, e ele reitera firmemente as acusações. Então: mas por que o caso voltou à tona agora?

O assunto e todo o passado sombrio da Volkswagen no Brasil acabou adormecido até 2014, quando saiu o relatório da Comissão Nacional da Verdade sobre violações cometidas durante a ditadura. Esse documento citou, por exemplo, casos de prisão e tortura dentro da fábrica da Volkswagen em São Bernardo do Campo.  

Foi graças a esse relatório da Comissão Nacional da Verdade que a sede da Volkswagen na Alemanha se mexeu para apurar as denúncias. Um historiador independente foi contratado para apurar o que aconteceu no Brasil e qual seria a responsabilidade da montadora nestas acusações.

No relatório, foram confirmadas as condições degradantes e violentas as quais alguns trabalhadores da fazenda eram submetidos. O documento aponta a responsabilidade indireta da empresa, que não teria tomado providencias para mudar essa situação.   

"A administração da fazenda e a VW do Brasil não tinham responsabilidade direta, mas sim indireta pelas condições desumanas de vida e de trabalho dos trabalhadores migrantes... Entretanto, mesmo não tratando-se de escravos propriamente ditos e mesmo que a VW do Brasil não fosse diretamente responsável pelas condições de trabalho catastróficas, a VW também não tomou nenhum tipo de iniciativa para melhorar a situação desses trabalhadores", afirma o relatório.

Esses casos aparecem também no livro do historiador Antonie Acker lançado em 2017, sobre o experimento da Volkswagen no agronegócio. Apesar da gravidade do caso, a questão da fazenda não teve muita ressonância na mídia.

A imprensa alemã se concentrou nas denúncias relacionadas à colaboração da montadora com a ditadura militar. Entre as denúncias está a espionagem de funcionários com informações sendo repassadas ao Departamento de Ordem Política e Social, o Dops; a permissão da prisão e tortura de funcionários dentro da própria fábrica; e a demissão de trabalhadores envolvidos com sindicatos.

A sede da montadora na Alemanha tomou conhecimento desses atos o mais tardar em 1979. "Acho que a VW foi responsável por abuso dos direitos dos trabalhadores da época. Isso afetou muito a vida dos trabalhadores. Acho que a VW poderia pedir desculpas por isso", afirmou Christopher Kopper para o documentário A Volkswagen e a Ditadura Militar no Brasil.

Em 2020, a Volkswagen concordou em pagar mais de 36 milhões de reais para indenizar famílias dos ex-funcionários torturados ou mortos na ditadura. E foi justamente essa indenização paga pela Volkswagen que motivou o padre Rezende, o autor das denúncias lá nos anos 1980, a reavivar o caso.

Ele foi atrás das testemunhas do caso que tinham sobrevivido. Um pesquisador foi ao Sul do Pará e conseguiu falar com cerca de dez pessoas. O Ministério Público do Trabalho concluiu que ocorreram as violações e convocou a empresa para uma audiência. Com isso, o tema ganhou agora destaque novamente.