A vida em um vilarejo nazista
3 de setembro de 2015As coisas não têm sido como normalmente são no vilarejo de Jamel, na Alemanha. Uma barreira bloqueia a única entrada. E qualquer um que queira cruzá-la está sujeito a questionamentos da polícia, que direcionam os motoristas a um estacionamento improvisado em um gramado.
Jamel fica numa região bucólica, em um bosque, entre milharais e pomares, perto do Mar Báltico. Mas, neste fim de semana em questão, no mês de agosto, o vilarejo recebia o festival Forstrock, que atrai pessoas de todos os tipos: jovens, idosos, executivos, punks e políticos.
Todos dispostos a se divertir por dois dias seguidos e alertar contra os radicais de extrema-direita e atos racistas. A polícia, por sinal, não veio para proteger os poucos moradores do vilarejo contra a multidão de visitantes, mas para proteger os visitantes dos moradores.
Bem-vindo ao vilarejo nazista de Jamel.
Viagem no tempo
Logo quando chegam, os visitantes fazem uma visita a Horst e Birgit Lohnmeyer, o casal que organiza o Forstrock em seu terreno, no meio da cidade. Os Lohnmeyers chegaram a Jamel em 2004. Agora, eles têm a proteção da polícia. Logo antes do festival de 2015, o celeiro do casal pegou fogo. Investigadores da polícia encontram substâncias combustíveis e confirmaram ter se tratado de um ato criminoso.
Os Lohnmeyers também não tinham dúvidas. Há anos, eles vinham sofrendo ameaças de radicais de extrema direita que moram em Jamel e querem transformar a cidade em um "vilarejo nazista modelo". Para isso, compram terrenos e os alugam a simpatizantes. Os Lohnmeyers querem impedir isso, mas são os únicos no vilarejo que se posicionam abertamente contra os extremistas.
"Vamos dar uma volta no vilarejo!", grita um jovem aos amigos. Passeios por Jamel são um dos pontos altos do festival. A maioria só tem coragem de fazer isso por causa da presença da polícia durante o fim de semana do Forstrock. O tour é como uma viagem no tempo, uma incursão a uma Alemanha que a maioria acredita ter acabado.
Símbolos do regime nazista
Um mural com a pintura de um homem loiro com sua esposa e filhos aparece imponente no meio do vilarejo. Abaixo dele, aparece a legenda "Comunidade de Jamel", seguida do slogan nazista: "frei - sozial - national" ("livre - social - nacional").
À noite, o mural fica iluminado. A alguns metros dali, uma placa escrita em fonte gótica aponta para Viena, na "Ostmark", a alcunha nazista para a Áustria. Outra placa aponta para Braunau am Inn, cidade natal de Adolf Hitler, a 855 quilômetros dali.
Também há um playground para as inúmeras crianças da cidade, com um tronco de árvore onde foi gravada a chamada "runa da vida" – sinal adotado por Heinrich Himmler, comandante da SS, para simbolizar a tentativa dos nazistas de aumentar a taxa de natalidade da "raça ariana".
Nas ruas do vilarejo, uma idosa em um avental para de modo que as crianças loiras de Jamel alisem o pelo do cachorro dela. Sobre os Lohnmeyers, ela parece não ter muito a dizer.
"Eles moram lá em cima, e eu moro aqui", ela responde no dialeto típico da região. A opinião sobre as pinturas nazistas também é parecida. "Não me incomodam", diz. Quase monossilábica, ela não dá muito seguimento aos questionamentos da reportagem. "Não fiquei sabendo de nada disso", responde, quando a pergunta é sobre o incêndio na casa dos Lohnmeyers.
Outra senhora ali perto ficou, sim, sabendo do que houve. "Mas não tenho tempo agora", responde, em frente à cerca de madeira do seu jardim, e sai para passear com o cachorro dela.
No fim do vilarejo, as famílias neonazis montaram um castelo inflável para as crianças, que também festejam no mesmo fim de semana do Forstrock, o último antes do fim das férias. Para a festa, também vieram visitantes de fora de Jamel. Muitos deles decoraram os carros com bandeiras da guerra imperial, símbolo utilizado pelos simpatizantes da extrema direita.
As famílias estão sentadas em bancos e cadeiras, rindo e olhando por binóculos quem a polícia deixa entrar do outro lado do vilarejo.
Vez ou outra, os homens fazem passeios pelo vilarejo, passando pelos visitantes bem protegidos pela polícia. Com as cabeças raspadas e as tatuagens, eles não escondem o prazer em virar o centro das atenções. Eles estão cientes de que cada um dos visitantes que vieram para o Forstrock sabe muito bem quantas vezes os oponentes dos nazistas tiveram que lidar com incêndios no vilarejo. E que, na casa do líder deles, Sven Krüger, que mora no fim do vilarejo, foi encontrada uma metralhadora com 200 munições. E que, 363 dias por ano, aqueles homens são maioria por aqui – menos neste fim de semana.
Rebelião contra a intolerância
Durante os dois dias do Forstrock, os visitantes são a maioria na pequena Jamel, o que acontece todo ano, no mês de agosto. Depois do incêndio no celeiro, a solidariedade aos Lohnmeyers ficou maior do que nunca. Todos os que os suportam dizem não saber como o casal continua morando no vilarejo e confrontando os neonazis.
Neste ano, os visitantes vieram de todo o país. Num momento que a Alemanha tem sido assolada por incêndios criminosos em alojamentos de refugiados e por protestos violentos, eles dizem que é ainda mais importante demonstrar solidariedade aos Lohnmeyers. A mensagem deles é clara: nós, que somos a favor da democracia, constituímos a maioria neste país.
A solidariedade comove o casal. "Esse é um símbolo muito forte aqui", diz Horst Lohnmeyer. Os corajosos Lohnmeyers precisam de apoio para continuar enfrentando o dia a dia no vilarejo. Durante o fim de semana, eles são constantemente ovacionados do palco. O chefe do sindicato de construtores civis entrega aos dois um cheque no valor de mais de 10 mil euros. As pessoas, ele diz, precisam se rebelar contra a "estupidez nazista". Os Lohnmeyers, ele continua, fizeram os extremistas de Jamel serem conhecidos publicamente. "Ninguém pode negar o que está acontecendo por aqui."
Na edição de 2015, diversos famosos deram as caras no Forstrock. O governador do estado de Mecklemburgo-Pomerânia Ocidental enalteceu a coragem cívica, e a ministra federal da Família dançou, à noite, durante o show surpresa da famosa banda Die Toten Hosen. O vocalista Campino se curvou para venerar o casal. Com o gesto, Birgit e Horst foram às lágrimas.
Depois do fim de semana, os Lohnmeyers voltaram a ficar isolados no vilarejo. Ao lado deles, apenas a polícia. Por enquanto, um guarda continuará vigiando a casa deles todas as noites.