A social-democracia brasileira evitará o próprio suicídio?
18 de setembro de 2018A eleição de 2002 foi a primeira que cobri como jornalista. Luiz Inácio Lula da Silva venceu José Serra, Ciro Gomes ficou em quarto lugar e, na minha visão, todos esses candidatos tinham um perfil social-democrata. Por que a social-democracia brasileira nunca conseguiu unir suas alas direita (PSDB) e esquerda (PT)?
Uma vez me contaram que o motivo seria uma suposta desavença pessoal entre Lula e Fernando Henrique Cardoso. Mas a transição harmoniosa entre os dois no final de 2002 contrariava essa suspeita. Por que, então, os dois partidos nunca formaram uma aliança? De todas as grandes agremiações, apenas o PT e o PSDB tinham um perfil ideológico – o resto funcionava como partido fisiológico.
Uma aliança entre o PT e o PSDB provavelmente teria protegido o Brasil do crescimento de poder desses partidos fisiológicos e da ascensão do baixo clero à la Severino Cavalcante e Eduardo Cunha. Mas o antagonismo dos "partidos gêmeos de espírito" empurrou o PT para os braços do PMDB em 2006. Em vez de trazer parceiros políticos para dentro do barco, o PT precisou comprar a aprovação dos "partidos de aluguel". O mensalão e o petrolão poderiam ter sido evitados se o "presidencialismo de coalizão" do Brasil tivesse produzido alianças interpartidárias melhores (ou seja: social-democratas)?
A Lula e FHC, seguiram-se Dilma Rousseff e Aécio Neves. Não havia mais pontos biográficos de contato entre os dois adversários, como os que os dois ex-presidentes tiveram durante a redemocratização. No início de 2015, eles perderam a chance de, em nome da união (e da razão) nacional, realizar um casamento emergencial diante da crise econômica e política que se desenhava. Lula e FHC teriam agido de forma diferente?
Em vez disso, com a contestação do resultado das eleições de 2014, Aécio Neves serrou os alicerces democráticos, enquanto Dilma Rousseff afugentou o próprio partido com uma política econômica à la PSDB, levada a cabo sem convicção. E, quanto mais detalhes da Operação Lava Jato eram revelados, mais acirrado ficava o combate entre as duas vertentes. No fim das contas, o PSDB foi responsável pelo impeachment de Dilma, numa ação que precipitou os dois partidos para o abismo. A social-democracia havia infligido graves ferimentos a si mesma. Será que as lesões serão mortais?
A crer nas pesquisas de opinião recentes, o PSDB e Geraldo Alckmin sofrerão um verdadeiro fracasso eleitoral no dia 7 de outubro. Até mesmo o bastião São Paulo poderá cair para Bolsonaro.
Enquanto isso, o PT radicaliza seu discurso, especialmente na política econômica, para conquistar eleitores. Fernando Haddad assusta, assim, os empresários brasileiros, que se voltam para o guru econômico de Bolsonaro, Paulo Guedes – embora o PSDB possa dar a um governo liderado pelo PT exatamente a expertise econômica que falta a Haddad.
Diante da catástrofe máxima que a ameaça de uma vitória eleitoral de Jair Bolsonaro representa, os dois partidos parecem, finalmente, estar caminhando em direção um do outro. Ou como é que se deve entender a autocrítica impressionante de Tasso Jereissati, no final da semana passada, sobre os erros do PSDB? Segundo Jereissati, não se deveria nem ter contestado a eleição de 2014, nem sabotado o governo Dilma Rousseff.
De qualquer forma, Fernando Haddad aceitou a mão evidentemente estendida. Na manhã de segunda-feira (17/09), ele declarou que quer manter um "diálogo permanente" com o PSDB para fortalecer a democracia. Será o prenúncio de uma aliança no segundo turno?
Possivelmente, o suicídio da social-democracia só poderá ser evitado se PT e PSDB se opuserem a Bolsonaro juntos. Obviamente, Ciro Gomes e Marina Silva deveriam estar no barco com eles. E há quem, admirado, esfregue os olhos e se pergunte por que isso já não aconteceu há muito tempo.
Thomas Milz saiu da casa de seus pais protestantes há quase 20 anos e se mudou para o país mais católico do mundo. Tem mestrado em Ciências Políticas e História da América Latina e, há 15 anos, trabalha como jornalista e fotógrafo para veículos como o Bayerischer Rundfunk, a agência de notícias KNA e o jornal Neue Zürcher Zeitung. É pai de uma menina nascida em 2012 em Salvador. Depois de uma década em São Paulo, mora no Rio de Janeiro há quatro anos.
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