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A reconciliação de Cannes com o cinema alemão

Soraia Vilela22 de abril de 2004

O festival de cinema número um do circuito internacional rompe seu desprezo crônico pela cinematografia alemã e inclui na competição “Die fetten Jahre sind vorbei” (Acabaram-se os anos gordos), de Hans Weingartner.

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Hans Weingartner quebra o jejum de filmes alemães em CannesFoto: dpa

Cannes parece ter enfim entendido que o cinema alemão registra, há muito, nomes além dos cânones Wenders, Fassbinder, Schlöndorff e Herzog. A presença de Thierry Frémaux na direção do festival pode ter contribuído para o desvio de um olhar acostumado, nos últimos anos, a se fechar para tudo o que viesse da Alemanha. Talvez o recente sucesso comercial de Adeus, Lênin!, de Wolfgang Becker, visto por mais de um milhão e meio de franceses, tenha também dado um empurrãozinho neste sentido.

Longo jejum

Fato é que o maior festival internacional de cinema do mundo inclui, pela primeira vez nos últimos onze anos, um filme alemão em sua mostra competitiva – o último havia sido Tão longe, tão perto (In weiter Ferne, so nah), de Wim Wenders, em 1993.

O debate em torno das causas de tão longo jejum podem render horas, indo desde a acusação de que Cannes, propositalmente, ignorava a cinematografia do vizinho, até as afirmações de que, após o envelhecimento do Novo Cinema Alemão, o país não havia tido filhos dignos da croisette francesa.

“Um novo Fassbinder, não vamos deixar passar”, disse certa vez o todo poderoso Gilles Jacob, diretor de Cannes por vários anos, ironizando a suposta palidez do cinema alemão da última década.

"Será uma honra estar ao lado de Walter Salles"

Brasilianischer Regisseur Walter Salles
Walter SallesFoto: dpa

"Estou muito feliz de poder mostrar meu filme neste festival, ao lado de diretores tão importantes como Walter Salles, Wong Kar-Wai, os irmãos Coen ou Emir Kusturica”, reagiu Weingartner após a divulgação de que seu Acabram-se os anos gordos participaria da competição na Riviera Francesa. O brasileiro Walter Salles concorre em Cannes com Diários da motocicleta, uma reconstrução dos trechos percorridos por Che Guevara na América Latina.

Nascido em 1970 na austríaca Feldkirch/Voralberg, em uma família de sete irmãos, Weingartner conta em uma entrevista que chegou a ser esquecido por sua mãe na floresta, durante um passeio. “Ela também me esqueceu uma vez durante uma mudança. Fiquei mergulhado na autocompaixão, achando que iria ter que enfrentar uma vida de Joãozinho e Maria”, lembra o diretor.

Por essas e por outras, o supersticioso Weingartner só roda seus filmes com uma equipe de sete pessoas. “O que não é apenas criativo, mas uma espécie de busca de um ambiente familiar”, argumenta.

Estética DOGMÁtica

Weingartner chamou a atenção do público e crítica há três anos, quando recebeu por seu Das weisse Rauschen (O ruído branco) o prêmio Ophüls, concedido em Saarbrücken a jovens cineastas. O longa, que foi seu trabalho de conclusão de curso na Escola Superior de Artes e Mídia de Colônia, relata os universos paralelos de um esquizofrênico.

O uso em O Ruído Branco de uma câmera digital trêmula, no melhor estilo DOGMA, foi conseqüência de “falta de dinheiro”, segundo Weingartner. Na ausência de aparato high tech, a equipe concentrou-se no trabalho dos atores.

Nouvelle vague alemã

Die fetten Jahre sind vorbei
Os três protagonistas de «Acabaram-se os anos gordos»: Daniel Brühl (Jan), Julia Jentsch (Jule) e Stipe Erceg (Peter)Foto: Presse

O que Weingartner leva a Cannes este ano pretende ser, nas palavras do diretor, um filme “não convencional, sem ser extraordinário”. Segundo o diário Süddeutsche Zeitung, o longa vai ao encontro do gosto francês: “De certa forma, uma espécie de nouvelle vague alemã, com traços de romantismo à la Jules e Jim (Uma mulher para dois)”.

Acabaram-se os anos gordos narra os propósitos de três jovens (Jan, Jule e Peter) de declarar guerra ao mundo capitalista, resgatando sinais de uma rebeldia esquecida pelas últimas gerações. Financiado com recursos relativamente parcos, o filme tem o premiado ator Daniel Brühl como protagonista – que se tornou conhecido do público, entre outros, por sua participação em O Ruído Branco – tendo se transformado nos últimos anos num dos queridinhos do cinema alemão.

Sangue novo

O novo filme de Hans Weingartner está entre os 18 da mostra competitiva de Cannes, tendo sido selecionado entre 1335 longas enviados à organização do festival. Der neunte Tag (O nono dia), do também alemão Volker Schlöndorff, ficou de fora da competição e deve ser apresentado em algum dos ciclos paralelos.

“É absolutamente compreensível que Cannes, depois de tantos anos sem um filme alemão, não queira reatar os laços com a cinematografia do país através de alguém como eu, que já mostrou no festival pelo menos meia dúzia de filmes”, confessa Volker Schlöndorff, ele mesmo aliviado com o fato de que o vizinho francês resolveu abrir os olhos para a nova geração de cineastas que surge na Alemanha.