A queda do Muro das Lamentações
23 de dezembro de 2002"Se há algo com que podemos contar seguramente, é com o catastrofismo alemão. Tudo o que pode dar errado tem que dar errado, para preencher os anseios apocalípticos. Caso a catástrofe não venha, contrariando as expectativas, o resultado é uma choradeira generalizada, que só terá fim com a perspectiva da próxima desgraça." Assim descreve Henryk M. Broder, autor do livro www.Deutsche-Leidkultur.de e de origem judaica, o espírito pessimista alemão. O título da publicação é um jogo de palavras, envolvendo o conceito de Leitkultur (cultura dominante), presente nos debates conservadores sobre imigração, e Leid, sofrimento.
"Que remédio," rebateriam alguns, "a situação está mesmo catastrófica!" Com efeito: nos últimos meses a evocação de uma crise atual ou futura tem monopolizado as manchetes da Alemanha, quer no campo político, econômico ou cultural. Entre os culpados de praxe destacam-se o euro, a reunificação do país, a União Européia – e, mais recentemente, sua ampliação –, a globalização, a coalizão social-democrata-verde, o terrorismo internacional. Ad libitum.
Em reação às omnipresentes visões apocalípticas, parte das cabeças pensantes da Alemanha está se manifestando, começando por recusar qualquer tipo de racionalização sobre o tema. Apesar dos fatores concretos, que poderiam até justificá-lo, o pessimismo seria, acima de tudo, uma questão de atitude, e fonte de ameaçadoras "self-fulfilling prophecies". Este termo foi cunhado em 1957 pelo sociólogo norte-americano Robert Merton, para descrever o fenômeno segundo o qual "uma definição equivocada da situação evoca um novo comportamento, que torna realidade a concepção originalmente falsa ": portanto, uma profecia que se "autocumpre".
Quem mais reclama, mais ganha
O futurólogo Matthias Horx lançou na internet a campanha "Para fora do Vale de Lágrimas". Seu Manifesto do Futuro já foi assinado por cerca de mil pessoas e distribuído a órgãos de imprensa e políticos. Segundo o iniciador, "a lamentação tem sempre a ver com delegar culpa". Os outros são sempre os responsáveis pela desgraça, jamais o grupo a que se pertence. Além disso, "vale a pena choramingar em nosso generoso estado social". Pois quem grita mais alto tem chances de mais subvenções. Horx afirma que os demais países europeus adotam uma postura mais ativa, enfrentando e resolvendo os problemas com maior rapidez.
A sociopsicóloga Andrea Abele-Brehm ecoa a opinião de Horx, ao postular que "a tendência a lamentar-se é também um fenômeno de mídia". Ela igualmente identifica uma especificidade nacional: embora não seja um fato cientificamente comprovado, a prática mostra que os norte-americanos, por exemplo, agem com maior pragmatismo e otimismo. Enquanto os alemães, povo de poetas e pensadores, tende mais a ruminar os acontecimentos. E a reclamar.
Hora de pensar positivo
O cardeal Joachim Meisner, de Colônia, considera o pessimismo e insatisfação uma manifestação especialmente desagradável de ateísmo: "Duvidar todo o tempo de si e do mundo é uma forma de descrença". Afinal, os alemães não teriam motivos para desesperar, comparados com 80% dos outros povos, lembra o religioso.
A onda de autocrítica e exortação a uma nova atitude parte também do setor empresarial. Bernd Gottschalk, presidente da Associação da Indústria Automobilística, alerta: "Quando os alemães vêem luz no fim do túnel, eles tendem a alongar o túnel mais ainda". E justamente os representantes dos cartéis – eternos beneficiários das "crises" – estariam entre os maiores reclamadores da nação. Wendelin Wiedeking, diretor-geral da Porsche, é taxativo: "Do que menos precisamos é da ladainha dos funcionários de associações, certos sindicalistas, gerentes fracassados e pessimistas ideológicos".
Um bom exemplo de ação positiva partiu dos "Ricos a favor dos impostos": os participantes da iniciativa, eles próprios milionários, defendem a tributação do patrimônio pessoal. Em carta ao chanceler federal, Gerhard Schröder, eles se dispõem a sacrificar-se, já que: "Quem mais tem, pode e deve dar mais".