A quantas anda a masculinidade tóxica no mundo?
Publicado 18 de junho de 2023Última atualização 21 de junho de 2023Recentemente uma notícia abalou as bases da sociedade alemã: violência doméstica é "aceitável", lugar de mulher é na cozinha, e manifestações públicas de homossexualidade são "incômodas". Segundo um estudo da ONG Plan International, tais afirmativas encontrariam um alto nível de aceitação entre os jovens do país.
Sob o título "Zona de tensão masculinidade", entrevistaram-se online mil homens e mil mulheres entre 18 e 35 anos, através de um formulário escrito padronizado. Um terço dos participantes masculinos se disse de acordo com violência ocasional contra mulheres, 34% já agrediram alguma mulher fisicamente "para impor respeito".
Outras assertivas também revelaram uma imagem inquietante de masculinidade: 48% disseram-se "incomodados" quando homens demonstram homossexualidade em público. Como modelos de comportamento, citaram, entre outros, o empresário sul-africano Elon Musk e o influenciador anglo-americano Andrew Tate.
Apresentando-se na plataforma TikTok como misógino declarado, este último ficou notório por declarações como "As fêmeas são os símbolos de status máximos" ou "A vida masculina é guerra".
O influenciador foi formalmente acusado na Romênia nesta terça-feira (20/06) juntamente com seu irmão e outras duas pessoas por suspeita de tráfico humano no país, nos Estados Unidos e no Reino Unido, estupro e criação de uma facção de crime organizado para explorar mulheres. Os quatro compareceram diante de tribunal em Bucareste nesta quarta.
Jovens alemães pensam realmente assim?
Depois de causar grande sensação midiática, a pesquisa desencadeou críticas ferrenhas. Nas redes sociais, questionou-se sua representatividade: até por ter se realizado online, seu grupo-alvo se limitaria pelo menos aos adeptos da internet. Outros criticaram a falta de questionamentos concretos.
Em essência, a preocupação central era: será realmente possível que os jovens da Alemanha estejam pensando e agindo desse modo?
Especialistas também apresentaram ressalvas metodológicas à enquete: "Eu gostaria de saber mais precisamente como o estudo foi elaborado. Também não ficou bem transparente como foram as respostas, exatamente", observa Dag Schölper, da associação Bundesforum Männer, que representa interesses de adolescentes e homens.
"Mas, independentemente disso: o fato de que, à pergunta de se podem imaginar, talvez, bater na parceira, de mil homens quaisquer, um terço tenha dado uma resposta positiva – que não dá para levar tão a sério – significa que expressaram aquiescência e não tiveram o impulso de dizer: 'Isso é totalmente inaceitável'. As estatísticas connhecidas sobre violência mostram que essa postura existe e que em certas parcelas da sociedade ela é vivida."
Estatísticas confirmam más notícias
Os números dão razão a Schölper: o Departamento Federal de Investigações da Alemanha (BKA) revelou que em 2021 143 mil cidadãs e cidadãos sofreram violência por parceiros ou ex-parceiros. Em cerca de 80% dos casos, as vítimas eram mulheres, a grande maioria dos agressores, homens. Apesar de um ligeiro recuo em relação a 2020, observou-se um incremento da tendência no prazo de cinco anos.
Considerando-se apenas a imagem de masculinidade e os possíveis preconceitos, as cifras são mais baixas, mas também inquietantes: numa consulta conduzida em 2017 pela Central Federal Antidiscriminação da Alemanha, 40% revelaram sentir-se incomodados com demonstrações públicas de homossexualidade.
No recente relatório das Nações Unidas 2023 Gender Social Norms Index, cerca de 90% dos indagados admitiram guardar preconceitos em relação às mulheres: dois terços não as consideram capazes de exercer liderança política; para um quarto, está bem um homem bater numa mulher.
O balanço da ONU é que o índice de normas sociais de gênero não indica "nenhuma melhora dos preconceitos contra as mulheres em uma década", apesar de numerosas campanhas.
A volta do pêndulo da tolerância social
Mas a que se deve essa persistência da assim chamada "masculinidade tóxica"? "Há sempre movimentos pendulares, que também se refletem no estudo", explica Schölper. "Por exemplo: homossexualidade e vida queer estão cada vez mais visíveis na esfera pública, não acontecem só às escondidas. Quem tem um problema com isso se sente desafiado, talvez até ameaçado."
Crises também reavivam os papéis tradicionais de gênero, evocam-se os "bons velhos tempos" para gerar uma sensação de segurança. Sociólogos registraram uma recrudescência dos papéis sexuais durante a pandemia de covid-19: as mulheres voltaram a assumir mais o papel de cuidadoras do lar, a violência doméstica aumentou.
"Em termos globais, estamos num movimento de retrocesso, de "backlash", em que as imagens dos sexos rígidas e estreitas voltam a ganhar força", confirma Schölper, para quem os números estatísticos confrontam a sociedade com uma tarefa clara.
"Precisamos de mais atividades de esclarecimento com adolescentes e homens. As autoridades locais precisam compreender que faz parte dos serviços públicos prover uma estrutura de aconselhamento masculino, a fim que evitar que eles não acabem indo procurar conselhos para seus problemas na internet, justo com gente como Andrew Tate."