A ponte que simboliza o drama dos venezuelanos
3 de abril de 2019Em 23 de fevereiro, milhares de manifestantes, de colete azul com os dizeres "Coalizão de ajuda e liberdade", iam da Colômbia em direção à Ponte Simón Bolívar e cercavam os caminhões com mantimentos dos Estados Unidos que avançavam a velocidade de pedestre.
Do outro lado da ponte, que leva justamente o nome do herói nacional que libertou vários países latino-americanos da Espanha, os militares da Venezuela já esperavam. O local se tornou palco e símbolo da luta de poder entre o chefe de Estado venezuelano, Nicolás Maduro, e o autoproclamado presidente interino Juan Guaidó, com dezenas de feridos e equipes de TV transmitindo as imagens para todo o mundo.
Mais de um mês depois, a ponte fronteiriça foi tomada, nesta terça-feira (02/04), por venezuelanos que tentam atravessar para a Colômbia. Normalmente, apenas maiores de 55 anos, mães com crianças, escolares e deficientes podem atravessá-la. Mas a subida do rio Táchira não dá outra opção aos venezuelanos, desesperados por comida e remédios.
Uns poucos metros mais adiante vê-se uma "trocha", uma passagem ilegal que milhares usam diariamente, cruzando caminhos acidentados, mata e o rio Táchira, quando este não está com nível elevado pelas chuvas.
Do lado venezuelano, os bandos armados dos colectivos exigem dinheiro de proteção, e quem não paga sofre ameaça de violência. Eles são especialmente perigosos para as mulheres, que estão sujeitas a estupros. Porém o fluxo de refugiados do país com as maiores reservas petrolíferas do mundo não se estanca, pois a fome, a falta de medicamentos e o desespero são grandes demais.
Yosefina Marlís atravessou a Ponte Simón Bolívar da Venezuela para a Colômbia pela primeira vez no fim de 2017. Bem devagar, recorda, pois estava grávida e não havia comido nada.
Agora a venezuelana espera, com seus três filhos, diante de uma representação da Agência das Nações Unidas para refugiados (Acnur), a poucos passos da ponte. "Estou aqui por causa das minhas crianças, não quero que elas passem o resto da vida na fila para conseguir remédios, um litro de leite, um pão."
De início, dividia um quartinho com duas outras famílias: "Éramos 12, por sorte a gente se entendia bem." Ela vendia arepas, o quitute nacional venezuelano, na rua, e solicitou a permissão especial de permanência para poder trabalhar por dois anos na Colômbia. Como desde meados de 2018 o governo não expede mais o documento, muitos seguem adiante, vão tentar a sorte no Peru ou ainda mais ao sul, no Chile ou na Argentina.
Yosefina quer permanecer na Colômbia. "Eu estudei inglês por quase 20 anos na escola, sou capaz de encontrar um emprego", afirma, com voz clara. Ela não quer se deixar contagiar pelo espírito que impera entre muitos recém-chegados: "Entre muitos venezuelanos, só tem tristeza, depressão e desesperança."
É surpreendente a forma como os colombianos lidam com os migrantes venezuelanos, que já contam 1,2 milhão e continuam chegando aos milhares, a cada dia. O sofrimento no país vizinho recordou a muitos como tiveram que escapar em direção à Venezuela por causa da guerra civil, e foram recebidos de braços abertos, quase sem exceção. Agora é hora de retribuir, afirmam.
Numa aldeia próxima a Cúcuta, migrantes internos colombianos acolhem refugiados da Venezuela, pois sabem muito bem como não é ter mais um lar. Um centro de assistência em Cúcuta atende os que se infectaram com o vírus HIV e não têm mais como custear a medicação.
A cinco minutos da ponte, a diocese da cidade mantém uma cantina para os refugiados: começando com 200 sopas em 2017, atualmente ela fornece 4 mil refeições por dia. "É uma obra e um milagre de Deus", comenta o padre José Davíd Cañas.
Trata-se de um dia especial, pois a cantina acaba de servir sua milionésima refeição. "Nós funcionamos como um relógio: às 10h servimos mil refeições, às 10h20 novamente, depois 10h40 e 11h", explica o sacerdote.
O Programa Mundial de Alimentação fornece os gêneros alimentícios, e 120 voluntários mantêm o local em funcionamento, cozinhando, limpando e lavando louças. Todos são unidos pelo sentimento de estar fazendo algo de especial. "Hoje mesmo, uma menina venezuelana me agradeceu mais uma vez, pois não comia há quatro dias", conta o padre José.
Confiança nos médicos venezuelanos
Nos últimos seis meses, Jesús González atravessou a Ponte Simón Bolívar pelo menos dez vezes, com a mulher e a filhinha. Eles aguardam para ser atendidos no centro de saúde Las Margaritas, uma esquina mais adiante. "Nós viemos por causa da menina, e o tratamento que ela recebe é de primeira classe", elogia Jesús.
A jovem família vive na Venezuela a 90 minutos de carro da fronteira, num lugarejo chamado Berlín, e ele se vira consertando aparelhos eletrônicos. Há muito tornou-se impraticável levar a criança ao médico. "Nos hospitais da Venezuela, eles nem te atendem, a não ser que a febre seja extremamente alta." Só casos de emergência absoluta recebem atenção. "Além disso, a maioria dos médicos deixou o país, e os que ficaram acabaram de se formar."
Entre 100 e 120 crianças são atendidas diariamente em Las Margaritas. Para tal, algumas famílias enfrentam uma viagem de 12 horas, pois na Venezuela os medicamentos ou são inexistentes ou caros demais. A maior demanda no centro de saúde é por insulina e remédios para doenças das vias respiratórias.
O jovem pai de família também aproveita para se abastecer com fraldas para sua filha: "O pacote com 50 fraldas é mais barato do que um com dez na Venezuela." Quanto tempo o país vai aguentar? "Nós vamos vendo de dia para dia, meus irmãos e minha mãe já estão no Equador."
Primeiro as classes altas venezuelanas abandonaram o país de avião, em direção aos EUA ou Europa. Depois a classe média chegou de ônibus à Colômbia, Equador e Peru. Agora é a vez de os mais pobres fugirem, muitas vezes a pé.
Em Los Patios, numa casinha a poucos quilômetros da Ponte Simón Bolívar, eles recebem os primeiros socorros da Cruz Vermelha, 24 horas por dia. "Os refugiados chegam, em parte, de tamancos e sandálias, e querem seguir a pé em direção a Bucaramanga", relata Edwin Alfredo, da organização humanitária.
São 200 quilômetros, menos de cinco horas de carro. A pé, contudo, são 47 horas, sem contar as pausas para descanso, e muitos chegam carregados de bagagens pesadas e ainda levam no colo os filhos pequenos. Porém o maior desafio é a subida do planalto, a mais de 3 mil metros de altura: "Já teve gente que morreu, por subestimar completamente o caminho e não ter agasalhos consigo", conta o jovem colombiano.
Por isso, ele e seus colegas entregam aos refugiados um mapa com informações exatas sobre onde encontrar a próxima estação de atendimento da Cruz Vermelha. Além disso, os venezuelanos podem telefonar de graça de Los Patios, abastecer-se com água e tratar as bolhas nos pés.
Edwin explica por que os migrantes não reúnem suas últimas economias para pegar um meio de transporte público, em vez de enfrentar a difícil e perigosa marcha a pé: "Para andar de ônibus na Colômbia, você precisa de uma prova de identidade, mas os venezuelanos que estão aqui como ilegais muitas vezes não têm nenhuma. E o governo colombiano também não disponibiliza ônibus grátis, para não incentivar ainda mais o movimento dos refugiados."
O repórter viajou a convite da Sociedade Alemã para as Nações Unidas. A viagem ocorreu antes da tomada da ponte pelos venezuelanos. O texto foi alterado para refletir a nova situação no local.
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