"A política protege o agrotóxico glifosato"
22 de novembro de 2015Cerca de 12 milhões de argentinos vivem em áreas cercadas por campos de soja, borrifados constantemente com glifosato. Numa determinada província, o uso do pesticida aumentou sete vezes em dez anos, enquanto o número de casos de malformações congênitas quadruplicou, no mesmo período.
"A ligação entre o pesticida e câncer está comprovada em estudos científicos. Moradores de certas áreas rurais têm uma probabilidade três vezes maior de contrair câncer", garante, em entrevista à DW, Medardo Ávila Vázquez, farmacologista e especialista em pediatria de uma clínica de Córdoba, Argentina.
Vázquez também faz parte da rede argentina de Médicos de Pueblos Fumigados, que analisa os efeitos de pesticidas e realiza pesquisas epidemiológicas. Com informações objetivas e independentes, a rede de médicos quer alertar para os impactos das toxinas na agricultura.
"Podemos ver claramente que as pessoas adoecem mais devido ao glifosato. O problema é que a política protege o comércio de soja e o glifosato. Os cidadãos querem alimentos saudáveis. Uma atitude de 'para mim tanto faz' é inaceitável", alerta o médico.
DW: Que experiências o senhor teve com o pesticida glifosato, que é borrifado com frequência especial na Argentina?
Medardo Ávila Vázquez: Podemos ver claramente que as pessoas adoecem mais, devido ao glifosato. Elas adoecem com frequência desproporcional e contraem outras doenças. Elas desenvolvem câncer com frequência, especialmente do pulmão, da mama e do cólon. A ligação [entre o pesticida e câncer] está comprovada em estudos científicos.
Moradores de certas áreas rurais apresentam uma probabilidade três vezes maior de desenvolver câncer, e em algumas localidades de cultivo de soja essa doença foi identificada como principal causa de morte. No pequeno vilarejo de Monte Maíz constatamos, por exemplo, 35 casos de câncer somente no ano passado. De acordo com as estatísticas do Ministério da Saúde, deveriam ter sido apenas 11 casos. Temos, portanto, 24 casos adicionais de câncer.
Crianças e fetos são mais sensíveis a toxinas ambientais. Que observações o senhor faz nesta área?
Cerca de 12 milhões de argentinos vivem na área de cultivo de soja. Eles vivem em aldeias cercadas por campos de soja, onde se borrifa muito glifosato. Nós as chamamos de "pueblos fumigados". Nesses vilarejos, notamos que a taxa de abortos aumentou bastante. Normalmente ela é de 2% entre humanos e animais, mas nessas aldeias, a taxa gira entre 5 e 6%.
Além disso, lá o número de malformações congênitas aumenta acentuadamente. Na província de Chaco, que é área de cultivo de soja, notamos que o número de malformações quadruplicou entre 1997 e 2008. No mesmo período, o cultivo de soja na província aumentou em sete vezes. Eu trabalho numa clínica para recém-nascidos e vejo que muitas dessas crianças morrem.
Que medidas a política tem tomado?
O problema é que a política protege o comércio de soja e de glifosato. O cultivo de soja gera muito lucro e, portanto, arrecadações de impostos para o Estado. O governo minimiza os problemas de saúde que surgem, querendo que não sejam vistos. Mas os problemas são muito grandes, e assim fica cada vez mais difícil.
Quais são os problemas consequentes?
Este tipo de agricultura cria maiores custos com cuidados médicos, que não são pagos pelo poluidor. Este é o problema. Além disso, vemos que os alimentos são contaminados com glifosato e que os limites permitidos são excedidos. Até mesmo em nosso algodão há bastante glifosato, constatamos a sua presença em curativos, compressas e absorventes. Isso é muito perigoso, porque o glifosato é cancerígeno.
Qual seria a solução para a Argentina e sua agricultura?
Na agricultura, não devemos utilizar produtos cancerígenos. Os alimentos e também o algodão não podem estar comprometidos. A Organização Mundial da Saúde (OMS) determinou quais substâncias causam câncer e quais devem ser evitadas. Por essa razão, é necessário proibir o uso do glifosato.
Qual é a alternativa?
A agricultura não pode ser indiferente em relação aos pesticidas. Nossos filhos, vizinhos e concidadãos comem esses alimentos. Eles devem ser saudáveis e não estar contaminados com veneno. Uma atitude de "para mim tanto faz" é inaceitável.
É possível trabalhar com produtos menos tóxicos. Atualmente, porém, cada vez mais veneno é utilizado. Uma exploração agrícola com menos veneno é possível, mas requer mais trabalho, cuidado e atenção.
A Argentina está discutindo sobre o glifosato. Qual é seu prognóstico?
Em todas as províncias há um forte movimento de rejeitar a pulverização com glifosato. Alguns vilarejos proíbem fumigações em seus arredores, e veículos utilizados para este processo não podem entrar neles.
É um conflito entre o povo e a economia rural, que conta com grandes empresas como a Monsanto, Syngenta e Bayer. Os cidadãos querem alimentos saudáveis. Eles não querem ficar doentes, nem morrer de câncer. Eles exigem do Estado o máximo de proteção. Este é um conflito entre o direito humano à saúde e a indústria agrária, que quer ganhar dinheiro rápido.
Até então, os governos da América do Sul e da União Europeia protegem os interesses comerciais. Mas esses governos precisam agir. Uma sociedade séria deve proteger os direitos humanos e não apenas os interesses do capital.