A lenta queda de Gerhard Cromme, ícone da economia alemã
2 de agosto de 2013Gerhard Cromme foi quem, na qualidade de chefe do conselho de administração da Siemens, obteve a recente renúncia do ex-presidente-executivo Peter Löscher. Porém essa poderá ter sido uma vitória ilusória para o empresário de 70 anos. Para muitos, após a acidentada troca de poder no conglomerado, ele não passa de um chefe de conselho simbólico.
E, no entanto, não faz muito tempo que Cromme constava entre os mais poderosos protagonistas da economia alemã. No auge de sua trajetória, ele não apenas ditava os destinos da Siemens, como também da maior siderúrgica do país, a ThyssenKrupp. E, na qualidade de chefe da comissão governamental Deutscher Corporate Governance Kodex, codefiniu os padrões de boa governança corporativa na Alemanha.
De Krupp a ThyssenKrupp
A ascensão de Gerhard Cromme começou quando, em meados da década de 80, o patriarca do conglomerado de aço Krupp, Berthold Beitz, foi buscá-lo na fabricante francesa de vidro Saint-Gobain para encabeçar a siderúrgica alemã, então em crise. Nas décadas seguintes, Cromme marcou como nenhum outro o desenvolvimento da indústria do aço na Alemanha.
Sobretudo, ele mostrou não temer conflitos. Em 1987, os planos de Cromme, como presidente da divisão de aço, de fechar a tradicional unidade da Krupp em Duisburg-Rheinhausen, no oeste do país, desencadearam uma das mais duras batalhas trabalhistas da história da República Federal da Alemanha.
Menos de cinco anos mais tarde, então como presidente-executivo do conglomerado, ele deixaria nova marca na história da indústria, com a "primeira incorporação hostil do Vale do Ruhr [região conhecida pelo antigo boom de produção de aço e carvão na Alemanha]". Num golpe ousado, ele comprou a rival Hoesch e concentrou a produção siderúrgica em Duisburg (oeste).
Em seguida, iniciou sua obra máxima, com o codinome "Hammer und Thor" (Martelo e Thor, deus da mitologia nórdica que empunha a ferramenta): a ofensiva contra a líder do setor, a Thyssen, só concluída com a fusão de ambos os consórcios, resultando na criação da ThyssenKrupp. Inicialmente, dividiu com Ekkehard Schulz, da Thyssen, a direção do novo gigante siderúrgico, até assumir, em 2001, a presidência do conselho de administração.
Princípios rigorosos
Porém, já nessa época, a influência do alto executivo não se limitava ao setor do aço. Ele também já assumira a presidência da comissão Deutscher Corporate Governance Kodex, encarregada de elaborar regras de conduta para governança e controle de empresas alemãs listadas na bolsa de valores.
Gerhard Cromme não fez apenas amigos nesse posto, ao defender a publicação dos salários dos membros da presidência das empresas, e ao aconselhar que só em casos de exceção justificados fosse permitido a ex-presidentes-executivos integrarem imediatamente a chefia do conselho de administração. O descontentamento entre alguns dos atingidos por essa última sugestão foi tanto maior porque, pouco antes, o próprio Cromme havia realizado justamente essa mudança de cargo.
Cromme acumulou ainda mais poder em 2007, ao assumir também a presidência do conselho de administração da Siemens. Passou a administrar com mão de ferro a investigação de um bilionário escândalo de corrupção, considerado um dos piores da história empresarial da Alemanha. Um grande esquema de pagamento de propinas veio à tona em novembro de 2006.
Numa entrevista dada na época, o empresário censurou seus colegas: "Eu acho que os executivos precisam se ver bem mais como alguém que está servindo. A firma que dirigem não pertence a eles. Mas alguns têm se comportado como se fossem proprietários. Eles estavam numa 'ego trip', e isso vai ser castigado mais cedo ou mais tarde".
Nuvens negras no céu empresarial
Contudo, quase imperceptivelmente, a situação começava a sair do controle de Gerhard Cromme. No auge do boom mundial do aço após a virada do século, a ThyssenKrupp decidiu construir dois novos complexos siderúrgicos, no Brasil e nos Estados Unidos. Contudo, o projeto revelou ser um gigantesco equívoco, cujos custos bilionários ameaçavam arrastar para o precipício o conglomerado sediado em Essen.
Paralelamente, uma série de escândalos de corrupção abalava a ThyssenKrupp. Durante um longo período – talvez longo demais –, o presidente do conselho observou inativo a situação, até finalmente intervir, instituindo uma nova diretoria.
"A coisa deu totalmente para trás", admitiria Cromme no princípio de 2013, referindo-se à aventura de sua firma nos EUA. Ao mesmo tempo, contudo, o fiscal chefe da gigante siderúrgica se negava a tirar consequências pessoais do fiasco, embora este tivesse se desenrolado bem diante de seus olhos.
Tamanha autocomplacência causou irritação entre os acionistas da ThyssenKrupp. Na assembleia geral do início do ano, um deles chegou a tachar Cromme de "a maior frigideira antiaderente da República", devido à recusa deste em assumir responsabilidade pelo descarrilamento empresarial.
O prestígio do empresário se esfacelava. Mas ele só abandonou o cargo quando, em março último, o patriarca do grupo, Berthold Beitz, retirou sua confiança nele. Para Cromme, foi um dia terrível: não só ele perdia a presidência do conselho, como podia enterrar suas esperanças de, um dia, suceder a Beitz como presidente da Fundação Krupp – o que lhe teria permitido ficar comandando em segundo plano os destinos da gigante do aço, praticamente até o fim da vida.
Último bastião do poder
Desse modo, o cargo de presidente do conselho de administração na Siemens foi o que restou como último bastião de poder para o homem de negócios septuagenário. Porém nuvens negras também envolvem o ícone da indústria alemã.
Prognósticos de lucros não cumpridos, problemas técnicos com uma encomenda de trens de alta velocidade e com um parque off-shore de energia eólica fizeram a Siemens tremer cada vez mais nas bases. Gerhard Cromme puxou o freio de mão e o presidente-executivo Löscher foi destituído esta semana, num processo sumário.
A forma brutal como tudo isso ocorreu pouco teve a ver com as regras de boa conduta empresariais, que um dia o próprio Cromme pregou. Um fato que prejudicou ainda mais seu nome, já bastante arranhado pelo fracasso na ThyssenKrupp.
Agora já se especula que, em 2014 o presidente-executivo do Grupo Linde, Wolfgang Reitzle, possa substituir Cromme – o qual, ao que tudo indica, não soube reconhecer o momento certo de sair de cena.