A Itália, o euro e os populistas
14 de novembro de 2018Um cenário futuro para a Itália no ano 2020: o país é governado por uma aliança partidária populista cujo principal objetivo é deixar o euro. O governo fictício justifica sua posição afirmando que a moeda única europeia já não oferece mais vantagens e usando o slogan "os italianos acima de todos os outros", causando impacto em toda a Europa.
Assim é a sombria ficção política que o escritor e jornalista Sergio Rizzo publicou recentemente. Ele é um dos jornalistas mais conhecidos do país.
Em La notte che uscimmo dall'euro (A noite em que deixamos o euro), Rizzo descreve a saída do euro como consequência do nacionalismo, que avança não somente na Itália, mas também em outros países. Na sua história, a única coisa que ainda mantém a União Europeia (UE) unida é a moeda comum – até o fictício governo italiano cortar os laços econômicos europeus em 2020.
Na realidade, o governo populista da Itália está tentando enviar, ao menos quanto ao euro, sinais diferentes. Há poucos dias, o vice-primeiro-ministro Luigi Di Maio, do Movimento eurocético Cinco Estrelas, prometeu a permanência de seu país na zona do euro. No entanto, o governo quer manter o projeto de orçamento para 2019, rejeitado pela UE.
Di Maio mostrou-se pouco impressionado com possíveis punições. No final, a UE acabaria desistindo de sanções, já que seu país provavelmente receberia apoio de outros Estados do bloco – ou seja, de políticos de movimentos populistas que também se encontram no poder ou ao menos fortemente representados.
Segundo o aparente cálculo de Di Maio, os populistas provavelmente expandirão seu poder nas eleições europeias de maio.
"Os italianos acima de todos": o comunicado da saída da zona do euro na ficção política de Rizzo reflete uma questão central do populismo italiano. Seus representantes sempre souberam que nenhuma agenda política é mais bem sucedida do que o protesto contra o establishment – primeiro contra o italiano, depois contra a elite política europeia.
"Abbassi tutti" ("Abaixo a todos"): essa palavra de ordem foi usada pelo precursor do populismo italiano Guglielmo Giannini como slogan de seu periódico de grande sucesso, após a Segunda Guerra Mundial. Já o nome da publicação indicava o direcionamento ideológico: L'Uomo Qualunque, ou O homem comum.
A revista reivindicava para si a tarefa de proteger a população desfavorecida italiana do cinismo dos políticos profissionais. Segundo a acusação, esses políticos veriam seu poder principalmente como um "meio de fazer carreira; garantir emprego, salários, sustento; assegurar vantagens e fazer bons negócios".
Essa alegação se manteve latente até a década de 1960, para depois esvanecer – e ganhar novamente força no final dos anos 1980. No início da década de 1990, esse clima foi alimentado por um enorme escândalo de corrupção que perpassou todos os partidos políticos.
Seu centro geográfico: a metrópole econômica de Milão, que logo passou a ser chamada de "Tangentopoli" – algo como "propinópolis". A confiança dos italianos em seus políticos foi mais do que abalada – quase desapareceu.
O escândalo de "Tangentopoli" foi a base do sucesso de outro populista: o magnata da mídia Silvio Berlusconi. Ele também se apresentou como um antipolítico – fora do "sistema" e, portanto, capaz de tirar a Itália da lama como nenhum outro. Quem, se não ele, o homem que se fez sozinho, poderia salvar o país?
"Queremos que o povo governe o Estado, e não que o Estado governe o povo" foi uma das palavras de ordem de Berlusconi. Esse slogan aprofundava o conflito entre o povo e o Estado ou a elite, o que Giannini já havia conseguido antes.
Também é sabido: Berlusconi – que se autodefine um empresário acima de todas as ideologias e com pontos de vista puramente pragmáticos – não conseguiu resolver os problemas do país.
Para muitos italianos, o mal-estar com o Estado permaneceu – e assim também o desejo de resolver os problemas com as próprias mãos. Os dois parceiros da atual coalizão de governo, o Movimento Cinco Estrelas e a Liga, aceitaram essa tarefa de bom grado.
Desde a sua primeira participação no governo, em 1994, em especial o partido populista Liga teve que aprender que os problemas do país não conseguem ser resolvidos por supostos não políticos. Assim, ela apresentou um novo bicho-papão: o euro.
A moeda comum europeia passou a ser a mãe de todos os problemas do país. O combate ao euro – ou ao menos a promessa disso – garantia um potencial de mobilização quase inesgotável, algo do qual dependem partidos de protesto, como Liga e o Movimento Cinco Estrelas.
A persistente crise econômica de 2008 jogou lenha na fogueira dos populistas, e o euro virou cada vez mais um bode expiatório.
Os partidos tradicionais pouco tinham a oferecer perante o avanço dos novatos e apenas se revezaram em repetidas coligações. Isso foi e continua sendo um erro, explica Enrico Letta, cofundador do Partito Democratico – que emergiu de cristãos e social-democratas – e primeiro-ministro em 2013/14.
"Não acredito que uma aliança entre famílias partidárias sobreviventes do século 20 – socialistas e democrata-cristãos – possa ser a solução. Trata-se de uma reação defensiva que não é atraente para ninguém", afirmou Letta em entrevista à revista L'Espresso, em 2016.
Letta deixou a entender: os populistas italianos foram e também são bem-sucedidos porque investem contra um sistema relativamente hermético que não conseguiu nem consegue apresentar resultado em termos políticos nem econômicos. Mais e mais, no entanto, percebe-se na Itália, mas também na Alemanha, França e em outros países europeus, que os cidadãos estão perdendo a confiança nos partidos tradicionais.
Além dessa perda de confiança, alguns partidos operam com o medo, afirmou o jornal italiano Il Messaggero. A publicação chamou a atenção para dois objetos de preocupação dos alemães: a imigração e a catástrofe climática. Com esses temores, lucram de um lado os populistas e, do outro, os partidos ambientalistas, apontou o diário.
Na Itália, por outro lado, o euro é uma fonte fundamental de medo. Permanecer na zona do euro, como Di Maio prometeu, abre uma vantagem nada insignificante para os partidos populistas: eles poderiam continuar a criar um clima de animosidade contra a moeda comum europeia.
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