A destruição da cúpula dourada
23 de fevereiro de 2006Pouco conhecida fora do mundo muçulmano, Samarra é um dos principais santuários de perigrinação xiita e antiga capital dos califas abássidas, considerados pelos xiitas como descendentes de Maomé.
Desde a explosão na última quarta-feira (22/02), supostamente por extremistas sunitas, da mesquita xiita Al Asqari (a mesquita dourada de Samarra), a violência entre sunitas e xiitas aumenta diariamente no Iraque.
Um hospital de Baquba confirmou hoje que foram encontrados os corpos de 62 civis em Nahrawan, a 40 quilômetros de Bagdá, mortos a caminho de uma manifestação. Outros 50 já haviam sido vítimas de atos de retaliação. Várias mesquitas sunitas também foram atacadas.
Origens do conflito
Peter Philipp, analista da DW-WORLD, explica que cerca de um quinto da população do norte da África e do Oriente Médio pertence ao ramo xiita do Islã. No Irã, no Iêmen, no Iraque e em Barein, eles representam a maior parte da população. Já nos demais países muçulmanos, a maioria é sunita.
Xiitas e sunitas se diferenciam pela crença na sucessão do Profeta, o que também explica a importância do santuário de Samarra, onde, para os xiitas, estão enterrados o 10º e 11º imãs, descendentes de Ali, primo de Maomé, a quem o Profeta confiou o destino dos muçulmanos. Ali foi destronado pelos novos califas, que não foram reconhecidos pelos xiitas.
Mahdi, o 12º imã, filho de Hassan al Asqari, que deu o nome à mesquita, desapareceu ainda criança, escondido em Samarra, e é considerado pelos xiitas como o Messias, cuja volta ainda é esperada no intuito de que a dinastia direta do Profeta seja continuada.
Para os sunitas, os califas sempre foram mais importantes que os imãs. Apesar de estarem em minoria populacional, são eles quem dominavam a cena política iraquiana. Já no Irã, o ramo xiita do Islã é religião oficial desde o século 16, apesar de seus santuários encontrarem-se no Iraque.
Separar para reinar
"Terrorismo puro" é como o analista Peter Philipp considera a destruição da cúpula dourada do santuário Al Asqari na cidade de Samarra, a pouco mais de cem quilômetros ao noroeste de Bagdá.
Para Philipp, atrás dos atentados encontra-se um só objetivo: desestabilizar qualquer tipo de normalidade e provocar a rivalidade entre os grupos religiosos. Essa normalidade significaria o fim do poder político de certos grupos dominantes.
O Iraque tem uma tradição de Estado secular e se a divisão entre as diversas fracções religiosas puder ser ultrapassada, é interessante que política e religião continuem separadas, garantindo assim os direitos dos diversos grupos.
Philipp também vê um perigo simbólico no ataque a santuários religiosos, lembrando do ataque às mesquitas na Holanda, após a morte do cineasta van Gogh, e dos atuais ataques xiitas contra mesquitas sunitas. Dentro dessa lógica, um eventual ataque à Catedral de Colônia não seria de todo um absurdo, afirma Philipp.
Hoshyar Zebari condena a violência
Em entrevista à DW-WORLD, o ministro das Relações Exteriores do Iraque, Hoshyar Zebari, confirma a análise de Peter Philipp e comenta que o atentado de Samarra é a pior tentativa feita até agora para desestabilizar a unidade do país e levá-lo a uma guerra civil.
Quanto ao possíveis grupos que estão por trás do atentado, ele menciona todos os grupos interessados na desestabilização do Iraque, entre eles o Al Qaida e seus aliados sob o comando de Al Zarqawi.
Zebari está confiante que as autoridades políticas e religiosas conseguirão aniquilar o plano terrorista e evitar uma guerra civil, condenando também os ataques xiitas às mesquitas sunitas.
Ele salientou que chefes religiosos xiitas condenaram veementemente qualquer tipo de ataque a santuários sunitas e que todos trabalham para que se encerrem os atos de retaliação.