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"A desobediência civil é uma arma à nossa disposição"

3 de março de 2020

Ativista de causas socioambientais, Maria Esmeralda chegou a ser presa recentemente num protesto. Em entrevista, ela fala sobre as injustiças enfrentadas pelos povos indígenas e critica o passado colonial de seu país.

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A princesa Maria Esmeralda da Bélgica em protesto do movimento Extinction Rebellion
A princesa Maria Esmeralda da Bélgica em protesto do movimento Extinction RebellionFoto: Joe Taylor

Após deixar o trono da Bélgica, em 1951, o rei Leopoldo 3º decidiu se dedicar ao estudo livre da antropologia e entomologia. Em viagem de campo ao rio Orinoco, na Venezuela, encantou-se por um povoado de nome Esmeralda. Decidiu, então, que seria o nome de sua próxima filha. Aos 63 anos, a princesa Maria Esmeralda se orgulha de sua conexão com a América Latina. Ela é ativista de causas socioambientais, afirma-se feminista e defende uma discussão franca sobre o passado colonial de seu país.

Maria Esmeralda da Bélgica dispensa o tratamento protocolar. Em outubro do ano passado, ela foi presa durante um protesto do grupo Extinction Rebellion, do qual é militante. A princesa, que preside o Fundo Leopoldo III para Exploração e Conservação da Natureza desde a morte do pai, em 1983, defende a desobediência civil como plataforma de luta. No início de fevereiro, ela se encontrou com o cacique caiapó Raoni Metuktire, de 90 anos, em Londres. Trata-se de um velho conhecido da família: Leopoldo 3º o conheceu no Parque Indígena do Xingu em 1966.

"Os povos indígenas são sempre as primeiras vítimas. Eles estão preservando a biodiversidade para todos nós, para o futuro dos nossos filhos. É uma injustiça terrível, e eu acho que suas vozes precisam ser ouvidas. Temos muito a aprender com a forma como eles vivem, em harmonia com a natureza", diz, em entrevista à DW.

DW Brasil: Como começou seu envolvimento com o ativismo?

Princesa Esmeralda: Nos anos 1970, meu pai criou uma fundação destinada a preservar a natureza e explorá-la cientificamente, bem como proteger a cultura e os direitos de comunidades indígenas ­– especialmente na América do Sul, porque havia estado muitas vezes no Brasil. Quando ele morreu, em 1983, eu assumi a presidência dessa fundação. Portanto, meu envolvimento com essas lutas começou muito cedo. Mas é claro que, com o colapso climático e todos os problemas que enfrentamos agora, tenho me dedicado mais e mais ao ativismo.

"Grande parte dos problemas atuais remonta ao colonialismo"

Quais são os temas que movem sua ação?

Além da enorme desigualdade que vemos no mundo, há injustiça em relação às comunidades indígenas. Porque elas sempre preservaram a biodiversidade. Embora elas representem 5% da população mundial, são responsáveis por 80% da biodiversidade do planeta. E elas sempre foram assassinadas ou removidas. Inicialmente, pelo colonialismo, mas esse processo continua agora, com todas as empresas multinacionais ligadas à mineração, exploração de petróleo e outras atividades que tiram riquezas do solo. Os povos indígenas são sempre as primeiras vítimas. Eles estão preservando a biodiversidade para todos nós, para o futuro e também nossos filhos. É uma injustiça terrível, e penso que suas vozes precisam ser ouvidas. Temos muito a aprender com a forma como eles vivem, em harmonia com a natureza.

De quais protestos você participa?

Eu participo de diversas ações, como a marcha das mulheres e os protestos da Juventude pelo Clima, que também tento apoiar, porque os jovens vêm fazendo um trabalho incrível. Evidentemente, não só a Greta Thunberg. Ela é a mais famosa, mas há jovens ativistas em toda parte pelo mundo. Existe uma grande diversidade, e deveríamos encorajar as pessoas a conhecê-los.

Além disso, participo das ações do Extinction Rebellion, um grande movimento que começou no Reino Unido e agora está em 45 países. Eles tentam unir cidadãos de todas as camadas da sociedade em nome da desobediência civil não violenta. A ideia é aumentar a consciência sobre o que vivemos e dizer aos governos: sua inércia é criminosa, por isso estamos aqui para bloquear, por exemplo, uma parte da cidade ou um aeroporto.

Portanto, você estimula a desobediência civil como forma de luta contra injustiças socioambientais?

Creio que nós tenhamos usado todos os meios. Já foram organizadas tantas marchas, protestos e conferências para mostrar a importância de agirmos. Francamente, a ação não está vindo. É claro que há toda a sorte de ideias e projetos, mas a transformação grande e radical não está acontecendo. Portanto, penso que a desobediência civil é uma arma à nossa disposição. Digo novamente: de forma não violenta. Funcionou no passado, na Índia, com Gandhi; na África do Sul, contra o apartheid; na luta pelo direito ao voto, na Inglaterra. Faz parte da história, mas é preciso reunir uma grande parte da população.

Maria Esmeralda da Bélgica em encontro com Raoni em Londres, em fevereiro de 2020
Maria Esmeralda da Bélgica em encontro com Raoni em Londres, em fevereiro de 2020Foto: Privat

Você esteve recentemente com Raoni, a mais expressiva liderança indígena do Brasil. Qual é sua relação com ele?

Raoni é uma pessoa realmente notável. Conheci-o quando veio à Europa com o cantor Sting, muito tempo atrás. Meu pai passou vários meses na Amazônia, dentro do Parque do Xingu, com os irmãos Villas-Boas. Ele esteve lá diversas vezes nos anos 1960 e tirou algumas fotos do então jovem Raoni. Mostrei essas imagens a ele quando nos reunimos com Sting.

Ele já tinha vindo à Europa no ano passado, durante as queimadas na Amazônia, a fim de chamar atenção para esse problema. No início de fevereiro, nos encontramos em Londres, e é incrível a energia, perseverança e coragem que ele tem para seguir em atividade. Obviamente, a situação é muito difícil e perigosa no momento. Por isso, suas mensagens são muito importantes.

Você participa de ações ligadas à Amazônia?

Estou tentando fazer o possível pela Amazônia. Como já disse, participando de eventos e escrevendo sobre isso. Precisamos do apoio do Reino Unido e da Europa, porque, de certa forma, somos cúmplices da situação, uma vez que compramos produtos do Brasil que vêm de lugares onde não deveriam ser cultivados ou extraídos, como a soja, o ouro e a carne. É muito importante haver essa pressão sobre governos e empresas, para que não participem disso.

Muitos dos problemas socioambientais enfrentados hoje pelos países em desenvolvimento têm origens no colonialismo. A Bélgica teve um papel bastante ativo na África, com participação de pessoas da sua família. Como você lida com esse fato?

Para mim, o problema do colonialismo é muito real. Grande parte da raiz do que está acontecendo hoje remonta ao colonialismo e àquela forma de extrair riquezas. O fato de que nós, na Europa, construímos nossa prosperidade a partir de coisas que pertencem aos países em desenvolvimento é, obviamente, uma total injustiça, e remonta a um período muito doloroso. Pessoalmente, acho que devemos admitir isso. Infelizmente, os países europeus ainda não fizeram isso ­– um pouco, mas não tanto quanto deveríamos. Para seguir em frente e virar a página, precisamos reconhecer o problema e ter esse diálogo. O envolvimento da Bélgica é uma página sombria da história da África. Acredito que nós possamos, agora, construir pontes e conversar. Mas não devemos esquecer o passado. Devemos reconhecer que isso foi um crime, mas tentar fazer pontes.

Nesse sentido, você acredita que estar à frente de uma fundação que leva o nome do seu pai deslegitima sua luta de alguma maneira?

Quem participou desse processo foi Leopoldo 2º, no Congo colonial. Meu pai só era seu sobrinho. Foi uma época completamente diferente. Mesmo assim, o nome é associado à minha família. É natural que assim seja, tratando-se de um ancestral. Mas não acho que os descendentes sejam responsáveis pelo que os antepassados fizeram, embora nós não possamos esconder essa história e tenhamos que falar sobre ela.

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