Um milagre brasileiro
14 de julho de 2014A Copa do Mundo do Brasil não poderia ter sido mais brasileira. O Mundial ignorou planos e quebrou previsões. A espontaneidade e as surpresas, dentro e fora dos campos, fizeram do torneio um imprevisível passeio de montanha-russa, que tira o fôlego e emociona ao mesmo tempo.
"O Brasil mostrou a sua cara: festeiro, alegre e hospitaleiro, mas incompetente em planejamento e administração de custos", resumiu o jornal carioca O Globo. "A Copa, indiscutivelmente, foi um sucesso. Mas, a partir de amanhã, volta a dura realidade do cotidiano." As palavras do mais importante jornal fluminense disseram tudo.
Nas semanas anteriores ao início do torneio, poucos acreditavam no sucesso do megaevento esportivo. A Fifa havia criticado o atraso na construção dos estádios. E a população demonstrara seu descontentamento em relação aos investimentos em infraestrutura que foram anunciados e depois se mostraram promessas vazias.
Copa das Copas?
De acordo com o Ministério do Turismo, das 70 obras propostas para ampliar a infraestrutura de transporte, apenas 24 foram entregues. "Se tivéssemos mais VLT, mais BRTs, uma malha urbana mais preparada, de fato nós nem questionaríamos se essa tivesse sido a melhor Copa de todos os tempos", declarou o ministro do Turismo, Vinícius Lages.
A Fifa parece não se incomodar mais com isso. Muito pelo contrário. O número recorde de espectadores e ingressos esgotados fizeram o presidente da Fifa, Joseph Blatter, comemorar a Copa como um grande sucesso. "Os estádios são maravilhosos, a preparação das cidades-sede foi exemplar", elogiou. "Agradeço ao povo brasileiro por seu apoio."
No entanto, o Brasil não está mais no banco dos réus, mas a Fifa. A polícia brasileira está investigando funcionários da federação e seus parceiros, que estariam envolvidos na venda ilegal de ingressos do Mundial. Mas na Copa das Copas – segundo o slogan do governo brasileiro –, não foi só a Fifa que caiu do cavalo.
O governo brasileiro também não lucrou com o evento. A presidente Dilma Rousseff elogiou e consolou a Seleção, mas isso não fez sua popularidade aumentar. Assim como na abertura do evento, ela voltou a ser vaiada na final no Maracanã.
Goleadas e surpresas
A Copa do Mundo também serviu como teste para a capacidade de sofrimento dos torcedores brasileiros. No próprio país, a Seleção foi goleada pela Alemanha. Mas o alívio foi grande quando, após uma longa batalha, os alemães derrotaram a Argentina no Maracanã.
Foi uma Copa cheia de surpresas. Seleções desconhecidas como a Costa Rica e a Colômbia triunfaram. Já campeões mundiais, como a Espanha e a Itália, foram inesperadamente eliminadas na primeira fase do torneio. Dentro e fora dos estádios, o clima mudou em relação ao Mundial: os protestos diminuíram, e a empolgação dos brasileiros aumentou.
Já em 19 de junho, no jogo Inglaterra contra Uruguai em São Paulo, a maioria dos brasileiros não desgrudou os olhos da tela. Apenas algumas centenas de manifestantes nas proximidades dos estádios relembraram os protestos em massa que tomaram conta do país um ano antes, durante a Copa das Confederações.
"O que leva meia dúzia de manifestantes a destruir o patrimônio público só porque acham que representam 200 milhões de compatriotas?", questionou o estudante Douglas Guedes, de Brasília. "Eu não sei quem é pior, o governo corrupto ou um bando de baderneiros que querem chamar atenção."
Segunda descoberta do Brasil
Manifestantes, Dilma, Blatter e o técnico Luiz Felipe Scolari – nenhum deles saiu ileso dessa Copa. Somente a população brasileira ganhou simpatizantes, com sua hospitalidade tendo feito do Mundial uma grande festa. Isso vale especialmente para os moradores das favelas do Rio de Janeiro.
As comunidades cariocas não foram apenas uma opção de acomodação barata do que os hotéis de Copacabana. Ao se reunir para assistir aos jogos, moradores interagiram com estrangeiros, deixando muitos deles impressionados com a arte da sobrevivência e a simpatia de quem vive nos morros da cidade.
Dividida entre ricos e pobres, entre a alegria e tristeza, entre protesto e patriotismo, a Copa do Mundo proporcionou aos fãs do futebol a oportunidade de conhecer o maior país da America Latina para além dos clichês do samba, do sol e do carnaval. O Brasil mostrou a sua cara. E no dia da final, o país já olhava para o futuro: "Somente 754 dias até as Olimpíadas", escreveu O Globo.