A classificação dos vinhos alemães
Publicado 24 de março de 2018Última atualização 4 de setembro de 2020Nos meus primeiros tempos de Alemanha, cada ida ao supermercado era uma aventura enogastronômica. Não apenas as prateleiras de queijos ou chocolates me pareciam um deslumbre, mas também a de vinho. Era difícil acreditar nos preços – e mais difícil ainda saber diferenciar uma garrafa da outra em meio a tantos termos desconhecidos: lieblich, Spätlese, Qualitätswein…
Sete anos depois, continuo maravilhada com as seções de vinhos, agora menos perdida quanto às classificações da bebida na Alemanha. Para começar, o vinho é diferenciado quanto à doçura.
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Trocken é o termo usado para vinhos secos, com no máximo 9 gramas por litro de açúcar residual. São vinhos quase completamente ou completamente fermentados. Por conter pouco açúcar não fermentado, costuma-se perceber mais a acidez num vinho trocken.
A seguir, vêm a categoria halbtrocken, ou seja, meio-seco. São vinhos levemente doces. Podem conter até 18 gramas por litro de açúcar residual se a quantidade de açúcar não superar a de ácido em mais de 10 gramas. A fórmula é: ácido + 10 = no máximo 18. Em geral, os vinhos halbtrocken são meus favoritos – sejam brancos ou tintos. Mas tudo depende de que prato acompanham, é claro.
Adoro o nome da próxima categoria: lieblich, termo usado desde para descrever uma pessoa amável, até para vinhos doces, com até 45 gramas por litro de açúcar residual. O riesling lieblich é muito comum, por exemplo. Há quem ache doce demais, mas eu gosto.
Por fim, há a categoria süß, que significa doce, literalmente, e compreende vinhos com mais de 45 gramas de açúcar por litro.
Classificação por qualidade
Além da divisão por doçura, os vinhos alemães também são classificados quanto à qualidade. E essa parte é um pouco mais complexa.
Os vinhos mais básicos são indicados com o termo Deutscher Wein (literalmente, vinho alemão), que substituiu a antiga denominação Tafelwein (vinho de mesa). Estes vinhos devem ser feitos somente com uvas locais de vinhas aprovadas, mas as exigências quanto à qualidade não são tão altas como nas outras categorias. Em relação aos demais grupos, o Deutscher Wein é pouco produzido na Alemanha.
A seguir, vem a categoria intermediária Deutscher Landwein. Diferentemente do grupo mais básico, este inclui apenas vinhos com origem geográfica protegida. Trata-se de um tipo de vinho descomplicado, típico de uma determinada região, geralmente com rótulo simples. É produzido principalmente nas versões trocken e halbtrocken.
A Alemanha tem um total de 26 regiões produtoras de Deutscher Landwein. Ainda tenho muitas para explorar, mas conheço bem a do vale do rio Ahr, afluente do Reno, onde é produzido o Ahrtaler Landwein. A região é um charme. Fazer uma caminhada dos vinhedos de uma cidadezinha aos da seguinte, como de Mayschoss a Altenahr, é encantador. Melhor ainda se coincidir com uma das festas do vinho que animam as praças locais, geralmente nos fins de semana de agosto a outubro.
A seguir, há a categoria Qualitätswein, que inclui a maior parte dos vinhos produzidos na Alemanha. Para receber esse selo de qualidade, o vinho deve proceder 100% de umas das 13 regiões vinícolas autorizadas do país (Anbaugebiete), como Mosel, Baden ou Franken. Além disso, deve passar por uma análise de qualidade regulamentada, que inclui um controle sensorial do vinho.
No topo da pirâmide da qualidade está a categoria Prädikatswein, para a qual são necessários o mais altos requisitos de qualidade, levando em conta aspectos como harmonia e elegância. Portanto, se quiser impressionar num jantar ou ao presentear alguém, escolha uma garrafa de Prädikatswein.
A este tipo de vinho não pode ser adicionado açúcar durante o processo de produção, e há seis subcategorias de Prädikatswein: Kabinett, Spätlese, Auslese, Beerenauslese, Trockenbeerenauslese e Eiswein.
A denominação Kabinett é a mais básica e indica vinhos leves e delicados, com baixo teor alcoólico.
Os vinhos Spätlese são feitos com uvas cultivadas em regiões com bastante sol e colhidas mais tarde que as dos Kabinett (em alemão, spät quer dizer tarde), ao menos sete dias após a colheita usual. Por as uvas serem mais maduras, contêm mais açúcar. Mas o vinho resultante pode ser tanto doce quanto seco.
Os vinhos Auslese, por sua vez, são feitos com uvas mais maduras ainda e selecionadas. Uvas danificadas ou que não estiverem no ponto certo de maturação ficam de fora do processo de produção. A maioria dos vinhos dessa categoria são doces, mas existem versões trocken.
No caso dos Beerenauslese, a seleção é mais minuciosa ainda, feita bago por bago. Dá um trabalhão, e, por isso, esse tipo de vinho é produzido em pequena quantidade. As uvas usadas são extremamente maduras, no estado chamado de podridão nobre – atacadas, mas não danificadas, pelo fungo Botrytis cinerea, o que só ocorre em condições climáticas específicas. O resultado é um vinho com altíssimo teor de açúcar e baixo teor alcoólico.
Mais no topo ainda quanto à qualidade, estão os Trockenbeerenauslese. Eles são feitos com bagos secos (lembram uvas-passas), supermaduros e selecionados. Também são vinhos bastante doces, com aspecto de mel. Como são necessárias condições climáticas muito específicas, não é possível produzir essa categoria todos os anos, o que a faz ser considerada nobre. Portanto, se tiver a chance de degustar um Trockenbeerenauslese, considere-se uma pessoa privilegiada.
Mas se você achou esse último tipo de vinho especial, é porque ainda não conhece o Eiswein. Ele é feito com uvas congeladas! Isso significa que as uvas são deixadas nas videiras até o auge do inverno e que há o risco de perder toda a colheita. As uvas são colhidas a uma temperatura de - 7 °C para baixo e prensadas imediatamente. O vinho resultante é denso e com alto teor de açúcar, ideal para a sobremesa. Ainda não tive a chance de provar essa iguaria das vinícolas alemãs. Quem sabe depois do próximo inverno?
Toda semana, a coluna Pitadas traz receitas, curiosidades e segredos da culinária europeia, contados por Luisa Frey, jornalista aspirante a mestre-cuca.