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A arriscada história da vacinação

Farah Aqel
20 de julho de 2020

A pandemia de covid-19 trouxe o anseio por uma vacina contra o novo vírus. Hoje considerado praxe, método de imunização surgiu a partir de procedimento do século 18 para combater a varíola que podia até levar à morte.

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Vacinação contra varíola em escola da Inglaterra em 1962
Vacinação contra varíola em escola da Inglaterra em 1962Foto: picture-alliance/United Archives/TopFoto

Desde o início da pandemia de covid-19, esperamos por uma vacina que nos devolva nossas vidas normais. Infelizmente, contudo, o processo de produção moderna de vacinas leva tempo e está longe de ser fácil.

Depois que as moléculas certas são descobertas, a vacina precisa passar por uma série de ensaios clínicos e pré-clínicos nos quais é testada em animais e em humanos. Em seguida, uma empresa deve solicitar a aprovação do órgão de saúde pública competente do país ou região de produção. Quando aprovada, uma vacina deve ser produzida e distribuída em massa, possivelmente no mundo todo.

Em séculos passados, porém, produzir uma vacina não era uma tarefa tão complicada.

No que consiste a vacinação?

O conceito de vacinação é bastante simples e se baseia na resposta do nosso sistema imunológico: sempre que ele encontra um corpo estranho causador de uma doença na forma de um vírus ou bactéria, produz anticorpos contra uma parte ou mais partes dele. Após um segundo encontro, os anticorpos capturam o patógeno e impedem que ele provoque doenças.

Como algumas patologias são fatais ou causam sintomas graves, é melhor evitá-las de uma vez por todas, se possível, por meio da vacinação. Uma vacina contém vírus ou bactérias inativos ou fracos que o corpo pode usar como modelo para produzir anticorpos sem adoecer. Embora algumas vacinas provoquem sintomas como febre leve ou fadiga, elas geralmente não são tão ruins quanto os causados pelas doenças de verdade.

De quem foi a ideia da vacinação?

Em 1796, o médico e cientista inglês Edward Jenner testou o primeiro procedimento de vacinação, contra a varíola, usando material de uma lesão causada pela varíola bovina, uma enfermidade causada por um vírus semelhante. Hoje, Jenner é amplamente conhecido como o "pai da imunologia".

Curiosamente, no entanto, Jenner não descobriu a vacinação, e sim apenas popularizou um conceito comum chamado de "variolação". Na época, variolação significava usar as crostas secas de um paciente com varíola para dar imunidade a outra pessoa. Em uma pessoa variolada, a doença se manifestava de maneira mais suave.

Muitos de nós tivemos catapora, também chamada de varicela, mas essa doença é muito diferente da varíola apesar do nome semelhante: embora ambos os vírus ataquem as células da pele e formem uma erupção cutânea, a varíola é mais drástica, e os sobreviventes ficam com cicatrizes severas, fazendo desta enfermidade uma das mais mortais de que se tem conhecimento. Trinta em cada 100 pessoas infectadas pela varíola costumavam morrer da doença.

Variolação

Como mencionado acima, a variolação usava crostas secas da varíola que abrigavam o vírus. Diversos métodos surgiram na sequência.

Alguns médicos esfregavam as crostas secas na pele da pessoa que deveria ser imunizada. Já os chineses moíam as crostas secas até reduzi-las a pó, para então expô-las a vapor quente, danificando assim as partículas virais e reduzindo a quantidade de infecção com potencial de ser transmitida. O pó era então assoprado no nariz da pessoa a ser imunizada.

Na Europa, o método mais popular de variolação era a inoculação: a amostra de varíola obtida de um paciente ou vítima era injetada em um indivíduo por via subcutânea com a ajuda de uma agulha. Hoje em dia, soa um tanto bárbaro inserir em alguém uma agulha que contenha um vírus perigoso, principalmente levando-se em conta não haver garantia de sobrevivência no procedimento. Mas a varíola era um assunto tão sério que, para muitos, o risco parecia valer a pena.

Onde começou a variolação?

A variolação remonta a China, Índia e Península Arábica, embora a origem não seja muito clara. A prática chegou a Constantinopla, hoje Istambul, trazida por pessoas vindas do norte da África ou pelos árabes.

Entusiasta de alto escalão

Em 1718, Lady Montague, esposa do então embaixador britânico, decidiu variolar o filho em Constantinopla após tomar conhecimento da prática. Ela mesma já havia sido infectada com varíola, tendo ficado com cicatrizes severas que deformaram seu rosto.

Quando voltou para casa, comunicou a ideia a seus amigos e membros da família real, que decidiram se submeter ao procedimento. Foi uma atitude muito inteligente, pois uma epidemia de varíola se alastrava pela Europa na época.

Ilustração mostra Edward Jenner vacinando menino de 8  anos com varíola bovina, em 1796
Ilustração mostra Edward Jenner vacinando menino de 8 anos com varíola bovina, em 1796Foto: picture-alliance/Mary Evans Picture Library

Em 1721, um cirurgião escocês, Charles Maitland, realizou um teste de variolação em seis prisioneiros. Todos sobreviveram e, quando expostos à varíola, mostraram-se protegidos ou "imunes", para usar um termo da medicina moderna.

Maitland também variolou duas princesas do País de Gales, o que colocou a prática em moda na Europa. Na América colonial, a variolação foi introduzida por escravos africanos, com testes realizados em Boston pelo reverendo Cotton Mather.

A variolação não é isenta de riscos. Na verdade, indivíduos variolados podem espalhar o vírus e até morrer. No entanto, a taxa de mortalidade era significativamente menor (1 em 100) quando uma pessoa adquiria o vírus por variolação, em contraste com quando se infectava naturalmente (30 em 100). No século 18, esse era provavelmente considerado um risco aceitável. Os indivíduos variolados também apresentavam uma forma mais leve de varíola do que aqueles infectados por acaso, pois as crostas secas usadas no procedimento apresentavam uma forma mais fraca do vírus.

Os avanços de Jenner

O fato de que aqueles que ordenhavam vacas não se infectarem com varíola era conhecimento no século 18. A explicação estava na infecção anterior com a varíola bovina, que pertence à mesma família do vírus da varíola comum e compartilha semelhanças estruturais com ele. Assim, ao produzir anticorpos contra a versão bovina, o corpo humano também se protege contra a varíola.

Jenner descobriu que uma ordenhadora de leite, Sarah Nelmes, tinha varíola bovina. Com vírus extraídos de pústulas nas mãos da mulher, ele inoculou então James Phibbs, um garoto de 8 anos de idade. Meses depois, Jenner expôs o garoto à varíola, e o menino não foi infectado. Seu experimento foi repetido em outras pessoas com sucesso.

Em 1801, Jenner publicou A origem da inoculação de vacinas e ficou conhecido como o descobridor da vacina moderna. O termo vacina é derivado da palavra "vacca", que significa vaca em latim, já que Jenner usou a varíola bovina para provar sua observação.

Vacinação, uma história de sucesso 

A vacinação para combater a varíola começou em 1796. Ao contrário da variolação, que usava o vírus da varíola, a vacinação seguiu o exemplo de Jenner de usar o vírus da varíola bovina, menos perigoso, para criar imunidade contra a varíola.

No início, os médicos usavam uma agulha portadora do patógeno bovino e o inoculavam arranhando a pele da pessoa. Mais tarde, a seringa foi inventada, facilitando a administração da vacina.

Em 1959, a Organização Mundial da Saúde iniciou uma campanha global de erradicação da varíola. Depois que muitos desafios foram superados, a entidade anunciou em 1980 que a doença havia sido erradicada.

O vírus da varíola percorreu a Terra por 10 mil anos e matou bilhões de pessoas, com um número de mortes estimado entre 300 milhões e 500 milhões só no século 20. A vacina não apenas impediu muitas mortes, mas também salvou milhões de terem que suportar cicatrizes ou deformidades pelo resto de suas vidas.