"A alternância na política é muito saudável"
22 de janeiro de 2006Após 17 anos na presidência do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) em Washington, o uruguaio Enrique Iglesias decidiu enveredar por novos rumos em sua carreira de diplomata para encabeçar a Secretaria Geral Ibero-Americana (SEGIB) em Madri.
A SEGIB aspira a que as 22 nações ibero-americanas falem com uma só voz. Ao mesmo tempo, a instituição atua como ponte entre a América Latina e a Europa. Neste sentido, está participando dos preparativos para a Cimeira Euro-Latino-Aermicana, que se realizará em Viena em maio próximo.
Iglesias sublinha a importância da clara vitória de Evo Morales na Bolívia, o que facilitará sua gestão poltítica. A DW-WORLD conversou com ele, antes de sua partida para a posse do nove presidente, sobre os governos de esquerda na América Latina, as relações entre energia e política e os vínculos com a Europa.
DW-WORLD: Após as vitórias eleitorais de Michelle Bachelet no Chile e de Evo Morales na Bolívia, como o sr. avalia o que alguns chamam de "guinada à esquerda" na América Latina?
Enrique Iglesias: Para começar, estamos diante de processos distintos. Não se deve esquecer que o Chile apostou na continuidade, enquanto na Bolívia houve uma opção pela mudança. Não sei se se pode falar de guinada à esquerda. Isso faz parte de uma dinâmica que eu não sei como chamaria. Hoje em dia há um inconformismo diante dos dividendos sociais das políticas recentes. Há um desejo de um Estado mais ativo, entre outras coisas, para enfrentar precisamente os déficits sociais, e há também um desejo de maior participação dos cidadãos.
No entanto, há quem veja com preocupação que governos como o de Hugo Chávez, na Venezuela, e agora o de Evo Morales, na Bolívia, disponham de importantes reservas energéticas das quais poderiam se utilizar para fins políticos.
Acontece que os recursos energéticos são uma variável muito importante no mundo moderno, e em todas as partes. E claro que sempre há objetivos de tipo político, mas aqui o que se está colocando sobre a mesa não é extamente isso. As coisas que vejo agora, como o anel energético, as iniciativas da Venezuela de construir grandes gasodutos na América Latina, são boas para a parte econômica, qualquer que seja a maneira de vê-las.
Os países que têm recursos energéticos têm uma capacidade de colaboração e de participação muito significativa nos aspectos das relações políticas. Agora, são muitos os países que têm recursos energéticos na América Latina, é uma região que foi muito favorecida pela natureza nesse sentido. O caso do gás, o caso dos oleodutos, inclusive o da energia elétrica, tudo isso faz com que a região possa ter em matéria de energia um panorama tremendamente positivo nas póximas décadas.
Falando concretamente da presidência de Evo Morales, muitos se preocupam com a reação dos Estados Unidos perante um discurso nacionalista em questões energéticas ou referentes às plantações de coca.
Bem, vejamos o que disse o secretário-adjunto para Assuntos Latino-Americanos dos Estados Unidos. O senhor [Thomas] Shannon está disposto a negociar e dialogar. Ele mesmo se encontrou com o embaixador dos Estados Unidos e creio que vá se encontrar proximamente com autoridades do país, de maneira que se nota de ambas as partes um desejo de diálogo e de compreensão que deixa para trás muitas suspeitas e suposições. Tomara que seja assim, eu creio que sim.
Também na Europa se olha atentamente, e não sem preocupação, para a América Latina. Agora se prepara a Cimeira Euro-Latino-Americana de maio, em Viena. Que mensagem se pode passar às autoridades européias sobre o panorama político latino-americano?
Em primeiro lugar, a Europa não deveria se surpreender com a chegada de governos de esquerda. Aqui [na Espanha] temos um governo socialista, e há outros países europeus que já tiveram um ou o têm agora. A alternância política entre governos é um fato muito comum na Europa e muito saudável na democracia. É preciso neste momento ver que a América Latina é uma região com maturidade política. As eleições realizadas no Chile, na Bolívia, e recentemente em Honduras, mostram que há uma democracia que está funcionando. É um continente onde a democracia é muito importante e onde os direitos humanos contam muito. O fato de existir essa América Latina com tal maturidade política deve ser um bom elemento para apostar nela muito mais do que se está fazendo agora.