"2019 não está muito longe de 1930", diz autora judia
20 de abril de 2019Ruth Weiss nasceu em 26 de junho de 1924 em Fürth, Baviera, como Ruth Löwenthal. Em 1936, sua família emigrou para a África do Sul e abriu uma mercearia em Johanesburgo. Como jornalista, ela lutou contra o apartheid, motivo por que foi forçada a deixar o país em 1966. Morou na então Rodésia do Sul (atual Zimbábue), na Zâmbia e em Londres. Em 1992 retirou-se para a Ilha de Wight para escrever. Dez anos mais tarde retornou para a Alemanha, morando em Lüdinghausen, na região de Münster. Desde 2015 vive com o filho, na Dinamarca.
Aos quase 95 anos, ela se encontra em turnê pela Alemanha, onde acaba de ser lançado o sexto volume de seu ciclo de romances, Die Löws – Nachspiel. Eine jüdische Familiensaga in Deutschland. (literalmente: "Os Löws – Postlúdio. Uma saga familiar judaica na Alemanha"). A DW a entrevistou sobre o país antes e agora.
DW: O novo volume de sua grande saga familiar, contada ao longo de 350 anos, acaba de ser publicado. Esse livro nos leva até o ano de 2015: neonazistas, a morte de uma requerente de asilo. O que a senhora queria contar com a história de Pippa, a bisneta do judeu alemão Adolph Löw?
Ruth Weiss: Que há uma grande ruptura entre a geração de hoje e o que aconteceu no passado. É um longo tempo, embora não se tenham passado nem 100 anos desde o início do nazismo. Os descendentes são como a personagem principal do meu romance, que se muda para uma casa herdada sem se preocupar a quem ela pertencia antes. Só um incêndio lhe dá o impulso de investigar. É então a primeira vez que ela é confrontada com a história de sua família.
O assunto também é reconciliação?
Sim, se trata de reconciliação. A compreensão surge através de histórias particulares, não da grande política.
A senhora vai continuar sua narrativa?
Depende da editora. A princípio, na verdade, meu ciclo de romances não foi concebido como uma saga familiar. Depois que me aposentei, estive em Fürth, onde nasci, e comecei a ler histórias judaicas do passado, começando no século 17. Foi quando eu descobri que os judeus sem teto naquela área tinham um grande problema na época: não podiam permanecer num lugar por mais de 72 horas. Então vagavam de uma comunidade judaica para outra. Mas por causa do grande número de propriedades dos governantes, e por eles terem que pagar algo cada vez que cruzavam a fronteira, era um fardo enorme para essas pessoas pobres. Comecei a escrever minha história, e depois do primeiro volume a editora quis uma continuação.
A senhora tem programação cheia nesta turnê: leitura numa escola pela manhã, entrevista extensa à tarde, à noite mais uma leitura e bate-papo. Por que ainda considera tão importante contar sua história pessoal e outras narrativas na forma de romance?
Não sou sobrevivente de nenhum campo, claro. Sou uma sobrevivente que teve a tremenda sorte de emigrar e também de poder escrever. Isso significa que aprendi a comunicar como era na época – e foi realmente muito tempo atrás. Acredito que isso é importante, sobretudo para os jovens. Enquanto puder, quero seguir fazendo isso.
Como reagem os jovens, em geral?
Surpreendentemente interessados. Nos dias em que estive em turnê de leitura, não tivemos transtornos, ninguém se levantou, foi embora ou se comportou mal. Pelo contrário: desta vez houve muito mais perguntas do que o usual. Acho que tem a ver com a atual situação política, que hoje em dia também haja refugiados, muito mais do que no meu tempo.
A senhora cresceu num vilarejo perto de Nurembergue. Com a tomada do poder pelos nazistas, a vida se tornou insuportável para a sua família. A senhora se mudou para Fürth, onde frequentou a escola secundária judaica. Quais são suas lembranças desses dias?
Os anos no vilarejo e na escola foram muito bons. Nós, as crianças, estávamos completamente integradas. Meus pais, é claro, não pertenciam ao lugar. Havia um assentamento, e é lá que vivíamos, éramos os únicos judeus. Logo ao lado morava o professor. O que ignorávamos é que ele era um membro do NSDAP [o partido nacional-socialista]. A influência dos nazistas foi tão grande que, mesmo no vilarejo, a mudança se deu de forma muito rápida.
Em 1936, aos 12 anos, a senhora emigrou com sua família para a África do Sul. Por que esse país?
Em abril de 1933, meu pai tinha perdido o emprego. Ele tinha parentes emigrados para a África do Sul no início do século 20 e que estavam dispostos a afiançá-lo. Naquela época, a África do Sul ainda estava aberta a imigrantes, havia demanda de brancos. Pelo menos até perceberem que tínhamos a cor da pele certa, mas a religião errada.
Primeiro a senhora trabalhou num escritório de advocacia, depois na livraria de seu primeiro marido, o jornalista Hans Weiss, também numa seguradora e, em Londres, numa editora. Como chegou ao jornalismo?
Devido ao paternalismo. Weiss tinha sido jornalista do Berliner Tageblatt, e eu trabalhava numa companhia de seguros. Não pude estudar, pois não havia dinheiro. Então, logo após me formar, comecei a trabalhar. A partir dos anos 50, Hans Weiss era correspondente da Deutsche Presseagentur no sul da África. Quando começou, ainda havia o VWD [Serviços Econômicos Unidos], responsável pela seção de negócios. Como eu tinha um cargo muito alto no setor de seguros e, portanto, algo a ver com economia, Hans disse para eu tomar conta disso. Então, no começo escrevia apenas as histórias de negócios – sob o nome dele.
Na época, a África do Sul era bastante interessante para as mídias alemã e inglesa, mas não o suficiente para render reportagens verdadeiramente longas. Isso significava que ele também tinha que atuar em outros países africanos. Meu querido Hans fez isso algumas vezes, até que disse: "Acho que você faria isso melhor." Então acabei viajando para a África muito cedo, ainda na era colonial, e essa foi a minha sorte. Quando a companhia de seguros em que eu trabalhava se aproximou demais do Partido Nacional, eu não quis mais ficar. E então pensei: vou tentar o jornalismo.
O que a senhora sentiu ao voltar para a Alemanha pela primeira vez?
Voltei aqui pela primeira vez por causa dos meus sogros, que haviam sobrevivido, já em 1950, o que era incomum para judeus alemães. Isso significa que conheci a Alemanha num momento em que a destruição da guerra era visível por toda parte. Uma época devastadora. Em meus encontros com os alemães de então, encontrei muitos "combatentes da resistência". Era muito claro que os alemães não conseguiam lidar adequadamente com o passado recente. Mas, como trabalhamos desde muito cedo para a mídia alemã, pudemos acompanhar a política nacional bem de perto. O que, como disse anteriormente, não costumava ser o caso dos judeus alemães emigrantes. Nos anos 70, quando eu trabalhava na Deutsche Welle em Colônia, minha irmã não me visitou, nós nos encontramos na Suíça.
Entre 1975 e 1978 a senhora trabalhou como redatora-chefe da redação africana na Deutsche Welle. Por que acabou desistindo e indo para Londres?
Quando estava em Londres, passei muito tempo me perguntando por que tinha ido embora. Eu tinha direito a aposentadoria e, até os meus 60 anos, teria tido um trabalho muito bom. Mas na época eu não me sentia muito bem na Alemanha. Desde o primeiro momento, assim que cheguei em Colônia, enfrentei situações que remetiam ao passado.
Um exemplo: no período entre o Natal e o Ano Novo, estávamos à procura de um hotel. Encontramos uma pequena pensão e conversamos com a proprietária. Ela imediatamente me contou sobre a falência de um banco e disse: "São os judeus novamente." Perguntei então a meus colegas da Deutsche Welle sobre o tal banco: ele não tinham nada a ver com os judeus. Era esse o clima...
Seu filho Alexander nasceu em 1966 em Londres, após uma gravidez de risco tanto para a senhora quanto para o bebê. Aos quase 42 anos, a senhora o criou sozinha, seu segundo marido, Karl, não assumiu o papel de pai. Tem orgulho de seu desempenho como mulher emancipada, com carreira profissional, como mãe solteira?
Eu não colocaria dessa forma. Mas gostaria de acrescentar outra coisa. Desde muito cedo, devido à minha atuação na área de seguros, comecei a trabalhar numa esfera masculina, e isso se manteve, por eu trabalhar em economia. Muitas vezes eu era a única mulher, e quando decidi que queria ter um filho desse relacionamento, fui arrogante o suficiente para achar que ganharia o suficiente para isso.
Após décadas em vários países africanos – África do Sul, Rodésia/Zimbábue, Zâmbia – e em Londres, a senhora retornou à Alemanha em 2002. Onde está morando, agora?
Atualmente moro com meu filho na Dinamarca. Já não sou mais tão jovem assim, e achei que em alguma deveria estar com outras pessoas. Em algum momento o fim chega, e eu gostaria de estar junto de meu filho e sua família. E este é o caso, agora.
A senhora é uma judia praticante, uma judia alemã. Faz alguns anos, o antissemitismo vem ressurgindo no país: neonazistas bradam slogans racistas impunemente. O que a senhora acha: os judeus na Alemanha estão novamente em perigo?
Isso eu não sei dizer, porque não moro na Alemanha. De fora, no entanto, entendo quando dizem que, de novo, vivemos de malas sempre prontas. Essa é uma expressão que ouvi de muitos judeus nas décadas de 60 e 70. Nos anos 80 e 90, isso simplesmente não estava em questão. Mas hoje é novamente assim. Isso é muito perigoso, não só para os judeus, mas também para o povo alemão.
Com a populista Alternativa para a Alemanha (AfD), mais uma vez um partido de direita, em parte de extrema direita, está fortemente representado no parlamento federal alemão. Isso a preocupa?
Sim, pelo mesmo motivo. Em meus 20 anos de turnês de leituras, e também no tempo em que vivi na Alemanha, quando questionada sobre como me sentia no país, eu tinha uma resposta muito simples: a Alemanha de hoje não é a de 1930. Mas não posso mais dizer isso. Hoje, só posso dizer que 2019 não está muito longe de 1930. E isso é muito angustiante.
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