1945: França condena marechal por colaborar com nazistas
Mal começara o processo contra o marechal Henri Philippe Pétain, chefe de Estado francês durante os quatro anos do regime de Vichy, quando algo inusitado acontece na sala da 1ª Câmara do Tribunal de Apelação de Paris.
Por uma estreita porta, aparece o acusado de alta traição, vestido de uniforme cáqui, com medalhas e condecorações, bainha de seda e luvas brancas, e cumprimenta a todos com um gesto imponente. O efeito de sua presença é tão magnético que os presentes – em sua maioria contrários ao réu – se levantam instintivamente, em sinal de respeito. Esta cena ilustra bem a personalidade de Pétain.
Marechal não pede perdão
Com voz rouca, ele lê a seguinte declaração: "Um marechal francês jamais pede perdão. Só Deus e as próximas gerações poderão julgar. Isso basta à minha consciência e à minha honra. Deposito toda a minha confiança na França."
Pétain confia na França, mas acaba ficando só. Charles de Gaulle teme que a nação se divida. Depois de ser humilhada pela Alemanha, a França é ridicularizada pelos aliados, que apenas a toleram como parceira.
Vichy – o regime que executou as ordens de Hitler na França – é o símbolo desta humilhação, uma cicatriz na consciência nacional francesa, e Pétain é o representante de Vichy. De herói nacional a bode expiatório: apesar de Pétain desempenhar o papel de pai da nação, a razão de Estado exige uma vítima.
Popularidade contra colaboração
Para os militares, uma condenação de Pétain à morte seria parricídio. Afinal, o marechal – filho de agricultor com uma carreira militar impecável – é venerado pelos soldados.
Pétain já conquistara sua fama em 1916, como "salvador de Verdun", por ter resistido a uma ofensiva das tropas alemãs. Graças a este mérito, Petáin torna-se marechal, assumindo o comando das Forças Armadas francesas.
Após a Primeira Guerra, o marechal já é uma das personalidades mais populares da França. Apesar da idade avançada, Pétain mantém o comando militar e assume o Ministério francês da Guerra em 1934.
Armistício com Hitler e jogo duplo
Quando as tropas nazistas invadem o país pelas Ardenas, em março de 1940, e tomam o país de assalto, cresce o apelo por um "salvador". Em julho do mesmo ano, Pétain assume – aos 86 anos – o cargo de chefe de Estado francês, mas a derrota militar já estava selada.
Em Compiègne, no famoso vagão de trem em que a Alemanha se submetera ao Tratado de Versalhes, Pétain assina o armistício com Hitler. Com isso, a França é dividida numa parte ocupada e em outra livre, o "Etat Français", com sede na cidade de Vichy.
Por trás da fachada do "Etat Français", Pétain faz um suspeito jogo duplo, de recusa e colaboração com o regime nazista, tolerando inclusive a deportação de judeus para campos de concentração alemães. Ao incentivar as estruturas camponesas e patriarcais, ele segue à risca a ideologia nazista do "solo e sangue".
Pétain consegue – por um lado – excluir a França dos planos de Hitler e – por outro – manter o contato com os aliados até a libertação, em 1944. Por fim, ele acaba por fugir das tropas aliadas e passa os últimos meses da guerra na Alemanha, retornando à França, através da Suíça, logo após a capitulação alemã. O Tribunal de Guerra o acusa de colaboracionismo e alta traição.
O marechal só se manifesta poucas vezes durante o julgamento. Ele se considera o "escudo da França", deixando a De Gaulle o papel de ser a "espada". "Os alemães me chamavam de raposa velha. Eu sou mesmo uma raposa velha. Mas se vocês acham que Vichy foi fácil, estão muito enganados. Eu jamais mostrei minhas verdadeiras intenções. Como na infantaria, nunca se deve colocar a cabeça para fora da trincheira antes da hora."
Uma sentença e uma surpresa
Em 14 de agosto de 1945, os jurados se reúnem pela última vez, pronunciando a sentença, às quatro da manhã do dia seguinte: "O tribunal condena o marechal Philippe Pétain à morte, suspende seus direitos de cidadão e confisca seus bens".
Mas o fim do processo também foi inusitado: após anunciar a sentença, os jurados expressam o desejo de que ela não seja executada. Então, De Gaulle lança mão de seu direito de indulto e comuta a pena de morte em prisão perpétua.
Pétain ouve o pronunciamento da sentença, impassível. E cumpre a pena de prisão, até a sua morte, em julho de 1951, na ilha de Yeu.
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