1º de abril de 1930
Só no mercado negro ainda havia ingressos para a estreia de O Anjo Azul (Der Blaue Engel). Até o último momento, corriam boatos de que a exibição do filme não seria autorizada.
Heinrich Mann foi o autor do romance que inspirou o roteiro do dramaturgo Carl Zuckmayer. O tema do filme – tragédia e degradação – era altamente suspeito para a época, com o nazismo em plena ascensão.
No enredo, o severo professor Unrat (Emil Jannings) descobre que seus alunos frequentavam o cabaré Anjo Azul, onde a atração principal era Lola-Lola (Marlene Dietrich). Para puni-los, segue-os à casa de espetáculos, mas acaba envolvido pela sensualidade da cantora que, pouco a pouco, arruína a sua vida.
A sedução em pessoa
O jovem diretor Joseph von Sternberg foi trazido especialmente de Hollywood para realizar o filme. Para o papel principal, logo foi escolhido Emil Jannings, ator alemão que havia protagonizado clássicos do expressionismo e fora premiado com um Oscar no ano anterior.
Ele era um dos raros artistas que, em 1929, podia dar-se ao luxo de escolher seus papéis. Na época, seu projeto era filmar a história de Rasputin, mas acabou convencido pelo diretor Joseph von Sternberg a estrelar a adaptação do livro Professor Unrat, de Heinrich Mann, irmão do escritor Thomas Mann.
Para o papel de Lola-Lola, houve várias candidatas antes da escolha de Marlene. Assistindo a uma peça de teatro de Hans Albers, em Berlim, Sternberg descobriu num papel secundário a atriz Maria Magdalena von Losch, que tinha pouca experiência no cinema.
Ela era a tentação em pessoa, com um corpo sedutor e um sorriso irônico nos lábios. Foi imediatamente convidada para um teste de estúdio. Inicialmente, recusou por achar-se incapaz de fazer o papel de uma cínica atriz de teatro de revista, mas foi demovida pela insistência do diretor e mudou o seu nome para Marlene Dietrich.
Já durante o teste, ela demonstrou ser a escolha certa para o papel da intrigante e determinada Lola-Lola. A música do filme – uma valsa lenta e sensual – foi composta por Friedrich Holländer e interpretada por Marlene: "Sou feita para o amor da cabeça aos pés". Ninguém podia imaginar o sucesso que teria O Anjo Azul (duração: 103 minutos).
O filme transformou-se em obra-prima da transição do expressionismo para o realismo alemão e projetou Dietrich para o mundo, valendo-lhe um contrato para outros cinco filmes com Sternberg nos estúdios da Paramount, em Hollywood.
A criação do mito
Segundo o crítico de cinema Rubem Biáfora, trata-se de uma obra-prima do realismo fantástico de Sternberg, com seu típico cenário barroco, refinamento fotográfico e atmosfera nebulosa. O Anjo Azul também contribuiu para criar a nova estética do cinema audiovisual, dando ao som grande importância dramática. E, é óbvio, criou o mito Marlene Dietrich (1901–1992).
Ela foi, na opinião dos críticos, a encarnação definitiva da vamp, a sedutora e devoradora de homens. O escritor Ernest Hemingway, apaixonado por Marlene, escreveu que ela podia derreter um homem com um levantar de sobrancelhas e destruir uma rival com o olhar.
A própria Marlene tentou polir esse mito numa autobiografia e no livro de pensamentos O ABC de Marlene Dietrich, em que, entre outras coisas curiosas, define vício como "o que as outras pessoas têm".
A filha, Maria Riva, desmitificou a atriz. Num livro publicado em 1993, um ano após a morte de Marlene, em Paris, traçou um retrato devastador da mãe como mulher fria e violenta, que transformou a vida da filha num inferno. Apesar disso, o mito continua.