1920: Primeira edição do Festival de Salzburgo
Muitos conhecem a história de Todo Mundo (Jedermann), o rico pecador que acredita poder comprar tudo com o seu dinheiro, até que a Morte o convence do contrário.
"O que deseja de mim, meu Deus? Quer acertar as contas comigo e sem demora. Não estou de maneira alguma preparado para fazer tal prestação de contas. Sou um homem rico e poderoso, e a questão tem de ser adiada – não!"
A apresentação da peça Todo Mundo marca todos os anos no verão o início do Festival de Salzburgo, a cidade barroca austríaca cujo filho mais famoso é Wolfgang Amadeus Mozart. Ao lado do teatro, o programa do festival cultural – que conta entre os mais caros e importantes do mundo – inclui também inúmeros concertos e encenações de óperas. Todos os anos, mais de 6 milhões de visitantes acorrem aos eventos: hóspedes bem-vindos, pois os negócios ligados ao turismo são responsáveis por cerca de um quarto de toda a renda da cidade.
Em 1920, por ocasião do primeiro festival, os hóspedes ainda não eram tão bem aceitos, como mostra um registro da época:
"01/07/1920 – O governo estadual de Salzburgo determinou uma restrição das visitas de estranhos e a direção do Festival de Salzburgo comprometeu-se a não fazer nenhuma propaganda das apresentações em cidades estrangeiras. Trens especiais, em direção a Linz, Viena, Zell am See e Bad Ischl, deverão fazer com que os hóspedes partam sem delongas".
O motivo para a postura pouco hospitaleira do município era a precária situação de abastecimento. A Primeira Guerra Mundial deixara sequelas, havia inflação, falta de material de calefação e falta de alimentos: foi nessa época pobre que o festival – hoje tão pomposo – teve o seu ponto de partida.
Planos demoraram a ser concretizados
É longa e complicada a história que precedeu o surgimento do festival. Desde os planos iniciais, que datam da época anterior à Primeira Guerra, a concretização sempre foi estorvada por querelas em torno de concepções e competências, mas principalmente pela escassez crônica de verbas. Em 1918, o lendário dramaturgo Max Reinhard entusiasmou-se com a ideia do festival.
Na sua juventude, Reinhard trabalhara no Teatro de Salzburgo, antes de fazer grande carreira em Berlim. Com seu amigo e colaborador, o poeta Hugo von Hofmannsthal, Reinhard desenvolveu o conceito de fazer o teatro retornar à tradição medieval e da Antiguidade: apresentações não apenas para os cultos e ricos habitantes das grandes cidades, mas para todo o povo.
Nada calhava melhor do que a peça alegórica Todo Mundo, de Hofmannsthal, com a sua linguagem simples e sua moral mais do que óbvia. A Morte e o Diabo aparecem pessoalmente, da mesma maneira que a Fé e o Dinheiro: "Quem é você? Não conhece a minha cara? Sou a sua riqueza, o seu dinheiro, o que é tudo para você neste mundo".
Cenário ideal
A encenação também deveria romper as limitações do teatro convencional. Reinhard aproveitou a Catedral de Salzburgo como cenário, improvisando um palco de madeira diante dela. A encenação da peça começou no final da tarde e terminou no crepúsculo.
Os atores participavam da ação também no meio do público, os clamores de "Todo Mundo!" ressoavam do Castelo Hohensalzburg, órgão e coral podiam ser ouvidos da catedral. "Clamo por vós no momento derradeiro. Oh Deus eterno, oh meu Salvador, ajudai-me, se o inimigo infernal insistir em aparecer por aqui."
E quando, na cena final, Todo Mundo se arrepende e é salvo das garras do Diabo, soaram os sinos da catedral e uma revoada de pombos cobriu o céu.
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